Falta saber o que há pra lá de Rancho Queimado

"É o dinheiro que está no começo de todos os rolos da cloroquina. O dinheiro que mobiliza facções dentro e fora do governo", analisa Moisés Mendes, do Jornalistas pela Democracia

Agente de saúde segura comprimido de cloroquina
Agente de saúde segura comprimido de cloroquina (Foto: REUTERS/Diego Vara)


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Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia

São basicamente três as motivações, todas misturadas, para o uso da cloroquina como política de governo, como mercadoria que dá muito lucro e como remédio vendido como milagre no atacado da saúde pública e no varejo dos consultórios médicos e dos hospitais.

A primeira motivação é a aparentemente ideológica, que tenta transformar uma farsa numa eureka, para sabotar a vacina de João Doria e fortalecer a retórica e as atitudes negacionistas.

Mas a motivação ideológica não funciona sozinha. Está amarrada ao desejo de ganhar dinheiro, por parte de quem produz, de gente de dentro do governo e dos charlatões, hospitais privados e médicos que esperavam estar diante de um milagre. Todos mancomunados.

O esforço para provar que a cloroquina funcionava para a Covid andou de braços dados com as ações do governo, como prova o caso escabroso da Prevent Senior.

A segunda motivação é a da ignorância que absorve e passa adiante a certeza de que não há dúvidas sobre o remédio. É a prevalência dos relatos do “eu dei e a coisa funcionou”, como afronta a tudo o que foi testado em experimentos científicos.

O ignorante é o sujeito tomado pela fé, que mistura a falta de discernimento com a crença no que os negacionistas pregam. Sem o ignorante complacente, a cloroquina não teria prosperado.

E a terceira motivação é a econômica, que está amarrada à primeira e funciona com a cumplicidade da segunda e foi acionada pelo governo.

A motivação econômica chega à ponta, no hospital privado, quando alguém abre a boca do doente e enfia o comprimido, e quando até o médico particular passa a receita e assegura que haverá milagre antes da intubação.

A motivação econômica derramou cloroquina nos postos de saúde e explica a postura das clínicas, tipo Prevent, que tentaram se livrar de custos com os doentes com o remédio que precisaria funcionar de qualquer jeito, mas não funcionou.

Mas é a questão econômica original, lá do começo disso tudo, que aciona a linha de montagem da cloroquina e desencadeia outras reações que envolvem dinheiro.

Essa é a raiz, dentro do governo, que a CPI precisaria puxar, para achar o tronco, os galhos e as folhas dessa árvore frondosa.

É o dinheiro que está no começo de todos os rolos da cloroquina. O dinheiro que mobiliza facções dentro e fora do governo.

É o dinheiro, muito mais do que o desejo de sabotar a vacina e de impor o negacionismo, que transforma cloroquina no ouro da extrema direita e faz com que ganhe espaço no discurso de Bolsonaro na ONU.

A cloroquina já estava desmoralizada para o mundo, mas Bolsonaro teve de falar do remédio para que todos ouvissem.

Ingênuos acharam que Bolsonaro falava apenas para os seus. Bolsonaro estava cumprindo o que havia sido acordado com os donos dos negócios da cloroquina. Venda cloroquina até na ONU.

Por isso, sem encontrar os rastros da dinheirama, o serviço será incompleto. Podem enquadrar Bolsonaro, os filhos e todos os cúmplices por ação criminosa na indução ao uso de um remédio que não cura e pode matar. Não basta.

Pode até acontecer de todos eles serem processados por crime contra a saúde pública e cumplicidade com a morte. Não basta.

É risível que a CPI anuncie o enquadramento de Bolsonaro por charlatanismo, como se isso fosse grave. O charlatão não tem o poder de determinar políticas públicas criminosas, todas por ações deliberadas, e não por erros.

O país estará frustrado senão for desvendada a estrutura que sustentou o marketing e as fábricas de cloroquina e seus disseminadores, a partir da família Bolsonaro.

Bolsonaro foi o líder propagador de cloroquina, por ação de governo, e teve o envolvimento direto dos filhos nas fake news, dos fabricantes, de hospitais, empresários, médicos e políticos. Bolsonaro levou o Exército ao constrangimento de produzir cloroquina.  

Foi estranho ver, na CPI do Genocídio, o esforço dos senadores para que ficasse provado que Bolsonaro agiu deliberadamente, como presidente, para que a cloroquina fizesse parte do plano de combate à pandemia.

Não é preciso provar mais nada. Até as emas receberam de Bolsonaro o conselho para que tomassem cloroquina. Bolsonaro repetiu mil vezes em lives que o remédio é que salva, e não a vacina. Ele mesmo disse várias vezes ter tomado cloroquina.

Mas a CPI terá de responder no relatório final: quem comprou e quem foi comprado com o dinheiro da cloroquina?

O que precisamos é saber do dinheiro, e não só dos crimes por ação política. Se acham os dólares de Paulo Guedes nos paraísos fiscais, devem encontrar o dinheiro das facções negacionistas aqui por perto. É preciso ir muito além de Rancho Queimado.

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