"Fé e Fúria": armas e almas
Os ataques neopentecostais às religiões de matriz africana, uma das sementes do fascismo em voga, é o tema do impactante documentário "Fé e Fúria"
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"Não é uma guerra, mas um genocídio" – é como o babalaô Ivanir dos Santos define os ataques que os evangélicos, traficantes e milícias vêm perpetrando contra praticantes de religiões afrobrasileiras nas periferias e comunidades de grandes cidades brasileiras. Fé e Fúria, o impactante documentário de Marcos Pimentel, traça um painel dessa chamada "guerra santa", recorrendo a depoimentos dos dois lados.
O filme se divide em segmentos nomeados pelo referencial bélico. Histórias de agressões a pessoas e atentados contra terreiros de umbanda ilustram o clima de tirania religiosa. Vemos imagens estarrecedoras de crianças sendo doutrinadas para a "guerra espiritual", formação de grupos paramilitares como o "Exército de Deus" e os "Gladiadores do Altar", dos quais "Jesus é o general".
A relação entre armas e almas tem sido mais que um trocadilho. O vídeo da música "Facção Jesus Cristo" termina com meninos apontando arminhas para a câmera e fingindo disparar uns contra os outros, que caem mortos no chão. Versículos, salmos e a palavra "Jesus" são marcas de conquista de território nas favelas e subúrbios do Rio e Belo Horizonte, onde Marcos Pimentel gravou seu filme.
Vale dizer que o documentarista mineiro se converteu à palavra. Por muito tempo fez documentários baseados na observação silenciosa da vida em cidades e no interior (Sopro, A Parte do Mundo que me Pertence e excelentes curtas). Nessa volta ao filme falado, ele não joga conversa fora. Se evangélicos neopentecostais, em sua maioria, se manifestam à sua maneira – irracionais, mitômanos, preconceituosos –, o pessoal do candomblé e da umbanda demonstra fina capacidade de análise e a conhecida vocação para a tolerância.
Cabe a eles dissecar o que está por trás da perseguição que sofrem: racismo sobretudo, mas também o poder econômico das novas igrejas com sua "Teologia da Prosperidade", a esperteza em conquistar a massa pela música e pelo espetáculo, a entrada nas prisões e a adesão de ex-bandidos, a aliança com traficantes, policiais e milicianos. Com tudo isso, adquirem um status respeitável nas comunidades. O resultado é uma radiografia das entranhas de um processo que levou o Brasil aos braços da extrema-direita, como anotado nos créditos finais.
Pimentel, desta vez, está mais preocupado em expor com clareza seu arrazoado do que em experimentar com a forma do documentário. Ele filma com a classe e a calma habituais. Insere entre as falas preciosas de seus personagens uma iconografia espantosa, que alia religião e violência, fé e fúria.
A "guerra" dos evangélicos é ainda mais perigosa porque se dirige também a eles próprios. É preciso lutar contra os seus maus instintos, contra o diabo que está à espreita e pode surgir de dentro deles mesmos. O outro, então, passa a ser a encarnação dessa ameaça, que urge destruir ou pelo menos desfigurar simbolicamente. O fascismo, enfim. Fé e Fúria é mais um filme de enorme importância para a compreensão do que estamos vivendo.
>> Fé e Fúria está em cartaz nos cinemas.
O trailer:
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