Feminicídio: morte da mulher por ser mulher

O problema mais grave a ser enfrentado para que a mulher se torne definitivamente autônoma, independente e dona de seu destino é a violência contra ela, uma indignidade perversa

O problema mais grave a ser enfrentado para que a mulher se torne definitivamente autônoma, independente e dona de seu destino é a violência contra ela, uma indignidade perversa
O problema mais grave a ser enfrentado para que a mulher se torne definitivamente autônoma, independente e dona de seu destino é a violência contra ela, uma indignidade perversa (Foto: Davis Sena Filho)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O empoderamento da mulher, no decorrer do tempo, é visível e retrata a mudança que as sociedades, principalmente as ocidentais, experimentam com a saída da mulher do lar, e, consequentemente, sua inclusão no mercado de trabalho, no empreendedorismo, e, evidentemente, na política.

Contudo, em minha opinião, não são as conquistas econômicas, financeiras e políticas efetivadas pelas mulheres que se tornaram as questões mais sérias de suas realidades, mas, sobretudo, a violência praticada pelos seus companheiros, maridos, namorados, amigos e até mesmo estranhos.

continua após o anúncio

O problema mais grave a ser enfrentado para que a mulher se torne definitivamente autônoma, independente e dona de seu destino é a violência contra ela, uma indignidade perversa, que remonta aos tempos de barbáries das civilizações humanas. Não existem condições de uma sociedade se tornar evoluída se as mulheres, os idosos e as crianças não forem respeitados em seus direitos e dignidades.

E dou exemplo ao que eu falo, com números e realidades. Segundo estudos e pesquisas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), apesar de a Lei Maria da Penha completar oito anos este ano, 15 mulheres são mortas por dia no Brasil, o que significa que apesar da existência da lei as taxas de mortalidade continuam altas.

continua após o anúncio

O Ipea aponta ainda que em dez anos, entre 2001 e 2011, cerca de 50 mil mulheres foram assassinadas. Em nosso País, o feminicídio vitima, em média, 5.664 mulheres por ano, sendo que 472 são mortas a cada mês e 15,52 são assassinadas, dia após dia. São números de guerra civil, que envergonham a sociedade brasileira e depõem contra as autoridades, bem como contra todo o sistema educacional e familiar.

Afinal de contas, a educação começa em casa, para logo ser também efetivada em escolas, igrejas, associações e instituições públicas e privadas. Considero que as sociedades modernas estão falidas moralmente, educacionalmente, e, fundamentalmente, subjugadas por valores e princípios que, de forma alguma, retratam a existência da humanidade e sua luta para sobreviver neste planeta chamado de Terra.

continua após o anúncio

E por quê? Porque "esquecemos" que as sociedades remotas diversificadas em um conjunto gigantesco de comunidades superaram seus obstáculos por intermédio da solidariedade, do respeito às diferenças de gêneros, quando o homem e a mulher se tratavam de forma igual até o momento em que o poder masculino se armou, pois se tornou belicista e territorialista, e, por sua vez, o dono do território, do terreno, da caça, da terra para o plantio e, principalmente, da casa ou lar, onde mora sua companheira eterna, a mulher, mãe de seus filhos, que também passa a ser tratada como posse de seu poder, como todo o resto.

Todas estas questões apresentadas o são, irremediavelmente, verdadeiras. O autoritarismo e a prepotência são os combustíveis dos valores culturais e civilizatórios que fundamentam o machismo, pois se traduz em preconceito e se transforma em violência física e ideológica, não somente contra a mulher, porque o machista e o sistema que lhe propicia poder se volta também contra os gays, os portadores de deficiências, os pobres, os idosos, as crianças e os grupos étnicos considerados minorias.

continua após o anúncio

O machismo, antes de tudo, é preconceituoso. O preconceito é perigoso, porque ele mata. O preconceito é o rastilho de pólvora que alimenta há milênios o poder patriarcal, que quando se sente ameaçado ou simplesmente desafiado trata logo de queimar a pólvora e explodir em violência, que redunda em sofrimento e prejuízos morais, emocionais, afetivos, financeiros e físicos.

O Brasil se quiser ser desenvolvido e ter uma sociedade igualitária tem de compreender, primeiramente, as razões da violência contra a mulher e tudo o que advém dela, a exemplo da família, do trabalho, da sociedade em geral, pois quando uma mulher é agredida moralmente e fisicamente, ela é transformada em vítima de ameaças, espancamentos e assassinatos.

continua após o anúncio

A verdade é que o homem que incorre nesses graves erros e pecados está a destruir tudo aquilo o que ele é: o fruto da carne da mulher. Não há condições de existir uma sociedade livre e justa se a mulher e as minorias não forem respeitadas em seus direitos de viver em paz, pois, sem paz, não há justiça; e, sem justiça, edifica-se a guerra com todas suas terríveis consequências.

Os índices negativos sobre a violência contra a mulher denotam, de acordo com o Ipea e as Secretarias de Segurança, que a Lei Maria da Penha, apesar de ser útil e tipificar o crime contra as mulheres, muitos deles oriundos do machismo, ainda não conseguiu intimidar os homens violentos, porque a vida é dinâmica, instável e a violência de momento, a explosão de fúria, a bebedeira e a sede de sangue e vingança não temem a Lei.

continua após o anúncio

A maioria das mulheres agredidas e mortas é vítima de seus parceiros ou conhecidos. Geralmente esses homens bebem ou se drogam, sentem-se fracassados ou inferiores e são portadores de sentimentos diabólicos, que se transformam em uma mistura que é nitroglicerina pura: autoritarismo e preconceito pelo simples fato de a mulher ser mulher, comportar-se como mulher, vestir-se como mulher, questionar como mulher, desejar como mulher, sonhar e lutar como mulher, brigar como mulher e ter o corpo de mulher, alvo da violência do homem de caráter dominador, pois ciumento, fato este que pode levá-lo a matar, porque considera propriedade aquela que se dispôs a ter uma relação afetiva com ele.

Portanto, o machismo é o senhor do preconceito e a razão da guerra, pois ele é a ideologia que sustenta e legitima o controle social e econômico pelo poder pátrio, que se estende ao Estado, às instituições religiosas e ao seio das famílias. O machismo falseia a realidade, porque desde os primórdios da humanidade, quando o homem deixou ser nômade e optou por ocupar territórios, e, consequentemente, dominar o outro homem, agora visto como adversário ou inimigo de seus interesses, valeu-se das leis de impedimento, da moral religiosa e da coerção e repressão do estado ou de milícias privadas para estruturar a ideologia machista, que propiciou a este homem o domínio e a exploração sobre os outros homens, bem como, evidentemente, sobre a mulher.

continua após o anúncio

Machismo é ideologia. Ponto! Por isso que é tão difícil e complexo combatê-lo. Por seu turno, trata-se de uma ideologia falsa e infame, porque o propósito é legitimar um modelo de organização social superado, que causou conflitos, guerras, violência e a capitulação das famílias. O machismo aposta na individualidade, a ter a "meritocracia" como forma de impedir que todos os entes humanos cresçam e tenham acesso a uma vida de melhor qualidade.

O machista é antidemocrático, injusto, individualista, egoísta e violento. A violência antes de ser praticada é antes pensada. Então o machismo é ideológico, porque tem a finalidade de fazer com que certos grupos sociais exerçam a hegemonia sobre outros, a exemplo das mulheres, dos gays, dos negros, dos índios ou dos idosos. Para existir a ação violenta não é necessário colocá-la sempre em prática. Basta apenas ser omisso ou cúmplice de toda essa draconiana engrenagem.

Um homem pode passar toda sua vida sem bater ou agredir com palavras duras uma mulher, e mesmo assim ser machista, porque seus pensamentos, princípios e valores coadunam com os preceitos do sistema patriarcal. A Lei Maria da Penha, apesar de sua importância, é apenas uma onda dentre às milhares de ondas que se esvaem nas areias. Por isso, a luta contra o machismo tem de ser duramente e sistematicamente combatida, sem trégua e tempo para terminar.

O empoderamento da mulher é uma solução viável para que ela possa ter a liberdade de escolha e ser dona de seu destino. Em pleno século XXI do terceiro milênio as ações de violência contra a mulher têm de ser severamente efetivadas, bem como a conscientização de que a mulher tem de ser um ente independente e dona de sua vontade começa dentro de casa, porque o aprendizado da ideologia do machismo é ensinada primeiramente nos lares.

Necessário se torna também afirmar que existem homens machistas, aos montes. Entretanto, vale salientar que milhares ou milhões de mulheres se comportam em suas vidas como machistas, porque tal ideologia não tem sexo, idade e raça. O lar é o local onde os meninos e as meninas deveriam aprender que o machismo e certas ideologias e conceitos não são os melhores conselheiros para a sociedade ouvir e, por conseguinte, andar por veredas tortuosas, que levam à dor e à desesperança.

O feminicídio é uma das maiores mazelas da humanidade. No Brasil, tal processo draconiano causa profundas dores às famílias e indescritíveis prejuízos morais e financeiros à sociedade. A Lei Maria da Penha é um importante instrumento de proteção à mulher vítima de violência, mas não basta. Discernimento e conscientização sobre o papel da mulher são fatores que deveriam começar a serem discutidos nas famílias.

Afinal, a família é o Estado e o conjunto da sociedade em forma de célula. O machismo é uma doença social, que descambou para uma violência em forma de epidemia, cujo o nome é feminicídio. É isso aí.

Taxas de feminicídios por 100 mil mulheres

Brasil e Unidades da Federação Brasileira — 2009-2011

Mortes por Estado

As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram as taxas de feminicídios mais elevadas, respectivamente, 6,90, 6,86 e 6,42 óbitos por 100 mil mulheres. Os Estados com as maiores taxas foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, taxas mais baixas foram observadas nos Estados do Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

Idade e raça

Segundo o estudo, mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos. No Brasil, 61% dos óbitos foram de mulheres negras (61%), que foram as principais vítimas em todas as regiões, exceto na região da Sul. Merece destaque a elevada proporção de óbitos de mulheres negras nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%).

Fontes: Ipea/Diset

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247