Exclusivo: Zanone diz que chance da PF descobrir quem o pagou para defender Adélio é zero
Como o advogado da série Breaking Band, o advogado do autor da facada ou suposta facada em Bolsonaro diz que tem por hábito usar celular por pouco tempo e depois destruí-lo, conta Joaquim de Carvalho, que o entrevistou
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O advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defendeu Adélio Bispo de Oliveira, disse que a chance da Polícia Federal encontrar em seu celular qualquer informação que leve a quem pagou pela defesa do autor da facada ou suposta facada em Juiz de Fora é zero.
Como o advogado Saul, da série Breaking Bad, ele contou que tem por hábito usar celulares por pouco tempo e depois destruí-los.
O celular apreendido com ele em dezembro de 2018, três meses depois do episódio em Juiz de Fora, já não era o que ele usava quando teria sido contratado para assumir a defesa de Adélio.
Eu entrevistei Zanone para o documentário “A máquina de fakeadas da extrema direita no Brasil”. A entrevista durou cerca de 20 minutos.
A certa altura, quando perguntava sobre detalhes do processo, Zanone disse que estava recebendo ligação de uma assessora, desligou e não atendeu mais a meus telefonemas.
“Eu destruo os celulares para proteger meus clientes, para que ninguém saiba o que converso com eles”, disse.
Outros pontos da entrevista serão publicados no documentário, que está em fase de finalização.
Zanone entrou no caso de maneira surpreendente.
No dia da facada ou suposta facada, ele agiu rápido para assumir o caso. Como tem escritório em Belo Horizonte, pediu a um ex-estagiário, que tem escritório em Barbacena, que fosse até a sede da Polícia Federal em Juiz de Fora e assumisse o caso, em nome próprio e também dele.
Em entrevista ao UOL, esse advogado, Pedro Possa, deu a versão de que foram contratados por um líder religioso que teria assumido o caso por “amor ao próximo”.
Cascata. Repito: cascata.
A entrevista foi publicada na sexta-feira passada, dois dias depois do Brasil 247 publicar artigo de minha autoria que relatava a conversa do perito José de Ribamar de Araújo e Silva com o ativista de direitos humanos Marconi Burum.
Nessa conversa, transmitida pelo Canal Resistência Contemporânea, Ribamar contou que entrevistou Adélio numa visita ao presídio federal em Campo Grande (segurança máxima).
Segundo ele, Adélio está hoje visivelmente insano, o que contrasta com seu estado de saúde em 7 de setembro de 2018, quando falou em audiência de custódia à Justiça Federal em Juiz de Fora.
Segundo ele, Adélio vive em condições análogas à tortura, como denunciaram outros presos do presídio.
Há mais de três anos, ele vive isolado em uma cela, de onde sai apenas num intervalo de duas horas, para banho de sol.
Adélio também nunca recebeu visita da família. Há duas semanas, um dos sobrinhos dele, Jeferson Ramos de Souza, mandou mensagem ao advogado Zanone, para tentar agendar uma visita.
O advogado respondeu em áudio que providenciaria o deslocamento, mas não deu nenhuma data. Parentes de Adélio contam que ele sempre dá essa resposta — “visita em momento oportuno” —, mas nunca toma nenhuma providência.
O perito Ribamar relatou que Adélio reclamou muito da falta de contato com os parentes.
“Ele disse que tem três irmãos, com quem se dava muito bem, e um sobrinho, com quem também se dá muito bem, mas que nunca foi visitado por eles, e ele sente falta desse contato”, destacou Ribamar, na conversa transmitida pelo canal Resistência Contemporânea.
Na hipótese de que Adélio tenha mesmo o transtorno mental grave que o tornou inimputável, Adélio deveria ser tratado em hospital psiquiátrico ou, na ausência de vaga, permanecer junto de familiares e receber atendimento médico adequado na rede pública.
Na entrevista ao UOL, o advogado Pedro Possa afirmou que Adélio é medicado no presídio. “Acredito que o tratamento tenha surtido efeito e ele esteja melhorando a consciência”, afirmou.
Não é possível dizer a que interesse atende essa declaração veiculada num site de grande audiência, mas com certeza não é a interesse público, já que a situação de Adélio é vista pelo defensor público Valber Rondon como uma grave violação de direitos humanos.
No ano passado, o defensor recorreu à Justiça para que Adélio fosse transferido a um hospital psiquiátrico em Minas Gerais.
O juiz de Campo Grande responsável por acompanhar a execução penal no presídio federal determinou a transferência, mas o magistrado responsável pelo caso em Juiz de Fora negou.
Estabeleceu-se um conflito de competência, que acabou no Supremo Tribunal Federal. Kássio Nunes Marques negou liminar para a transferência, e a ação foi julgada, em caráter definitivo em agosto, pela Segunda Turma do STF, que confirmou por unanimidade a decisão do ministro indicado por Jair Bolsonaro.
Para o defensor público Valber Rondon, o caso deveria ser denunciado a cortes internacionais de direitos humanos, da ONU ou OEA, já que Adélio é o único caso de inimputável que cumpre medida de segurança em presídio federal, onde 90 por cento dos presos tomam remédio psiquiátrico para suportar o isolamento e as regras de segurança máxima.
Valber foi trnsferido para Brasília há cerca de um ano. Segundo ele, a transferência não tem relação com o caso Adélio.
Seu sucessor em Campo Grande, efetivado há pouco tempo, ainda não tomou nenhuma providência nesse sentido.
A entrada de Zanone no caso é vista nos bastidores de Justiça como uma estratégia de advogados para assumir um caso de repercussão e, com isso, ganhar publicidade.
Pedro Possa, o advogado mobilizado por Zanone na tarde da facada ou suposta facada, esteve com Adélio no mesmo dia.
Para abordar o possível cliente, ele teria dito que tinha sido enviado pela mãe de Adélio.
Policiais que acompanharam a abordagem contam que Adélio riu e contou que a mãe tinha falecido fazia tempo.
Pedro Possa tentou se corrigir e afirmou que, na verdade, era uma tia. Adélio respondeu que não tinha proximidade com nenhuma tia.
Mesmo assim, assinou procuração no dia seguinte para Zanone, Pedro Possa e outros dois advogados para que assumissem sua defesa.
Uma questão importante: se Adélio já era portador de transtorno mental grave, essa procuração teria valor?
Mais tarde, outro criminalista entraria no caso, Alfredo Mejia, que é do Rio Grande do Sul e, a exemplo de Zanone, tem vasta experiência em direito penal, inclusive com livros publicados. Este, como Zanone, também não tem um patrocinador conhecido.
Zanone foi o primeiro a dar ao caso um encaminhamento que não é próprio de quem quer exposição midiática positiva.
Ele poderia ter defendido o Tribunal do Júri para Adélio, por tentativa de homicídio.
Mas, desde a primeira hora, propôs que o caso fosse enquadrado na Lei de Segurança Nacional então vigente, por inconformismo político; que Adélio fosse declarado inimputável; e que fosse transferido para presídio federal, longe de Minas Gerais.
A estratégia de Zanone pode ser vista como contrária aos interesses do cliente, já que, no Tribunal do Júri, ele não teria uma pena por tempo indeterminado (como, na prática, ocore agora) e ficaria mais claro a motivação de Adélio para a ação em Juiz de Fora.
O que se sabe é que Adélio, ao contrário do que ele mesmo disse, não era um militante de esquerda — portanto, não tinha uma “ideologia diametralmente oposta à de Bolsonaro”.
Na rede social e em pregações em igrejas, Adélio promovia bandeiras bolsonaristas, como a redução da maioridade penal (projeto do próprio Bolsonaro e de seu filho senador, Flávio) e o combate ao projeto que criminaliza a homofobia.
Adélio só começou a fazer ataques a Bolsonaro depois de 5 de julho de 2018, quando dividiu o mesmo espaço com Carlos Bolsonaro no Clube de Tiro .38, onde fez um curso de três dias.
Encerrado o processo em Juiz de Fora que considerou Adélio inimputável, Zanone passou a dividir a defesa dele com a Defensoria Pública da União.
O órgão, criado pela Constituição de 1988 para atuar em casos em que o réu ou condenado não tenha condições financeiras para bancar a defesa, só entrou no caso depois que recebeu uma carta manuscrita de Adélio, em que ele pedia o afastamento de Zanone.
Hoje Zanone é, formalmente, curador processual do autor da facada ou suposta facada em Juiz de Fora, mas ainda dá as cartas no caso, como mostra a resposta que forneceu há duas semanas ao sobrinho de Adélio sobre a visita no presídio federal.
Pode ter havido facada em Juiz de Fora? Sim. Pode ter sido um autoatentado? Sim. O episódio é marcado por uma série de lacunas, que só uma investigação independente pode preencher.
Enquanto isso, Bolsonaro viaja para Dubai e dá declarações que, à primeira vista, parecem soar insanas, como a de que discutiu lá a troca de “presos políticos”.
Adélio não é um preso político, pelo menos formalmente, mas o desdobramento de uma investigação independente poderia gerar, efetivamente, acusados por agirem politicamente num caso que foi decisivo para a ascensão da extrema direita no Brasil.
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