Excesso de zelo leva a inversão de poder pelos comandos
Almirante Garnier Santos, além das razões ideológicas, revolta-se ao deixar o cargo por desembarcar das benesses da posição que ocupa, escreve Denise Assis
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Por Denise Assis, para o 247
Todos nós concordamos sobre a delicadeza do momento político. O que nem de longe justifica a tibieza do futuro ministro da Defesa, José Mucio. Enquanto Flávio Dino, indicado para o ministério da Justiça e Segurança Pública, tem se movimentado e conseguido avanços como o da proibição de armas de fogo no dia da posse, em Brasília, Múcio aparece ao lado dele, após reunião com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, classificando os atos diante dos quartéis de “pacíficos”, com extremismo “isolado”.
Por essas e outras que o historiador Carlos Fico, em entrevista que vai ao ar amanhã, (29/12) às 17hs aqui, no 247, se diz cansado de ver os governos desde a redemocratização ter excesso de tato com os comandos, o que nos leva a estar sempre ameaçados pela tutela dos militares. Não é necessário meter os pés pelas mãos, mas tampouco passar a ideia de que os comandos podem escolher ao bel prazer que dia entram, que dia saem, impondo ao ministro hierarquicamente superior, o papel de dizer apenas “hãhã”.
Principalmente porque os fatos voam. No mesmo dia em que classificou de “extremismo isolado” a tentativa de explosão de um caminhão com 60 mil litros de combustível no pátio do aeroporto internacional de Brasília - com consequências inimagináveis -, a Polícia Federal ligou esse ato ao mesmo grupo bolsonarista que organizou as ações de vandalismo no dia da diplomação (12/12) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja, uma ação está ligada à outra e, talvez, financiados pelas mesmas fontes. De acordo com o próprio autor do ato terrorista, George Washington de Oliveira Souza, o plano foi engendrado no acampamento instalado em frente ao QG do Exército.
Enquanto o comandante do Exército, general Júlio César Arruda, concordou em assumir a pasta mais cedo (na sexta-feira, 30/12), para assim garantir que haja uma das Forças a postos no transcorrer da posse do presidente que chega, e o novo comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar, Marcelo Kanitz Damasceno, também não fez objeção de ser empossado no dia 2 de janeiro, o da Marinha reagiu.
Almir Garnier Santos promete “forte gesto” para deixar patente o seu desagrado a ter que prestar continência a Lula - a quem só chama de “descondensado” -, caso compareça à cerimônia. A oficialização da troca de comando na Marinha está marcada para o dia 5 de janeiro", quando Garnier dará lugar ao almirante Marcos Sampaio Olsen. Ele foi o único dos comandantes que recusou o convite para uma reunião com o futuro ministro da Defesa, José Múcio.
Mas não se iludam. Tanta indignação vai além das convicções ideológicas. Em 12/06/2020 o jornalista Rubens Valente, então colunista do Uol, denunciou a contratação do filho de Garnier, o advogado Almir Garnier Santos Junior, para um cargo “de livre provimento” na área de compliance da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vinculada ao comando da Marinha. A esta altura, seu pai ocupava o cargo de secretário-geral do ministério da Defesa. Junior, formado pela PUC do Rio, havia sido contratado em 29 de julho de 2019 para “assessor-adjunto de Compliance e Integridade Corporativa (Compliance Officer).
Em 03/06/2022, o mesmo portal, o Uol, trouxe a público uma “carona” que o almirante Garnier pegou no avião da Força Aérea Brasileira (FAB), tendo em sua companhia a mãe e a esposa, para passar com elas as festas do Natal no Rio de Janeiro. Com isto, ficou-se sabendo também que Sua esposa, Selma Foligne Crespio de Pinho, ocupava um cargo na Secretaria-Geral da Presidência da República, ministério então comandado pelo general Luiz Eduardo Ramos.
O comandante, a mãe e a esposa eram os únicos passageiros do voo que saiu de Brasília às 13h10 de 24 de dezembro, uma sexta-feira, com destino ao aeroporto do Galeão. A aeronave pousou às 14h25 na capital fluminense. Para poder usar o avião, Garnier disse à FAB se tratar de uma viagem de trabalho, mas o comandante só teve agendas no Rio de Janeiro três dias depois de chegar à cidade.
Por essas e outras que o almirante não achou nada demais colocar para dentro da corveta que conduzia a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, na tradicional travessia fluvial feita pela santa nos festejos do Círio, no Pará, o que provocou nota da arquidiocese. O arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa, assinou a nota em que explicava: “cabe ao arcebispo de Belém a condução da Imagem Peregrina em todas as etapas de embarque e desembarque do Garnier Sampaio, sendo de responsabilidade da Marinha do Brasil o acesso à referida embarcação”.
Bolsonaro participou da Romaria Fluvial, embarcado no navio da Marinha, em plena campanha presidencial.
Por todo o descrito pode-se notar que o almirante Almir Garnier Santos, além das razões de ordem ideológica, revolta-se ao deixar o cargo por ter de desembarcar de todas as benesses da posição que ocupa (fora os abusos). Só por faltar à reunião com o ministro já merecia ser defenestrado antes do tal “gesto” que ameaça fazer. Mas, no dia 5, o cisne branco vai deixar de navegar em mar azul para pisar em terra firme. Oxalá, um tanto mareado.
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