Fim do delírio populista no STF
Os críticos, nem todos estudiosos do Direito, mas cheios certezas e convicções, ignoram que ao Supremo Tribunal Federal, como elemento estruturante da democracia constitucional, compete a função de interpretar a legislação e assegurar a supremacia da própria Constituição, fundamento de validade de todo o sistema jurídico, a lei fundamental do país
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Após um período de ausência o STF voltou e colocou fim ao delírio populista que autorizava a execução das penas antes do trânsito em julgado, e por conta disso vem sendo duramente criticado.
Os críticos, nem todos estudiosos do Direito, mas cheios certezas e convicções, ignoram que ao Supremo Tribunal Federal, como elemento estruturante da democracia constitucional, compete a função de interpretar a legislação e assegurar a supremacia da própria Constituição, fundamento de validade de todo o sistema jurídico, a lei fundamental do país.
E a crítica mais grave e perigosa está no questionamento da legitimidade do STF, essa narrativa é criminosa, pois nas sociedades democráticas contemporâneas as divisões culturais e a pluralidade de percepções sobre os elementos do bem comum, impedem o consenso e a imprevisibilidade estão sempre na arena política, e lá as controvérsias são resolvidas por apertadas maiorias, causando uma sensação de baixa legitimidade do sistema democrático representativo, mas os que tem e mantém a democracia no coração e nas suas ações sabem que não há dúvidas sobre a legitimidade.
A ministra Rosa Weber escreveu que “... há uma razão de ordem ética pela qual à interpretação jurídica há de corresponder uma teoria que ampare uma racionalidade objetiva, ou pelo menos intersubjetiva, sendo reduzido o espaço disponível aos impulsos subjetivos do intérprete, por melhores que sejam, ou lhe pareçam, suas motivações.”, observem a afirmação: “sendo reduzido o espaço disponível dos impulsos subjetivos do interprete”.
Nessa linha não é demais dizer que o STF não deve se deixar influenciar pela opinião pública, pois ela, como disse o ministro Barros em 2013, “... não é uma instituição, é uma nuvem que se desloca e muda de forma. Portanto, a sociedade e a opinião pública merecem consideração, mas um juiz não pode ser escravo da opinião pública. A mesma multidão que aplaudia o ministro Lewandowski na rua quando ele aprovou a Ficha Limpa, o vaiava quando votou de acordo com o que achava que devia votar na AP 470. (...) Em certos casos, o juiz deve proteger a sociedade dela mesma. É para isso que existe a Constituição, para que as paixões politicas não derrotem a racionalidade institucional.”.
Didaticamente pode-se afirmar aos juristas das redes sociais que o cerne da controvérsia hermenêutica, além dos preceitos dos artigos 283 e 637 do Código de Processo Penal, estava na garantia fundamental assegurada no art. 5º, LVII, da Constituição da República de 1988, de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Tal garantia [não ser considerado culpado antes do trânsito em julgado], nos moldes em que dimensionada pelo Constituinte, consagrou expressamente a presunção de inocência e o fez isso fixando marco temporal expressamente, ao definir como termo final da garantia da presunção de inocência o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Essa é a única interpretação tecnicamente correta e honesta, especialmente porque no curso dos seus trabalhos, a Assembleia Nacional Constituinte expressamente rejeitou diferentes propostas de conformação positiva do princípio da presunção de inocência que davam à garantia feição mais elástica, principiológica, desvinculando do trânsito em julgado a formação da culpa, como lembrou a ministra Rosa Weber em seu voto.
Fato é que a prerrogativa jurídica da liberdade possui extração constitucional[1] e não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo verdadeiramente autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como culpado, qualquer que seja o ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional do estado de inocência, tal como delineado em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário, principio aparentemente desconhecido pelo atual ministro da justiça.
Essas são as reflexões de hoje.
Pedro Benedito Maciel Neto, 55, advogado, sócio da Maciel Neto advocacia (www.macielneto.adv.br), autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. komedi, 2007 – Presidente do Conselho de Administração da SANASA S.A.
[1] CF, art. 5º, LXI e LXV
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