EUA: O Império da Dívida ruma para o colapso
O denominador comum de todos os sistemas financeiros ocidentais: tudo gira em torno da dívida
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O novo livro do Prof. Michael Hudson, The Collapse of Antiquity: Greece and Rome as Civilization’s Oligarchic Turning Point (O Colapso da Antiguidade: Grécia e Roma como o Ponto de Virada Oligárquico da Civilização) é um marco seminal neste Ano de Viver Perigosamente, para parafrasear Gramsci, quando a velha ordem geopolítica e geoeconômica vem morrendo e a nova nasce em velocidade alucinante.
A principal tese do Prof. Hudson é absolutamente devastadora: ele se propõe a provar que as práticas econômicas e financeiras da Grécia e da Roma antigas – os pilares da civilização ocidental – prepararam o terreno para o que vem acontecendo hoje frente a nossos olhos: um império reduzido ao rentismo econômico, colapsando de dentro para fora.
O que nos leva ao denominador comum de todos os sistemas financeiros ocidentais: tudo gira em torno da dívida que, inevitavelmente, só faz crescer com os juros compostos.
Sim, eis o problema: antes da Grécia e de Roma, tivemos quase três mil anos de civilizações, por todo o Oeste Asiático, fazendo o exato oposto.
Todos esses reinos sabiam da importância do cancelamento das dívidas. De outra forma, seus súditos decairiam na servidão, perderiam suas terras para um bando de credores hipotecários, que por sua vez tentariam derrubar o poder dominante.
Aristóteles resumiu a questão de forma sucinta: "Na democracia, os credores passam a fazer empréstimos que os devedores não conseguem pagar, os credores ganham cada vez mais dinheiro, acabam por converter a democracia em uma oligarquia, a oligarquia se torna hereditária e temos então uma aristocracia".
O Prof. Hudson explica de forma aguçada o que acontece quando os credores assumem o controle e "reduzem todo o resto da economia à servidão": o que hoje chamamos de "austeridade" ou "deflação da dívida".
O que vem acontecendo na atual crise do sistema bancário, portanto, é que a dívida cresce de forma mais rápida do que a economia consegue pagar. Então, quando as taxas de juros passaram por fim a ser elevadas pelo Banco Central, o resultado foi uma crise para os bancos".
O Prof. Hudson propõe também uma formulação ampliada: "O surgimento das oligarquias financeiras e proprietárias de terras tornou permanentes a servidão por dívida e a escravidão, contando com o apoio de uma filosofia legal e social que favorecia os credores, o que distingue a civilização ocidental de tudo o que veio antes. Hoje, chamaríamos a isso de neoliberalismo".
Ele então passa a explicar em um nível de detalhamento excruciante como esse estado de coisas se solidificou na Antiguidade ao longo de mais de cinco séculos. Pode-se ouvir os ecos contemporâneos da "supressão violenta de revoltas populares" e de "assassinatos que tinham como alvo seus líderes" reprimindo as tentativas de cancelar as dívidas e "redistribuir as terras a pequenos proprietários que as haviam perdido para os latifundiários".
O veredito é impiedoso: "O que empobreceu a população do Império Romano" legou ao mundo moderno "Um corpo de princípios legais baseado nos credores".
Oligarquias predatórias e "Despotismo Oriental"
O Prof. Hudson desenvolve uma devastadora crítica da "filosofia social darwinista do determinismo econômico": uma perspectiva autocongratulatória" levou a que as atuais instituições do individualismo e da segurança do crédito e dos contratos de propriedade (favorecendo as reivindicações dos credores em detrimento dos devedores, e as dos senhores de terras em detrimento dos arrendatários) que datam da antiguidade clássica sejam vistas como "desdobramentos evolucionários positivos que afastam a civilização do "Despotismo Oriental".
Tudo isso é mito. A realidade foi algo de totalmente diferente: as extremamente predatórias oligarquias de Roma lutaram "cinco séculos de guerras para privar as populações de liberdade, reprimindo a oposição popular às severas leis que beneficiavam os credores e a monopolização da terra por latifúndios".
Roma, portanto, agia como um "estado fracassado", com "generais, governadores, coletores de impostos, agiotas e arrivistas" ordenhando prata e ouro, "na forma de saques militares, tributos e usura, da Ásia Menor, da Grécia e do Egito". E no entanto, esse enfoque de terra arrasada adotado pelos romanos sempre foi prodigamente descrito, no Ocidente moderno, como a empreitada de levar aos bárbaros uma mission civilisatrice ao estilo francês – enquanto Roma arcava com a proverbial "carga do homem branco".
O Prof. Hudson mostra que as economias grega e romana "terminaram em austeridade e ruíram após terem privatizado o crédito e a terra, colocados em mãos das oligarquias rentistas". Faz lembrar alguma coisa bem contemporânea?
Pode-se dizer que o nexo central desse argumento é o que se segue":
"A legislação romana que regia os contratos estabeleceu o princípio fundamental da filosofia jurídica ocidental, que dava às reinvindicações dos credores prioridade sobre a propriedade dos devedores – descrita hoje pelo eufemismo "segurança dos direitos de propriedade". Os gastos públicos com o bem-estar social foram minimizados – o que a ideologia política contemporânea chama de deixar as coisas nas mãos do "mercado", mercado esse que mantinha os cidadãos romanos e seu Império dependendo de patrocinadores abastados e de agiotas para a satisfação de suas necessidades mais básicas. Esses gastos eram canalizados para pão e circo, esmolas para os desempregados e jogos bancados por candidatos políticos, que muitas vezes se endividavam junto aos ricos oligarcas para financiar suas campanhas".
Qualquer semelhança com o atual sistema liderado pelo Hegêmona não é mera coincidência. Hudson: "Essas ideias, políticas e princípios pró-rentistas são as que o mundo ocidentalizado ainda hoje vem seguindo. É isso que torna a história romana tão relevante para as economias contemporâneas que sofrem tensões econômicas e políticas similares".
O Prof. Hudson nos lembra que os próprio historiadores romanos – Lívio, Salústio, Apiano, Plutarco, Dionísio de Halicarnasso, entre outros – "enfatizaram a subjugação dos cidadãos à servidão por dívida". Até mesmo o Oráculo de Delfos da Grécia, como também poetas e filósofos, advertiram contra a ganância dos credores. Sócrates e os estoicos avisaram que "o vício na riqueza e seu amor pelo dinheiro eram a maior ameaça à harmonia social e, portanto, à sociedade".
O que nos leva ao fato de essa crítica ter sido totalmente omitida pela historiografia ocidental. "Pouquíssimos classicistas", observa Hudson, seguem os historiadores romanos quanto à questão de que esses conflitos sobre dívidas e usurpações de terras foram "os principais responsáveis pelo Declínio e Queda da República".
Hudson também nos lembra que os bárbaros estavam sempre aos portões do Império: Roma, de fato, "enfraqueceu de dentro para fora" durante "século após século de excessos oligárquicos".
Essa, portanto, é a lição que devemos aprender com a Grécia e com Roma: as oligarquias credoras "tentam monopolizar a renda e a terra de maneiras predatórias, e interromper a prosperidade e o crescimento". Plutarco já havia entendido: "A ganância dos credores não dá a eles nem prazer nem lucro, e arruína a quem eles fizeram mal. Eles não aram os campos que tomam de seus devedores, nem moram nas casas dessas pessoas após despejá-las".
Cuidado com a pleonexia
Seria impossível examinar por completo as muitas oferendas preciosas como jade que constantemente enriquecem a narrativa principal. Aqui vão apenas algumas dessas preciosidades (E outras virão: o Prof. Hudson me contou está trabalhando na continuação desse trabalho, agora, tratando das Cruzadas).
O Prof. Hudson nos lembra que as questões de dinheiro, dívidas e juros chegaram ao Egeu e ao Mediterrâneo vindas do Oeste Asiático trazidas por mercadores da Síria e do Levante, por volta do século VIII A.C. No entanto, "sem uma tradição de cancelamento de dívidas e redistribuição de terras que pusesse freio à busca de riquezas, chefetes e senhores guerreiros gregos e italianos, que alguns classicistas chamaram de mafiosos [por sinal, classicistas norte-europeus, não italianos] impuseram a propriedade de terras por latifundiários ausentes sobrepondo-se à mão-de-obra dependente".
Essa polarização econômica só fazia piorar. Sólon cancelou as dívidas atenienses em fins do século VI B.C., mas sem que houvesse redistribuição de terras. As reservas monetárias de Atenas provinham principalmente das minas de prata – que construíram a marinha que derrotou os persas em Salamina. Péricles talvez tenha reforçado a democracia, mas a atribulada derrota frente a Esparta na Guerra do Peloponeso (431-404 B.C.) abriu as portas para uma forte oligarquia viciada em endividamento.
Todos nós que estudamos Platão e Aristóteles na universidade nos lembraremos que eles conceituavam todo esse problema no contexto da pleonexia ("vício em riqueza") – que fatalmente leva a práticas predatórias e "socialmente lesivas". Na República de Platão, Sócrates propõe que apenas gestores sem riqueza pessoal deveriam ser nomeados para governar a sociedade – para que não se tornassem reféns da hubris e da ganância.
No caso de Roma, o problema é que nenhuma narrativa escrita sobreviveu. As histórias-padrão só foram escritas após a queda da República. A Segunda Guerra Púnica contra Cartago (218-201 A.C.) é particularmente intrigante, levando-se em conta seus tons contemporâneos que nos fazem pensar no Pentágono: O Prof. Hudson nos lembra que empresários militares privados praticavam fraudes de larga-escala e bloquearam vigorosamente as tentativas do Senado de processá-los.
O Prof. Hudson mostra que essa "se tornou também uma ocasião para entregar às famílias mais ricas a propriedade de terras públicas, uma vez que o estado romano tratou como dívidas públicas retroativas e sujeitas a reembolso suas ostensivamente patrióticas doações de joias e dinheiro a título de contribuições para o esforço de guerra".
Depois de Roma derrotar Cartago, a turma do luxo quis seu dinheiro de volta. Mas os únicos bens que ainda restavam ao estado eram as terras da Campania, ao sul de Roma. As famílias ricas fizeram lobby junto ao Senado e se apossaram da totalidade delas.
Veio com César a última chance de as classes trabalhadoras conseguirem um acordo justo. Na primeira metade do século I A.C. ele defendeu uma lei das falências que perdoava dívidas. Mas o cancelamento das dívidas não chegou a se generalizar. A moderação de César não evitou que o Senado o atacasse, "temendo que ele viesse a usar sua popularidade para tentar 'tornar-se rei'" e adotar reformas ainda mais populares.
Após o triunfo de Otaviano e a designação de Princeps concedida a ele pelo Senado, e de Augusto, em 27 A.C., o Senado transformou-se em uma mera elite cerimonial. O Prof. Hudson resume a situação em uma única frase: "O Império do Ocidente esfacelou-se quando não havia mais terras a tomar nem barras de ouro e prata a pilhar". Aqui também devemos nos sentir à vontade para traçar paralelos com aos atuais dissabores do Hegêmona.
Hora de "melhorar as condições de toda a classe trabalhadora"
Em uma de nossas imensamente simpáticas conversas, o Prof. Hudson observou que ele imediatamente pensou em um paralelo com 1848. "Escrevi para o jornal empresarial russo Vedomosti: Afinal de contas, 1848 acabou sendo uma revolução burguesa limitada, que se opunha às classes proprietárias de terras rentistas e aos banqueiros – mas estava longe de defender a classe trabalhadora. O grande ato revolucionário do capitalismo industrial, de fato, foi libertar as economias do legado feudal dos proprietários ausentes e do sistema bancário predatório – mas houve um retrocesso à medida que as classes rentistas retornaram com o capitalismo financeiro".
O que nos traz ao que ele vê como "o grande teste para a cisão dos dias atuais": "Se os países quiserem meramente se libertar do controle dos EUA/OTAN sobre seus recursos naturais e infraestrutura – isso pode ser feito com a tributação da renda dos recursos naturais (usando assim os impostos para impedir a fuga de capitais dos investidores estrangeiros que privatizaram esses recursos naturais). O grande teste para os países da nova Maioria Global será optar ou não por melhorar as condições da classe trabalhadora como um todo, como o socialismo chinês vem tentando fazer".
Não é de surpreender que o "socialismo com características chinesas" apavore tanto a oligarquia credora do Hegêmona, ao ponto de ela correr até mesmo o risco de uma Guerra Quente. O que é certo é que o caminho para a Soberania, em todo o Sul Global, terá que ser revolucionário: "A independência do controle dos Estados Unidos equivale às reformas westfalianas de 1648 – a doutrina da não-interferência nos assuntos de outros países. Um imposto sobre os rendimentos financeiros é um elemento central dessa independência – as reformas tributárias de 1848. Quando ocorrerá o 1917 moderno?"
Ouçamos a opinião de Platão e Aristóteles: Tão logo quanto humanamente possível.
Tradução de Patricia Zimbres
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