Exclusivo: Lava Jato repassou dinheiro das delações para a PF e mantém segredo sobre meio bilhão
Mensagens acessadas pelo hacker Walter Delgatti indicam que a extinta força-tarefa reservou recursos sem destinação específica, informa Joaquim de Carvalho
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Uma planilha da Lava Jato compartilhada pelos procuradores da república no final de 2017 revela que, na época, a força-tarefa havia reservado R$ 579,6 milhões sem destinatário específico do total de valores pagos em acordos de delação e leniência.
A planilha faz parte das mensagens acessadas pelo hacker Walter Delgatti Neto e que foram apreendidas pela Polícia Federal, na Operação Spoofing. Nas mensagens, que tinham sido armazenadas nas nuvens por Deltan Dallagnol, o procurador regional da república Januário Paludo informa também que R$ 4,9 milhões haviam sido liberados por Sergio Moro para compra de equipamentos para a Polícia Federal.
“Prezados — diz ele — acolhendo nosso parecer, o Moro liberou 4,9 milhões para aquisição de equipamentos para a PF, a partir das leniências da Camargo Correa e Andrade Gutierrez.”
Em seguida, Januário Paludo faz referência a uma sigla que não faz parte do Ministério Público Federal e cita o nome de uma pessoa.
“Estamos todos no mesmo barco, assim como o pessoal da ESPEI. Eu preferia que o Danilo tivesse liberado, mas o homem é teimoso [eu queio!!! (sic)]. Para quem quiser conhecer os fundamentos e decisão: 5009946-78.2018.4.04.7000”, escreveu o procurador regional, que na época fazia parte da força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol.
O processo a que faz referência o procurador regional está sob segredo de justiça.
Nove minutos depois dessa primeira mensagem, Paludo faz outro comentário: “Sistema de Informações e Relatórios da Inteligência Financeira (SIRIF), aprovado pela Secretaria Geral. Eles vão gerar os relatórios que precisamos (sic)”. Relatórios de Inteligência Financeira eram emitidos pelo antigo Coaf, então subordinados ao Ministério da Justiça, com participação de um representante da Receita Federal.
O MPF em Curitiba não informa que equipamentos foram comprados nem a destinação dos recursos reservados. “Os procuradores da República atualmente responsáveis pelo caso Lava Jato não se manifestarão sobre os atos processuais da extinta força-tarefa. Os procedimentos realizados pelo novo grupo serão devidamente divulgados nos canais institucionais do MPF/PR”, respondeu a assessoria de imprensa às perguntas que enviei.
Quando a planilha foi divulgada, em novembro de 2017, a Lava Jato contabilizava cerca de R$ 7,9 bilhões de valores pagos por delatores ou empresas em acordos de leniência. Desse total, a força-tarefa mantinha em caixa cerca de R$ 1,4 bilhão. Foi desse dinheiro que saíram os R$ 4,9 milhões para a compra de equipamentos para a PF.
Alguns meses depois, foi vazada a informação de que a Lava Jato planejava adquirir equipamentos para a realização de escutas, o tal sistema guardião. O Ministério Público Federal nunca confirmou a compra ou o plano de aquisição do sistema guardião, mas permanece a dúvida: o que foi feito com o dinheiro que Moro liberou? Houve licitação para a compra?
Para a realização desta reportagem, foram procurados também Januário Paludo e a Polícia Federal. Até agora, não houve resposta.
A Lava Jato, em diferentes aspectos, é apontada como uma caixa-preta. Em julho do ano passado, o procurador-geral da república, Augusto Aras, além de usar a expressão “caixa-preta”, disse que a Lava Jato tinha “caixa de segredos”. Ele disse que era preciso abri-las. Mas até agora não o fez.
Enquanto isso, vemos que Deltan Dallagnol exibe sinais exteriores de riqueza, ao adquirir, desde o final de 2018, dois apartamentos de um andar no Juvevê, bairro nobre de Curitiba, que valem 3 milhões de reais cada um.Ele também reformou um deles, para morar com a família.
Ao mesmo tempo, o autor do livro “A luta contra a corrupção”, prefaciado por Miriam Leitão, anunciou seu desligamento do Ministério Público Federal, para se candidatar a deputado federal, ao que tudo indica pelo mesmo partido de Sergio Moro e Álvaro Dias (poupado pela Lava Jato). Não se sabe do que Dallagnol viverá até a eleição, caso consiga uma cadeira no Congresso Nacional.
É hora de uma investigação independente entrar no bueiro da Lava Jato (o mais apropriado seria uma CPI). Uma república não comporta segredos com os da força-tarefa — que, é preciso que se diga, resultou no empobrecimento do Brasil.
Uma mensagem do chat armazenado por Deltan Dallagnol revela a preocupação da procuradora Jerusa Viecili em 2017. “Povo pedindo diretas. Lula será eleito. E nós seremos presos”, disse.
Pode ter sido ironia dela, mas a perspectiva da procuradora não deve ser descartada.
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Em 9/12/2021, recebi a seguinte nota da assessoria de Deltan Dallagnol:
"Sobre a destinação dos recursos pagos em acordos de colaboração premiada e leniência, a Justiça pode devolver dinheiro para as vítimas dos crimes ou dar outras destinações previstas nas leis e nos acordos que são públicos, o que sempre foi feito sob fiscalização do CNMP, CNJ, STF e TCU, sendo também acompanhado pela Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal."
Em 21/12/2021, a assessoria de imprensa pediu a inclusão do seguinte texto em seu comunicado:
"1. É vergonhosa a covardia promovida pelo ativismo de extremos, que tenta gerar conteúdo negativo para atingir a imagem de Deltan Dallagnol e de outros procuradores e agentes públicos que trabalharam na operação Lava Jato.
2. É falsa e maldosa a informação de que Deltan Dallagnol adquiriu desde o fim de 2018 dois apartamentos que valem R$ 3 milhões cada um e por conta disso estaria exibindo “sinais de riqueza”. Primeiro, Deltan Dallagnol adquiriu um apartamento no final de 2018 por R$ 1,8 milhão. Recentemente, decidiu se mudar para outro apartamento, adquirindo-o por R$ 2 milhões, parcelado em sessenta meses, e colocou à venda o anterior. Segundo, os apartamentos foram sucessivamente adquiridos com recursos declarados com o patrimônio e a renda sua e de sua esposa, declarados à Receita Federal, e são plenamente compatíveis com o patrimônio de juízes e promotores em geral. Trata-se de um ataque desrespeitoso, injusto, mentiroso e, para quem o promove, vergonhoso."
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Resposta ao ex-procurador:
A nota agressiva e injuriosa de Deltan Dallagnol, que democraticamente publicamos, não rebate o artigo. Ele efetivamente comprou dois apartamentos desde 2018, que valem R$ 6 milhões.
Em vez de responder ao que o artigo apresenta, preferiu o discurso político e chama de extremismo o que é a prática jornalística.
Seria melhor para a sociedade se respondesse às perguntas que encaminhei a seu assessor de imprensa em 10/12:
O ex-procurador diz que colocou à venda o primeiro imóvel adquirido no Juvevê. Colocar à venda não significa q vendeu, certo? Continua em poder dele.
O ex-procurador tb não tem mais vencimentos do Ministério Público e por isso pergunto: como tem feito para enfrentar as despesas do dia a dia, incluindo o condomínio das duas unidades, no valor aproximado de R$ 5 mil (2,5 mil cada um)?
Ele diz que a esposa atua há anos na área administrativa, daí a razão de sua elevação patrimonial. O ex-procurador, no entanto, relata em seu livro que a esposa arrumou emprego na área administrativa de uma empresa quando retornaram dos EUA, salvo engano em 2013.
Pergunto: como, em tão pouco tempo, ela conseguiu constituir uma empresa com capital social de R$ 110 mil e, ao que parece, muito bem sucedida, a ponto da família adquirir dois imóveis caros?
Respeitando os princípio da confidencialidade, pergunto quais são seus clientes e e que serviço exatamente ela presta.
Pergunto também como Deltan Dallagnol tem se mantido e já com uma estrutura para atuar na esfera pública de maneira privada, o que inclui a contratação de um serviço de comunicação -- nada contra o seu trabalho, absolutamente legítimo, mas é importante saber quem arca com essas despesas.
Pergunto por que o casal Dallagnol quitou em espécie (dinheiro vivo) as primeiras despesas referentes ao imóvel adquirido em leilão.
Pergunto também se Deltan Dallagnol não considera irregular sua atuação na compra desse imóvel, que incluiu o envio de e-mails à Justiça em nome próprio, que era impossível dissociar de sua condição de agente púbico à época.
Estou aguardando as respostas.
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