Exército protege capitão do Riocentro há 40 anos
"Apesar de todas as provas e laudos periciais de que foi cúmplice do Sargento Guilherme do Rosário no atentado do Riocentro, denunciado por crimes que somam 36 anos de cadeia pelo MPF-RJ, o hoje General Wilson Machado, 73, há quarenta anos guarda pacto de silêncio", diz Alex Solnik, do Jornalistas pela Democracia "Ele protege o Exército e o Exército o protege"
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Por Alex Solnik, do Jornalistas pela Democracia
Naquela quinta-feira, 30 de abril de 1981, o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, 33, como fazia todas as manhãs, desceu do apartamento número 503 do Edifício Pierre, situado à rua Visconde de Itamaraty 167, no bairro da Tijuca, onde morava com a mulher e a filha, para comprar leite e pão na Confeitaria Flor da Tijuca, situada a poucos metros dali.
Na banca de jornal da Major Ávila esquina com a avenida Maracanã, outra parada habitual, comprou o Jornal dos Sports para saber notícias do Fluminense, seu time do coração.
“Gente fina” e “comunicativo”: era descrito assim na vizinhança.
Depois do café em família, partiu, em seu Puma marrom metálico placa OP 0297, para o local de trabalho, à rua Barão de Mesquita, no mesmo bairro.
Ao cruzar o portão do I Batalhão de Polícia do Exército, e adentrar o Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do I Exército, o DOI-Codi, sua identidade mudou. Ele virou “Dr. Marcos”.
A Lei da Anistia fora assinada dois anos antes, mas aquele porão clandestino do estado brasileiro ainda funcionava. E ali, por razões óbvias, todos usavam codinomes e assumiam outras identidades. O que acontecia ali, morria ali.
De capitão para cima, os codinomes eram sempre precedidos de “doutor”; de capitão para baixo, o prenome mudava para “agente”. Cada macaco no seu galho. Um manda, outro obedece.
Não era, porém, o mesmo DOI-Codi de antigamente, aquele de quando, ao entrar, ele ouvia os gritos desesperados de quem era submetido às torturas e de quem as comandava e os xadrezes viviam superlotados.
Agora imperava o silêncio. Graças à lei assinada pelo presidente Figueiredo, tão odiada por ele e seus comparsas, eles não podiam mais nem prender nem torturar ninguém. As celas estavam tão vazias quanto seus bolsos.
No tempo das vacas gordas, empresários agradecidos sabiam recompensá-los a cada vez que prendiam ou matavam perigosos comunistas que tentavam implantar o regime castrista entre nós, como gostavam de mostrar aos incautos. Tudo balela, tudo fantasia, mas havia quem acreditasse em bruxas.
Nem o “dr. Marcos” nem seus colegas – civis e militares – jamais engoliram essa punhalada nas costas, que partira logo de um ex-chefe da comunidade de informações, da qual também faziam parte. E que só chegou à presidência da República exatamente por ter sido chefe do SNI.
Menos mal que de tédio ele não podia se queixar. Por intermédio de um vizinho de bairro, o Coronel Freddie Perdigão, o “Dr. Flávio”, engajara-se num grupo de contestadores da abertura política engendrada pelo ex-presidente Geisel e adotada por Figueiredo.
Encontrava-se com ele, que já dera expediente no DOI-Codi de São Paulo e depois no SNI, o qual integrava por essa época, num bom restaurante do bairro, o “Garota da Tijuca”, situado à Praça Varnhagem, 5, especializado em carnes de todo tipo, para todos os gostos e acompanhamentos e iguarias apetitosas.
Entre camarões grelhados e generosas porções de bolinhos de bacalhau, o “Dr. Flávio” passava instruções ao “Dr. Marcos” a respeito de como, com quem, quando e contra quem deveria agir. Claro, o “Dr. Flávio” não fazia nada sozinho: em outro point gastronômico do Rio, o festejado “Angu do Gomes”, o rei do ensopado de miúdos, na zona portuária, à rua Sacadura Cabral, 75, discutia com outros militares graduados, tais como os coronéis Ary Pereira de Carvalho, chefe da Agência Rio do SNI e Nilton Cerqueira, comandante da PM, os planos que o “Dr. Marcos” e outros deveriam executar, em noitadas que, não raras vezes, terminavam, como boêmios que eram, no bordel ao lado, com anonimato garantido pelo dono da espelunca, o agente da Polícia Federal Augusto Pinto Moreira, irmão do dono do restaurante, Basílio Pinto Moreira. Tudo em família.
Num regabofe no “Garota da Tijuca” o “Dr. Flávio” comunicou ao “Dr. Marcos” que ele participaria da “Missão no. 115” ao lado do sargento Guilherme do Rosário, o “Agente Wagner”, também conhecido por “Robot”, tal como o “Dr. Marcos” era também chamado de “Patinho” e também muito ligado ao “Dr. Flávio”.
O “Dr. Marcos” sabia que os mais de 40 atentados a bomba entre 1979 e aquele dia, praticados em todo o Brasil, dos mais célebres aos mais banais tinham as digitais do “Grupo Secreto”, como viria a ser chamado pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, em 2014, o bando incrustado no estado brasileiro no qual atuava: “uma das mais ousadas organizações criminosas já vistas na história do Brasil”.
“Praticaram atos de terrorismo de estado” escreveram os procuradores Antônio do Passo Cabral, Sérgio Gardenghi, Ana Cláudia de Sales Alencar, Tatiana Pollo Flores, Marlon Alberto Weichert e Andry Borges de Mendonça na denúncia de 13d de fevereiro de 2014.
Atuavam no grupo, dentre outros, o Coronel Alberto Carlos Costa Fortunato, o Coronel Luiz Helvécio da Silva Leite, o Delegado Cláudio Antônio Guerra, o general Edson Sá Rocha (“Dr. Silvio”), o Coronel Freddie Perdigão (“Dr. Flávio”), o Coronel Romeu Antônio Ferreira (“Dr. Fábio”), o civil Hilário José Corrales, marceneiro e expert em bombas, além de autoridades do primeiro escalão do governo que controlavam tudo à distância, tais como o general Otávio Medeiros, ministro-chefe do SNI (que só não foi denunciado pelo Ministério Público em 2014 porque já estava morto) e o general Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI (ele sim denunciado por vários crimes).
Mas a destruição de bancas de jornais, a bomba na ABI, o artefato no carro do jornalista Hélio Fernandes, alguns atentados com vítimas, outros apenas com danos materiais, nenhum desses podia ser comparado ao que ele iria perpetrar naquele 30 de abril de 1981, durante o Show de Primeiro de Maio, no centro de convenções do Riocentro, com a nata dos cantores e cantoras brasileiros no palco, de Chico Buarque a Luiz Gonzaga.
O plano fora apresentado, um ano antes, pelo general Edson Sá Rocha, o “Dr. Silvio”, chefe de operações do DOI-Codi, mas seu superior, o Coronel Romeu Antônio Pereira, o “Dr. Fábio”, chefe da Central de Operações de Informações do DOI-Codi o proibiu de levá-lo adiante. E somente foi liberado para execução quando assumiu o novo chefe geral do DOI-Codi do Rio de Janeiro, o Tenente-Coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o “Dr. Fernando”, no início de 1981.
Às 18h40 daquela quinta-feira, cinco veículos com três homens em cada um deixaram a sede do DOI-Codi, na Barra da Tijuca, em direção à estrada Grajaú-Jacarepaguá. Por volta das 20h00 pararam no Restaurante Cabana da Serra.
Sentaram-se próximo à entrada, chamando, desde logo, a atenção do garçom. Ele ficou ainda mais desconfiado com os lances seguintes. Os homens se reuniam em torno de um mapa, falavam baixo e exibiam armas.
A essa altura já apavorado, achando que seriam bandidos, o garçom chamou a polícia.
Uma rádio-patrulha com dois soldados chegou rapidinho, mas, vendo-se em inferioridade, os agentes da lei preferiram permanecer na viatura, observando.
Poucos minutos depois os homens da “Missão no.115” deixaram o restaurante em direção a Jacarepaguá.
No Boletim de Ocorrências, a dupla de policiais anotou as características dos carros nos quais embarcaram. Um deles era um Puma marrom metálico placa OP 0297. Os outros eram uma Brasília, um Chevette, um fusca e um Opala.
O Puma era o carro da moda. O segurança do Riocentro Magno Braz Moreira foi o primeiro a ter contato com a dupla “Dr. Marcos” e “Agente Wagner” e quase barrou sua entrada, como declarou ao jornalista Caco Barcelos, no Globo Repórter exibido a 15 de março de 1996 na TV Globo:
“Eu vi o sargento e o capitão entrando sem credencial. Autorizei porque disseram que eram do Exército. Pedi identificação, eles se identificaram”.
O “Dr. Marcos” pediu para usar o telefone da administração, com o que Magno também concordou, visto que eram “autoridades”. Depois de alguns minutos eles voltaram ao carro, que estava sob as vistas de Magno e foram ao estacionamento do público, onde entraram com o bilhete no. 69239. E o “Dr. Marcos” estacionou.
O Puma também chamou a atenção do estudante João de Deus, que resolveu estacionar seu carro perto dele. Seria uma referência para localizá-lo depois do show. Todos os outros eram Fiat ou fusca.
“Aí vi essas figuras dentro do carro”, disse ele a Caco Barcelos, “dei boa noite e fui para o show”.
Outro espectador, Mauro César Pimentel, contou em depoimento ao Ministério Público ter também estacionado próximo ao Puma, que era seu sonho de consumo.
“Um dia vou ter um desses” pensou ao passar próximo ao veículo e observar que o ocupante do banco do carona segurava um artefato parecido com uma cafeteira. Também viu, no banco de trás, mais dois artefatos idênticos.
Quando se afastava, admoestado pelo “Dr. Marcos”, incomodado com sua bisbilhotice, Mauro César Pimentel ouviu uma explosão.
O segurança Magno Braz Moreira também ouviu. “Foi forte” disse ao Globo Repórter. “Cheguei ao local da explosão. Era o mesmo Puma que eu autorizei a entrar”.
Nessa hora, dentro do pavilhão, 9.892 pessoas cantavam e dançavam com Alceu Valença que relatou a Caco Barcelos:
“Eu estava cantando essa canção que fala das bombas de São João, de coração bobo, do sentimento do povo, da ternura e, de repente, a plateia toda que estava ligada em mim olhou para trás. E depois voltou para mim como se nada tivesse acontecido”.
“Aí eu voltei para o meu setor”, disse Magno Braz Moreira ao Globo Repórter. “Daí veio a segunda explosão, próximo de onde eu estava”.
Mauro César Pimentel viu o “Dr. Marcos” sair do Puma rastejando, mas em vez de socorrê-lo saiu procurando por socorro. Depois de caminhar alguns metros, segurando as vísceras, o capitão pediu ajuda a um taxista que acabara de deixar um espectador, mas ele se recusou a socorrê-lo. Para sorte do capitão, a neta de Tancredo Neves, Andréa, chegando atrasada, com seu namorado, o levou ao hospital.
O estado do “Agente Wagner”, lotado no DOI-Codi desde 1973 era deplorável. Ele tinha experiência em montagem e operação com explosivos, mas aquela bomba, por algum motivo, explodiu no seu colo, decepando suas mãos, estraçalhando barriga e genitália, arrancando o pênis e deixando a perna direita presa ao corpo apenas por um fio de carne.
Chamado às pressas, o comandante do 18o. Batalhão da PM, Coronel Ille Marlen Lobo Ferreira foi imediatamente abordado por agentes que se apresentaram como sendo da Polícia Federal quando chegou ao Riocentro.
“Estavam muito preocupados” disse ele ao Globo Repórter “como é que eu iria conduzir a partir daí. A partir do momento em que sentiram pelo meu telefonema ao chefe do Estado Maior narrando o que estava havendo, aquilo deu a eles tranquilidade de conversar comigo com mais franqueza e aí eles se identificaram como oficiais do Exército. Seriam do DOI-Codi e estariam de serviço ali”.
O coronel apenas se inteirava dos acontecimentos que ainda estavam quentes, quando foi informado, pelo oficial que o acompanhava, que havia outro artefato no pavilhão, ou na caixa d’água ou debaixo do palco, como os homens do DOI-Codi haviam lhe contado.
“Eu os repreendi severamente” disse o coronel Ille Marlen “e mandei desativar qualquer artefato que ainda houvesse. O capitão os acompanhou e deu certeza que o tal artefato tinha sido desativado. Era o capitão Volnei do Nascimento”.
A segunda bomba foi detonada pela segunda equipe do Grupo Secreto, composta pelo “Dr. Flávio”, pelo marceneiro Hilário Corrales e mais dois agentes não iderntificados, na casa de força do pavilhão. Não produziu o efeito desejado – apagão e pânico a seguir – porque não atingiu o alvo em cheio e mesmo se o atingisse não provocaria blackout porque havia geradores de energia disponíveis.
A operação abafa foi posta em prática rapidamente. A mando do chefe do DOI-Codi, Tenente-Coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o capitão Divany Carvalho Barros, o “Dr. Áureo”, retirou do Puma, antes dos peritos chegarem, tudo o que pudesse incriminar os militares: a agenda e documentos pessoais do “Agente Wagner”, uma granada de mão e uma pistola. Entregou a pistola e a granada ao chefe, mas guardou a agenda até 1999, quando a entregou ao relator do 2o. IPM, general Sérgio Conforto.
O comandante do I Exército, Gentil Marcondes, apressou-se para ir ao Hospital Miguel Couto, onde o capitão Wilson Machado estava entre a vida e a morte.
“Vim trazer minha solidariedade, desejei um pronto restabelecimento, meu apoio” disse aos jornalistas, ao sair.
A narrativa de que os militares a serviço do DOI-Codi foram vítimas e não autores do atentado começou a ser esboçada pelo titular da Secretaria da Segurança Pública, general Waldir Muniz:
“Infelizmente, esses dois quando saíam do estacionamento dando marcha-a-ré o sargento viu aquele petardo e ao segurar explodiu. Você acha que alguém vai se suicidar”?
Essa e a noite seguinte no DOI-Codi carioca foram tensas, como Molina Dias anotou em seu diário, resgatado depois de sua morte nebulosa, em 2011, em Porto Alegre.
30 de abril
Intervalo do jogo Grêmio X São Paulo, telefonema do agente Reis. Disse que um cabo PM telefonara avisando que haveria um acidente com explosivo com uma vítima. Deu o nome quente: Dr. Marcos.
Por volta das 22h30 cheguei ao órgão… dirigi-me à vaga número 1 do comando. O dr. Wilson que estava na operação chegou logo a seguir. O agente Reis, que já chegara, avisou que recebeu outro telefonema do mesmo elemento, dizendo que um sargento estava no local, irreconhecível.
23h30 Hospital Miguel Couto – Tá sendo operado, vísceras do lado de fora. Estado grave.
23h35 Uma bomba na casa de força e uma no carro.
23h50 O Robot está morto. Tem uma granada que estava no carro e botaram no chão.
23h50 Alguém telefona comunicando que acharam uma granada no Puma.
Sexta-feira, 1o. de Maio
0h40 Coronel Cinelli – Falamos sobre a ida da perícia da PE à paisana e a retirada do corpo.
1h1min Tenente-coronel Portella liga ao HCE para receber o corpo de Robot.
1h5min Está sendo operado, dilaceração nas vísceras.
02h00 Helio – a doc recolhida no local está em poder dele. A doc Dr. Marcos já está com Dr. Áureo.
Sábado, 2 de maio
8h30 – Chegada ao destino. Transmitir mensagem ao dr. Marcos para não fazer esforço pra falar tranquilizando-o. Comandante do DOI e comandante do I Exército foram ao enterro e hospital. Foi mandado ao I Exército (Coronel Cinelli) as fotografias das placas com Vanguarda Popular Revolucionária para aproveitamento na imprensa.
Molina Dias revela a farsa. Tanto as pichações nas placas de trânsito nas cercanias do Riocentro quanto suas fotos foram obra da quarta equipe da “Missão no. 115”, numa tentativa de atribuir o atentado ao grupo de luta armada que havia sido desmantelado em 1974.
A terceira, liderada pelo delegado Cláudio Antônio Guerra estava incumbida de prender “os suspeitos de sempre”, mas a operação foi abortada por motivos óbvios.
A equipe das pichações pôde realizar seu trabalho sem percalços; não havia policiamento algum na redondeza. O policiamento para o show do Primeiro de Maio, previamente agendado para ser realizado por um capitão, um sub-oficial, 2 sargentos, 4 cabos e 32 soldados do 18o. Batalhão da PM fora suspenso pelo comandante geral da PM, general Nilton Cerqueira, no dia 30 de abril, por telefone, diretamente de Brasília, onde estava em reunião com “órgãos de informação”, leia-se o ministro chefe do SNI, general Otávio Medeiros e o chefe da Agência Central do SNI, general Newton Cruz.
Transmitiu a ordem ao Chefe do Estado Maior da PM, Coronel Fernando Antônio Pott que a retransmitiu ao comando do batalhão, que estava passando, na tarde de 30 de abril, para o Coronel Ille Marlen Lobo Ferreira.
O telefonema do general Nilton Cerqueira mostrou que o alto escalão do governo Figueiredo estava envolvido na conspiração.
Do primeiro Inquérito Policial Militar instalado pelo Exército o incumbido foi o Coronel Luís Antônio do Prado Ribeiro. Renunciou ao cargo depois de sofrer pressões até do comandante do I Exército, General Gentil Marcondes Filho que recomendou que chegasse à conclusão de que o fato seria de autoria desconhecida, enquanto ele constatou que os laudos periciais indicavam que os vitimados estavam transportando os explosivos.
Seu substituto, o Coronel Job Lorenna de Sant’Anna seguiu o script e produziu um dos relatórios mais infames da história do Exército. Ignorando provas e ocultando depoimentos como o do perito Joaquim de Lima Barreto, que fez referência sobre a granada de mão que estava com os militares, ele concluiu que a bomba fora colocada por “alguém” entre a porta e o banco do Puma enquanto os dois militares saíram do carro para urinar.
Nem mesmo numa novela surrealista como “Saramandaia” caberia tanto desvario. Para isso acontecer, primeiro, os supostos “terroristas” deveriam saber que dentro do Puma estavam dois agentes do DOI-Codi dos quais supostamente queriam se vingar. Somente saberiam se os tivessem seguido desde a sede do DOI até o Riocentro. O próprio Capitão Machado declarou no IPM de 1999 que ninguém o seguira.
Ainda assim, os “terroristas” só conseguiriam plantar a bomba se (1) o Capitão Machado tivesse deixado a porta destrancada quando foi fazer xixi, o que um profissional como ele jamais faria e (2) a bomba coubesse entre o banco e a porta, mas não cabia, como explicou outro perito, o Coronel Orozimbo, no IPM de 1999.
Para sustentar sua tese delirante, o Coronel Job Lorenna de Sant’Anna argumentou que o pênis do Sargento Guilherme Rosário, vulgo “Agente Wagner” estava preservado, contrariando os laudos periciais.
O Exército acatou o relatório do coronel e o promoveu a general.
Em depoimento ao IPM de 1999, comandado pelo general Sérgio Conforto, já durante a redemocratização, o chefe da Agência Central do SNI, general Newton Cruz revelou suas ligações com o “Grupo Secreto” e a “Missão no. 115”:
“No dia 30 de abril de 1981, por volta das 8 h da noite, quando eu ainda me encontrava no meu gabinete na Agência Central do SNI, procurou-me um oficial da minha agência e me disse o seguinte: chefe, acabo de receber uma comunicação do Rio de Janeiro de um oficial do Exército que tem muito prestígio junto ao pessoal do DOI e que relatou ter tido um encontro com integrantes do DOI e que estavam dispostos a marcar presença no show que se realizava e que ele expôs que qualquer coisa que se fizesse perto da multidão poderia ter consequências imprevisíveis e que então o melhor seria fazer uma ação um pouco mais afastado para marcar presença e que ele ia com essa gente. Marcaram encontro. Esta ação corresponderia à colocação de uma bomba quase de brincadeirinha, na estação. Houve o encontro. Eles foram para a bomba da subestação. Ao encontro faltaram os dois oficiais que por conta própria foram para o estacionamento conforme era a ideia antiga”.
Seu chefe, o general Otávio Medeiros contou o episódio com outro enredo:
“Final de março ou início de abril, em despacho com o general Newton Cruz, este lhe dissera que tomara conhecimento por parte de um oficial que servia na Agência Rio do SNI, o coronel Freddie Perdigão, que dois elementos do DOI/I Ex tencionavam realizar uma ação no Riocentro por ocasião das comemorações de 1o. de Maio com a finalidade de assustar os presentes e que o informante asseverou ao general Newton Cruz que não se preocupasse pois o mesmo já os dissuadira da ação”.
Difícil saber quem disse a verdade, ou se alguém a disse, visto que os dois depoentes atuavam no serviço de Informações, onde a regra era esconder as verdades inconvenientes.
O general Newton Cruz também contou ter sido informado de que os atentados a bomba iriam continuar mesmo depois do Riocentro. Pediu, então, à Agência Rio do SNI que intermediasse um encontro seu com integrantes do “Grupo Secreto”.
Entrevistou-se, clandestinamente, num quarto de hotel, no Rio, com um tenente da PM e um sargento do Exército, aos quais ordenou que parassem com as atividades terroristas.
Os elos dos generais Medeiros e Newton Cruz com o atentado do Riocentro não podiam ser mais explícitos. Medeiros confessou ter sabido que um crime estava sendo planejado, mas, como supostamente havia sido abortado não mandou sequer investigar a fim de punir os criminosos.
E jamais pediu que fossem identificados.
E por que Newton Cruz o avisaria do atentado se ele não fizesse parte do bando?
Newton Cruz, por sua vez, admitiu que sabia que o atentado a bomba iria acontecer, seja uma hora, como disse, seja um mês antes, como afirmou Medeiros. Num caso ou no outro, ele poderia ter barrado a operação, se quisesse, pois os envolvidos eram seus subalternos e ele tinha meios para detê-los.
Também admitiu conhecer dois integrantes do “Grupo Secreto”, aos quais deveria ter dado ordem de prisão ao encontrar, o que não fez. Ao contrário, recusou-se a revelar seus nomes no IPM, acobertando os criminosos, o que manteve até a morte.
Os generais Medeiros e Newton Cruz foram, por sua vez, acobertados pelo presidente Figueiredo, que varreu a sujeira para baixo do tapete, como mostra episódio da novela “Yellow Cake”, escrita pelo agente do SNI Alexandre Von Baumgarten, que viria a ser assassinado por membros do mesmo grupo que jogou as bombas no Riocentro, a 12 de outubro de 1982.
Figueiredo teria convocado uma reunião com os generais Walter Pires, do Exército, Golbery do Couto e Silva, Casa Civil, Octavio Medeiros, ministro-chefe do SNI e Danilo Venturini, Casa Militar para debater a posição do governo em relação ao episódio.
Somente Golbery votou a favor de investigar o caso do Riocentro e punir os responsáveis com todo o rigor.
Três meses depois Golbery abandonou o governo e Figueiredo não conseguiu fazer seu sucessor militar no Colégio Eleitoral, pondo fim à ditadura.
A investigação mais real e detalhada do atentado do Riocentro foi a do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, concluída a 13 de fevereiro de 2014 que o definiu como “ataque estatal sistemático e generalizado dos agentes do Estado contra a população brasileira”.
Foram denunciados, além do Capitão Wilson Luís Chaves Machado, o “Dr. Marcos”, o delegado Cláudio Antônio Guerra; o Coronel Nilton Cerqueira; o General Newton Cruz; o General Edson Sá Rocha, vulgo “Dr. Silvio” e o Capitão Divany Carvalho Barros, vulgo “Dr. Áureo”.
Outros nove criminosos só não foram denunciados porque já estavam mortos: Coronel Freddie Perdigão Pereira, vulgo “Dr. Flávio”; o Sargento Guilherme Pereira do Rosário, vulgo “Agente Wagner” ou “Robô”; o General Octavio Aguiar de Medeiros; o Coronel Ary Pereira de Carvalho, vulgo “Arizinho”; o Tenente-Coronel Júlio Miguel Molinas Dias, vulgo “Dr. Fernando”; o Coronel Alberto Carlos Costa Fortunato; o Coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite; o Coronel Job Lorenna de Sant’Anna e o marceneiro Hilário José Corrales.
Nem com o advento da Nova República, o capitão Wilson Machado foi sequer julgado. Ao contrário, na última vez em que foi flagrado por câmeras de TV, em 1996, feito do Globo Repórter, morava em Brasília, fora promovido a tenente-coronel e desde 1988 dava aulas no Colégio Militar.
Ao ser identificado pela reportagem, fugiu.
Em 1999, em depoimento no IPM do General Sérgio Conforto, disse que nunca mexeu com bomba, que não sabe como a bomba apareceu no seu carro e que, ao ouvir a explosão, pensou que o motor do Puma tinha explodido.
A 24 de julho de 2001 recebeu a Medalha do Pacificador com palma, condecoração do Exército reservada aos torturadores, como diz o jornalista Elio Gaspari em seu livro “A ditadura escancarada”:
“Uma das moedas postas em prática era a concessão aos torturadores da Medalha do Pacificador com palma”.
Alguns condecorados:
General Edson Sá Rocha, General Nilton Cerqueira, Coronel Freddie Perdigão, Capitão Divany Carvalho Barros, Sargento Guilherme Rosário, general Otávio Medeiros, Coronel Ary Pereira de Carvalho.
Apesar de todas as provas e laudos periciais de que foi cúmplice do Sargento Guilherme do Rosário no atentado do Riocentro, denunciado por crimes que somam 36 anos de cadeia pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro – tentativa de homicídio doloso tentado duplamente qualificado pelo motivo torpe e por uso de explosivos, transporte de explosivos e associação criminosa - o hoje General Wilson Machado, 73, há quarenta anos guarda pacto de silêncio.
Ele protege o Exército e o Exército o protege.
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