EUA convidam regimes autoritários de extrema direita para a ‘Cúpula pela Democracia’
O governo de Joe Biden convidou numerosos líderes autoritários de direita para a chamada “Cúpula pela Democracia” do Departamento de Estado
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Artigo de Ben Norton, originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 2/4/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
O governo dos EUA organizou uma conferência dos seus aliados, a qual chamaram enganosamente de “Cúpula pela Democracia”, mas que, na verdade, apresentou numerosos regimes anti-democráticos de direita.
O Departamento de Estado convidou 120 lideranças globais para participarem da cúpula em 29 – 30 de março. Estes o fizeram virtualmente, via chamadas de vídeo.
O governo de Joe Biden também convidou o regime golpista não-eleito do Paquistão, que chegou ao poder após uma operação de mudança de regime apoiada pelos EUA contra o primeiro-ministro democraticamente eleito Imran Khan em abril de 2022. (No entanto, Islamabad decidiu não comparecer, porque enfrenta protestos de massa e instabilidade doméstica.)
A primeira-ministra direitista da Itália, Giorgia Meloni, também participou da cúpula. Meloni é defensora do antigo ditador fascista Benito Mussolini. Ela iniciou a sua carreira política como líder da ala jovem de um partido político fascista fundado por criminosos de guerra do regime de Mussolini.O partido político de extrema-direita de Meloni, 'Fratelli d'Italia' (Irmãos da Itália) ainda usa os mesmos símbolos e cores do movimento fascista de Mussolini. Um importante líder do seu partido tem um busto do antigo ditador na sua casa, e foi investigado por fazer saudações nazistas.
O governo Biden organizou a primeira chamada “Cúpula pela Democracia em 2021, numa tentativa de unificar os aliados dos EUA num bloco para travar uma nova guerra fria contra a China e a Rússia — as quais não foram convidadas para nenhuma das cúpulas.
Estas intenções se tornaram óbvias quando os EUA pressionaram todos os convidados a assinarem uma declaração conjunta denunciando a Rússia pela guerra por procuração na Ucrânia. Os governos de esquerda do Brasil e do México se recusaram a apoiar Washington na denúncia contra Moscou.
Da sua parte, o Ministério das Relações Exteriores da China condenou a cúpula como uma tentativa de “estabelecer linhas entre os países do mundo de acordo com os critérios dos EUA e de interferir nos seus assuntos internos baseado nos interesses dos EUA”; como uma maneira que “reflete quão arrogantes, intolerantes, egoístas e dominadores os EUA sempre foram, e como eles contrariam e pisoteiam sobre a democracia, enquanto parte dos valores comuns da humanidade”.
O governo dos EUA expôs as suas cínicas intenções políticas ao convidar a Ucrânia e Taiwan para participarem da cúpula, apesar do fato que a ilha de Taiwan não é um país, mas sim uma província da República Popular da China.
Quando o governo dos EUA normalizou as suas relações com a China em 1972, ele assinou o primeiro de três comunicados — nos quais reconhece legalmente que Taiwan faz parte da China.
Violando os seus compromissos diplomáticos formais, o governo Biden ilustrou publicamente o seu apoio aos separatistas na província chinesa de Taiwan, ao convidar a ambas para a chamada “Cúpulas pela Democracia”.
O líder ucraniano Volodymyr Zelenski também falou na conferência, apesar do seu brutal ataque à democracia no seu país. O regime de Zelenski baniu todos os partidos comunistas e socialistas, enquanto impôs algumas das mais agressivas legislações anti-trabalhadores no mundo, suspendendo o direito de negociações coletivas e, essencialmente, tornando ilegal a formação de sindicatos.Até mesmo o jornal The New York Times admitiu, relutantemente, que o regime de Zelensky impôs controles autoritários sobre as mídias. Neste ínterim, os políticos e críticos ucranianos de oposição foram arbitrariamente presos. Porquanto os apoiadores de Zelensky clamam que isto é necessário devido à guerra em andamento, a sua repressão draconiana começou bem antes da invasão russa. Em 2021, o regime de Zelensky baniu os veículos de mídia críticos considerados como “pró-Rússia”, enquanto perseguia e emprisionava arbitrariamente políticos de oposição.
Dois membros da OTAN não foram convidados para a chamada “Cúpula pela Democracia”: a Turquia e a Hungria. Isto foi claramente um sinal politicamente motivado de desaprovação do governo Biden, porque os dois países tentaram equilibrar o Ocidente contra a Rússia, mantendo boas relações com ambos os lados.
Os governos democraticamente eleitos da Venezuela e da Nicarágua tampouco foram convidados. Ao invés disso, Washington convidou ativistas de oposição direitistas de ambos os países latino-americanos — incluindo Lesther Alemán, que desempenhou um papel importante na violenta tentativa de golpe na Nicarágua em 2018.
Também participou na cúpula a notória organização da CIA, o 'National Endowment for Democracy' (NED — Fundo Nacional pela Democracia), o qual Washington usou para interferir em países estrangeiros em todo o planeta, organizando operações de mudança de regime e financiando “revoluções coloridas”.
Como uma estratégia-chave de política exterior, o governo Biden militarizou a retórica sobre “democracia” para fazer avançar os interesses geopolíticos dos EUA.
No seu primeiro discurso sobre o Estado da União, em 2022, Biden alegou que a nova guerra fria de Washington contra a China e a Rússia era “uma batalha entre a democracia e as autocracias”.Mas o chefe de política exterior da União Europeia, Josep Borrell, disse outra coisa num discurso de outubro, criticando o enquadramento enganoso de “democracias versus autoritarismos”.
O chefe oficial de política exterior da União Europeia, Josep Borrell, admitiu que a nova guerra fria do Ocidente contra a China e a Rússia NÃO é uma batalha de “democracias versus autoritarismo”. Ele reconheceu: “Da nossa parte, há muitos regimes autoritários”. Este é um conflito econômico.
Ele reconheceu: “Da nossa parte, há muitos regimes autoritários”.
“Nós não podemos dizer que somos democracias e que os que nos seguem também são democracias. Isto não é verdade”, adicionou o alto diplomata da União Europeia.
Um dos primeiros oradores da abertura da Cúpula pela Democracia de Biden em 29 de março de 2023 foi o líder de extrema-direita do regime israelense de apartheid, Benjamin Netanyahu.
Netanyahu serviu como primeiro-ministro por mais de 15 dos 27 anos desde 1996. Atualmente, o seu governo de coalizão de extrema-direita inclui membros de partidos literalmente fascistas.
Todos os mais importantes veículos de mídia mainstream ocidentais reconheceram que o regime de Netanyahu é autoritário, incluindo a BBC, o Washington Post, o The New York Times, a Associated Press, o Guardian e a revista Foreign Affairs.
Na verdade, Netanyahu falou na cúpula de Biden enquanto protestos de massa se realizavam em Israel contra o seu regime autoritário.
O mais influente jornal israelense, Haartez — o qual, essencialmente, é o equivalente no país ao The New York Times, promovendo uma perspectiva liberal-centrista — publicou um artigo advertindo “'O governo de Israel tem ministros neonazistas. Isto realmente relembra a Alemanha em 1933': O historiador do Holocausto Daniel Blatman diz que está espantado de quão rapidamente Israel está se arremessando na direção do fascismo”.
A “Cúpula pela Democracia” de Biden também apresentou o presidente de extrema-direita da Polônia, Andrzej Duda.
Muitos veículos de mídias ocidentais mainstream admitiram que a Polônia é comandada por um regime autoritário.Até o ex-presidente dos EUA Barack Obama declarou, numa entrevista à CNN em 2021, que a OTAN e os membros da OTAN Polônia e Hungria “agora se tornaram essencialmente autoritários”.
No entanto, enquanto o regime autoritário de extrema-direita da Polônia foi convidado para a “Cúpula pela Democracia” de Biden, a Hungria não foi convidada. A razão é clara: a Polônia é virulentamente anti-Rússia, portanto foi bem-vinda, enquanto a Hungria tentou equilibrar boas relações tanto com o Ocidente quanto com a Rússia — então ela foi o único membro da UE a não ser convidado.
As ONGs estabelecidas que são rotineiramente citadas nas mídias ocidentais para atacar adversários da OTAN admitiram que o autoritarismo de extrema-direita está se aproximando dos EUA.
A União pelas Liberdades Civis na Europa — uma importante organização da sociedade civil que é similar à União das Liberdades Civis dos EUA (ACLU — American Civil Liberties Union) — advertiu que a Polônia e a Hungria estão se tornando cada vez mais autoritárias. Ambos os países estão “se adonando de maiores controles do sistema de justiça, da sociedade civil e das mídias, enquanto reduzem direitos humanos básicos e alimentam divisões ao usar migrantes e outros grupos minoritários como bodes expiatórios”.
A organização financiada por governos ocidentais, o Instituto pela Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA — International Institute for Democracy and Electoral Assistance), advertiu que o regime polonês está reprimindo manifestantes violentamente e detendo arbitrariamente ativistas anti-fascistas, enquanto permite que extremistas fascistas usem símbolos nazistas.
Reporta-se que o partido de extrema-direita Lei e Justiça (PIS) de Duda fez escutas de telefones de políticos de oposição e jornalistas para espioná-los ilegalmente.
Juntando-se a Netanyahu no painel de abertura da Cúpula pela Democracia de 2023 de Biden estava o primeiro-ministro de extrema-direita da India, Narendra Modi.
Modi é um membro de longa data de um grupo paramilitar fascista, o RSS, cujos primeiros líderes se inspiraram na Alemanha Nazista, elogiando a “purga do país das raças semíticas” de Adolf Hitler como “uma boa lição para nós no Hindustão aprendermos e lucrarmos”.
Antes dele tornar-se primeiro-ministro, Modi governou o estado de Gujarat, no qual livros-texto das escolas médias honravam “Hitler, o Supremo” e a “Conquista Interna do Nazismo”.Como governador de Gujarat em 2002, Modi supervisionou um pogrom (massacre) massivo, no qual centenas de muçulmanos foram mortos. (Enquanto primeiro-ministro, Modi censurou um documentário que expunha o seu papel no massacre.)
O partido de extrema-direita da Índia, o BJP, promove uma ideologia extrema de nacionalismo hinduísta que considera os muçulmanos e outras minorias religiosas como inferiores, cidadãos de segunda ou terceira classe, e discrimina pesadamente contra eles.
Alguns dos aliados políticos de Modi clamaram abertamente pela revogação da constituição secular da Índia e por transformar o estado em um “rashtra hinduísta”: um regime teocrático.
Efetivamente, apenas alguns dias antes de Modi falar na chamada “Cúpula pela Democracia”, o seu governo lançou um ataque autoritário contra o líder da oposição política da Índia, Rahul Gandhi.
Em 23 de março, Gandhi foi expulso do parlamento indiano e sentenciado a dois anos de prisão por acusações fraudulentas de difamação, devido a um comentário que Gandhi fez em 2019, no qual ele se referiu ao primeiro-ministro Modi e os seus ricos aliados oligarcas como “ladrões”.
As acusações politicamente motivadas buscam impedi-lo do seu mandato, efetivamente pavimentando o caminho para o BJP e os nacionalistas hindus de extrema-direita para dar a si mesmos a vitória nas próximas eleições de 2024, sem uma oposição significativa.
Muitos veículos das mídias de mainstream reconheceram que o regime de Modi é autoritário, incluindo o The New York Times, a BBC, NBC News, Foreign Policy, New Yorker e The Diplomat.Mas Modi foi ansiosamente bem-vindo na “Cúpula pela Democracia” de Biden, porque os EUA estão desesperados para recrutarem a Índia para a sua nova guerra fria contra a China e esperam enfraquecer as relações positivas de Nova Deli com a Rússia.
A Índia é um membro do sistema BRICS, mas ela se tornou membro antes de Modi, sob o governo anterior do primeiro-ministro Manmohan Singh, do Partido do Congresso Nacional Indiano. A Índia faz parte do sistema BRICS, mas também é um membro do Diálogo Quadrilateral de Segurança (QUAD — Quadrilateral Security Dialogue), uma aliança militar anti-China liderada pelos EUA, conhecida comumente como a “OTAN Asiática”. Quando Modi chegou ao poder (juntamente com Jair Bolsonaro, no Brasil), o ex-diretor da CIA e ex-secretário de Estado Mike Pompeo revelou que Washington tentou usar estes dois líderes de extrema-direita para perturbar e dividir o sistema BRICS.
O ex-diplomata M.K. Bhadrakumar advertiu que a Índia é o elo mais fraco do sistema BRICS, porque o seu governo apoia a “chamada 'ordem baseada em regras' de Washington, que é uma metáfora da ideologia política dos EUA enquanto um estado dominante e a 'única superpotência' nos anos de 1990”.
Os BRICS enfrentam um paradoxo que, porquanto ele cresça, ele também falha nos seus conflitos internos “e a razão principal disso é a indisponibilidade da Índia de trabalhar com a China enquanto líder do crescimento econômico”, Bhadrakumar escreveu.
“A Índia de Modi se sente desconfortável de que o centro de gravidade dos BRICS está prestes a mudar ainda mais à esquerda do centro”, disse ele, e “sendo um acólito da 'ordem baseada em regras' liderada pelos EUA, a Índia enfrenta o espectro do isolamento”.
Os EUA veem estas contradições e espera explorá-las para a sua vantagem. Isto explica por que a Índia foi convidada para a chamada “Cúpula pela Democracia”, apesar de ser abertamente anti-democrática.
A presença de tantos líderes autoritários de extrema-direita demonstra claramente as cínicas metas políticas por trás da Cúpula pela Hipocrisia.
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