Falta grandeza à mídia tradicional
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O principal objetivo da mídia tradicional em negar o golpe contra Dilma é manter o mal-estar ocasionado pelo clima de hostilidade do mercado contra o Estado - trata-se, como ensina Jessé Souza, da dialética que consiste na demonização do Estado e endeusamento do mercado. Como a elite sabe que é o Estado que deve protagonizar a cena política e econômica do país nos próximos anos, ainda mais com um Lula mais experiente e sabido, especialmente depois dos 580 dias encarcerado como preso político, ela recorre à velha fórmula de alimentar a ideia de que tudo, em absoluto, deve girar em torno do mercado.
Desde o início do novo governo, o mercado - essa abstração avessa à noção de Estado - tem passado a clara mensagem, propalada pela mídia tradicional, de que é a ele a quem o governo deve se curvar. O mercado é ilustrado pelos formadores de opinião da mídia tradicional como uma autoridade máxima, sagrada sob qualquer suspeita, não uma mão, mas um corpo inteiro invisível e obeso, amorfo, imprevisível: metáfora de um delivery entregue em minutos pelas mão de um jovem negro e pobre.
O eco: “não foi golpe!” não passa de uma mensagem cujo efeito quer no fundo dizer: “eu estou aqui e sou eu quem manda”. Um blefe e um risco: - a exata colisão que impediu um novo golpe. Acontece que os golpistas, no afã de atacar a democracia sem um projeto sólido de fundo - apenas motivados pelo ódio ao PT - se esqueceram, também por ódio, de estreitar os laços com o mercado. Para eles, o fetiche pelas Forças Armadas e o fanatismo pela figura de Bolsonaro, que deveriam ser efeitos colaterais a despeito do protagonismo do mercado, acabaram se tornando centrais, resultando nos atentados terroristas de 08 de Janeiro.
No fundo, a tentativa frustrada de golpe revela, agora, o erro estratégico da guerra híbrida em favor do mercado. É por isso que até a Faria Lima se voltou contra o bolsonarismo ao final do seu mandato. A Faria Lima e, obviamente, a mídia tradicional. Os ataques que começam a ser projetados contra o Lula e o PT nada tem a ver com o Bolsonaro e o bolsonarismo. O olho gordo do mercado já enxerga paisagens futuras. O que ele não faz, e é aí que mora o perigo, é medir as consequências que o Brasil pode sofrer a partir de novas aventuras golpistas.
Ela, a mídia tradicional, tentará reformular o ódio contra Lula e o PT. Afinal, se especializaram nisso. Disso decorre outro problema. E ele deve ser visto a partir do resultado obtido pela onda de demonização do Lula e do PT. O feitiço voltou-se contra o próprio feiticeiro, já que Bolsonaro, subproduto do ódio ao Lula e ao PT, terminaria adotando um tom violento contra os veículos tradicionais. Neste sentido, a quem se destinaria uma nova onda de ódio contra o PT?
Não aos bolsonaristas, já que estes nada enxergam senão aquilo que lhes oferece o próprio habitat: redes sociais, sites, grupos extremistas no whatsapp e telegram. Não os petistas, já que a consciência progressista parece haver consolidado, na figura do Lula, uma consciência histórica que começava a se diluir diante do exotismo de outros candidatos. Como Lula tem enfatizado o papel do Estado sobre as pautas sociais, reafirmando seu compromisso histórico com o povo brasileiro, o que a mídia faz quando volta a negar o golpe contra Dilma - já confessado inclusive pelo próprio Temer - e mais recentemente negado, é preparar o terreno para a retomada da agenda econômica pelo neoliberalismo selvagem - aquele que, por exemplo, ignora consequências como a dos povos Yanomamis.
É preciso manter um clima de desconfiança permanente com o fito de conduzir as novas almas desconfiadas para embarcarem na onda de “heróis” que costumam surgir pouco antes das eleições. O exemplo mais bem acabado disso é o editorial do Estadão de 27/01/2022 intitulado “Falta grandeza a Lula”. Somente o título já causa ou deveria causar perplexidade ou ojeriza a qualquer cidadão de bom senso. Justamente grandeza é o que não falta a Lula, que resistiu à prisão política de um juíz que mal consegue se expressar no português correto, construiu uma ampla frente democrática, dialogando com todos os setores da sociedade e, finalmente, conseguiu ganhar as eleições, apesar dos usos inescrupulosos da máquina pública utilizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar a reeleição. Ademais, o argumento de que não houve golpe porque houve um processo de impeachment não somente demonstra o esforço de subestimar, por meio de um moralismo legalista, a criticidade do leitor, como coloca-se, ele mesmo, em um embaraço lógico. Como se trata de um espaço de formação de opiniões, o editorial explica de forma didática a fala de Lula em sua passagem por Montevidéu: “não contente em classificar de ‘golpe de Estado’ uma decisão soberana do Congresso, com respaldo do Supremo Tribunal Federal e em estrito cumprimento da Constituição, Lula o fez no exterior, enxovalhando as instituições democráticas do Brasil perante uma audiência estrangeira. Foi, portanto, uma dupla ofensa ao País.”
O embaraço consiste em que, seguindo a trilha lógica do argumento, o que o editorial deveria fazer é reivindicar de vez sua volta à prisão - também balizada dentro das regras institucionais. Entretanto, ao não fazê-lo - porque o que quer é apenas dialogar com ele por meio da intimidação do mercado sobre o Estado - utiliza-se, finalmente, do grosseiro clichê em busca de um denominador comum fantástico que visa comparar Lula e Bolsonaro (ironicamente, em breve, este esforço poderá ser conseguido via ChatGPT).
Falta grandeza à mídia tradicional. Por isso, o restante são efeitos de óptica destinados a iludir o leitor despreparado. Sem dúvida uma lacuna a ser suprida pelo jornalismo independente, democrático e, trocadilhos à parte, sem temor ao Estado.
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