Fantasia de Papai Noel não serve em Bolsonaro, certo?
"Ao discutir mudanças na idade mínima para a aposentadoria, Bolsonaro tenta amenizar a rejeição brutal dos brasileiros à reforma da Previdência", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Partilha de renda em estado puro, a idade é apenas um dos vários elementos que definem uma aposentadoria, junto com o tempo de contribuição, o teto de benefícios, o salário ao longo da vida." Para PML, "com sacrifícios pesados, a reforma da Previdência é a estrada de mão única anunciada pelo guru Paulo Guedes, para quem o plano B é o dilúvio, o salve-se quem puder".
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Por Paulo Moreira Leite, colunista do 247 e membro do Jornalistas pela Democracia
Num país onde 71% rejeitam a reforma da Previdência, a entrevista de Jair Bolsonaro ao SBT, ontem, mostra que a prioridade do governo é simples: tentar amenizar o repúdio nacional à mudanças em curso no sistema público de aposentadorias.
Atuando num terreno desfavorável, Bolsonaro evitou falar sobre projeto em seu conjunto e fez o possível para dar a impressão de que podem ocorrer mudanças favoráveis aos trabalhadores. Por isso falou na idade mínima para aposentadoria.
Hoje, ela é de 60 anos para homens e 55 para mulheres. No projeto deixado por Michel Temer, ela subia para 65 para homens e 60 para mulheres. Bolsonaro contou que o governo estuda elevar a idade para 62 e 57 anos.
Profissionais de negociação sabem do que se trata -- a velha técnica de colocar um bode na sala, que sempre começa com uma proposta escandalosamente ruim no começo da conversa. Mais tarde, quando ela é corrigida, a plateia pode ficar com a ilusão de que a nova proposta não é tão ruim assim. Podem até achar que é boa -- como Bolsonaro gostaria que ocorresse, no lance mais recente de sua parceria com o antecessor MIchel Temer. A Folha deu a manchete: "Bolsonaro propõe novas idades para aposentadorias". Estava se referindo ao projeto Temer, que foi arquivado porque não tinha a menor condição de ser aprovado. Como lembrou um artigo de Oded Grajew, as estatísticas sobre os bairros pobres de São Paulo mostram que um terço da população da maior e mais rica cidade brasileira morre antes de chegar aos 65 anos.
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Há vários dados que definem a equação final que produz a aposentadoria de cada trabalhador. Estamos falando de partilha de renda em estado puro, um processo que não pode ser debatida a partir de um dado isolado.
A idade é um ponto. Outro é o tempo de contribuição -- hoje é 35 anos para homem e 30 para mulher. Temer chegou a falar em 40 anos.
Também é preciso definir o teto do benefício. Uma coisa é manter o máximo atual, de R$ 5.832,11. Outra é rebaixar o valor máximo para três salários mínimos, ou pouco menos de R$ 3000,00, o que iria prejudicar os trabalhadores especializados e forçar a abertura de mercado para os planos de previdência privada, enfraquecendo as receitas da própria Previdência.
Cabe enxergar outro rombo a vista, produzido pela informalização do mercado de trabalho, a jornada intermitente. O que acontece com esses trabalhadores?
Se estamos falando de sacrifícios, e não de medidas generosas, é necessário perguntar pela contribuição de setores específicos. O debate sobre camadas privilegiadas deve ser o início da conversa. Aí começa -- ou termina -- sua legitimidade.
Pergunta-se: o plano é manter o regime especial dos militares, que há dois anos gerava um déficit anual de R$ 32,5 bilhões? O que será feito com a aposentadoria de juízes, de altos funcionários do Estado?
Do ponto de vista da maioria, estamos falando de sacrifícios pesados, que irão sair do bolso dos trabalhadores e dos mais pobres, a pretexto de equilibrar as contas. Essa é a única certeza transmitida dia-a-dia pelo novo governo.
Bolsonaro pode adorar discursos e conflitos ideológicos. Mas o andar de cima que irá garantir seu mandato daqui para a frente prefere sua parte em moeda sonante. A reforma da Previdência é a linha divisória, o presente encomendado, a estrada de mão única anunciada pelo guru Paulo Guedes sob aplauso frenético dos empresariados que assistiram à sua posse. O plano B é o dilúvio, o salve-se quem puder.
Ninguém, neste governo, pretende mudar de lado nem usar a fantasia de Papai Noel. Até porque o Natal já passou.
Alguma dúvida?
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