EUA, 2016: Everybody loves Barack

Para melhorar o raciocínio, basta pensar no Brasil, com todos os conflitos entre classes e grupos sociais que observamos atualmente (ou historicamente), mas na condição de maior potência global

Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante evento em Paris. 30/11/2015 REUTERS/Ian Langsdon/Pool
Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante evento em Paris. 30/11/2015 REUTERS/Ian Langsdon/Pool (Foto: Leopoldo Vieira)


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Em 2008, após dois mandatos de George W. Bush, os Estados Unidos eram um país devastado por uma grave crise econômica, se atolavam em guerras cada vez mais caras e questionáveis pelo unilateralismo e violação dos direitos humanos. Toda a política e proteção social foi desmantelada, precarizando a classe média e deixando os mais pobres e trabalhadores à deriva do desemprego e da desassistência, enquanto os mais ricos foram isentos de impostos.

Foi a catapulta do ressurgimento pesado da intolerância religiosa, social, racial, ideológica e xenofobia, que embalou o crescimento da extrema direita não apenas por lá, mas tipo exportação, em larga medida, para o sul do continente, onde começavam a brotar governos engajados nos combates às desigualdades.

Sem falar na Diplomacia Transformacional de Condolezza Rice, novas pressões sobre Cuba sob uma Guerra Fria sem URSS, e a crescente responsabilização dos EUA em relação aos impasses do aquecimento global ou a emersão dos problemas relacionados à desregulamentação do uso de armas por civis.

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A base Democrata - historicamente formada pelos mais pobres, imigrantes, sindicalistas, ativistas de direitos humanos e ambientalistas - assim como a maioria da sociedade, aspirava por mudanças, mas com uma novidade distinta da política tradicional, uma vez que o Sonho Americano, isto é, a ascensão dos Homens Esquecidos de Roosevelt, experimentada no pós-Segunda Guerra Mundial, já aparecia como uma distopia.

Na virada do primeiro para o segundo governo Bush, foi ensaiada uma tentativa de terceira via progressista ao bipartidarismo. Bush derrotou o Democrata Al Gore, que colocava as mudanças climáticas no centro de sua plataforma, numa eleição com denúncias de fraude e por causa da candidatura alternativa de Ralph Nader, o ecologista de esquerda que jogava Republicanos e Democratas no mesmo saco.
Deu no que deu.

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Este foi o espaço pelo qual passou Barack Hussein Obama, um afroamericano com sobrenome muçulmano, proveniente da classe média baixa e que falava em sonhos e novos modos de fazer política, como o uso das redes sociais para disseminar sua mensagem e arrecadar fundos de pessoas físicas, que se tornaram um inovador e estrondoso sucesso a inspirar campanhas eleitorais em todo o planeta.

Na campanha de 2008, Obama sofreu todo tipo de hostilização da direita: foi retratado com o quepe de Mao Tsé Tung, como o quinto profeta do marxismo, discursando com uma bandeira norte-americana com a foice e martelo no lugar das estrelas. Saltitaram slogans que igualavam Comunista e Democrata, montagens dele com farda bolivariana e distintivo do Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA). Estreante no Twitter, tornou-se alvo de posts racistas e de ódio: "macaco", imagem com o laço de forca no pescoço com o lema "corda para mudar". Coisas que conhecemos bem no Brasil e na América Latina e que tem origem na propaganda Republicana.

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Mas Obama fez mesmo um governo diferente.

Retirou a isenção de impostos aos mais ricos, eliminou incentivos fiscais para empresas de petróleo, propôs novos regulamentos para limitar as emissões de gases de efeito estufa, aumentou o déficit público e o teto de endividamento para viabilizar um pacote de estímulos econômicos para a recuperação da economia baseado no aumento dos gastos na saúde, infra-estrutura e educação.

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Com forte resistência de direita no Congresso, criou o Obamacare, que, ainda que sob a batuta dos planos de saúde, ampliou a cobertura para os mais pobres e trabalhadores, por meio de subsídios do estado para se adquirir um plano ou a obrigatoriedade dos empregadores, incluindo-se o Estado (o maior empregador), custearem planos de saúde para seus funcionários.

Nomeou o primeiro Procurador-Geral negro, defendeu a união civil LGBT (depois homologada pela Suprema Corte por provocação da Procuradoria-Geral), indicou duas mulheres para a mesma. Aprovou a reforma da lei de imigração com benefícios aos imigrantes ilegais, com destaque para os jovens já nascidos nos EUA. Decretou uma política de controle do porte de armas após as tragédias de Charleston, um sistema de policiamento comunitário após Ferguson, determinou o fim da prisão solitária para os jovens e passou a discutir reformas do sistema criminal com os movimentos negros, com destaque para o Black Live Matter. Defendeu os imigrantes como fundadores e construtores da América.

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Restabeleceu laços diplomáticos com Cuba, no que contou com o apoio do Papa Francisco e seu progressismo teológico numa nação protestante, cujos adeptos mais extremos formam a base Republicana. Foi além, pressionando o Congresso a suspender o bloqueio e articulando a pressão de empresários favoráveis à medida. Recentemente, autorizou a retomada dos vôos comerciais, a instalação da primeira fábrica americana na ilha e a histórica visita, em março, de um presidente dos EUA após 88 anos.

Teve papel determinante para o Acordo de Paz na Colômbia, ainda em curso, que, além de pacificar aquele país, permitirá à FARC se tornar uma alternativa democrática de governo. Apoiou a Grécia, já após a vitória do Syriza, quando seu governo recomendou à União Européia não sufocar Tsipras nas negociações do Resgate. Foi acusado de ir "no banco de trás" na invasão da Líbia (que teve voto favorável do senador Sanders no Congresso, quando Hillary era Secretária do Departamento de Estado).

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Mesmo não tendo fechado Guantanamo ainda, devido às resistências dos presos em serem levados a países desconhecidos e dos países em recebê-los, reduziu a carceragem de mais de 200 presos para 91, sendo que 35 destes já estão com transferência aprovada. Retirou as tropas do Iraque e condenou o racismo contra muçulmanos.

Barack pacificou as relações com o Irã, suspendendo o bloqueio econômico por meio do acordo nuclear ensaiado pelo ex-presidente Lula e pelo chanceler Celso Amorim, cujas tratativas estimuladas por Obama, ao que parece óbvio atualmente, foram um test drive da viabilidade da empreitada. E este foi apenas um de seus conflitos com a extrema-direita à frente do governo de Israel. Liderou o acordo climático mais ousados dos últimos anos na COP 21 (saudando a cooperação com o Brasil).

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Como é de costume, a direita sabe contra quem luta.

A origem social e as realizações do governo Obama, em comparação com a Era Bush e, sobretudo, o confronto do legado cultural e seus impactos na sociedade americana entre os projetos representados pelo ex-presidente e o atual são a razão da polarização política observada nestas eleições. Não à toa, Obama é acusado pelos Republicanos de sempre ter dependido de benefícios do estado e, por isso, desconhecer a nação; de não ser autenticamente americano, de dividir o País.

Outra coisa que também conhecemos bem por aqui.

Poderia ter feito mais? Talvez sim. Talvez não. Para melhorar o raciocínio, basta pensar no Brasil, com todos os conflitos entre classes e grupos sociais que observamos atualmente (ou historicamente), mas na condição de maior potência global.

Em debate recente, Sanders, que acusou Hillary de estar defendendo o governo Obama para conquistar os votos dos negros, declarou sobre o presidente:"Acho que ele tem feito um grande trabalho em muitos aspectos". Imediatamente, foi retrucado por Jesse Ferguson, porta-voz de Hillay: "É decepcionante que o senador Sanders ache que a única razão pela qual um Democrata estaria orgulhoso do trabalho do presidente Obama seria uma manobra política para cortejar os eleitores africano-americanos". E completou: "Estamos orgulhosos do trabalho do presidente Obama para resgatar a economia da beira do colapso, aprovar a reforma da saúde e um marco para reformar Wall Street".

Confortável com os rumos da disputa Democrata, em entrevista à CNN de 17/02, o presidente comentou, sobre as primárias: "Você sabe que eu conheço Hillary melhor do que Bernie, porque ela serviu em minha administração, e ela era uma excepcional Secretária de Estado. E eu suspeito que, em certas questões, ela concorda comigo mais do que Bernie". Mas, "por outro lado, pode haver algumas questões em que Bernie concorda mais comigo".

Todos reivindicam Obama.

Bibliografia
 
 
AXEROLD, David. Believer: My Forty Years in Politics. Penguin Press, 2015. 528 páginas.
 
HALPERIN, Mark / HEILEMANN, John. Virada no Jogo: Como Obama Chegou à Casa Branca. Intrínseca, 2012. 464 páginas.
 
BRADNER, Eric. Sanders: Clinton is embracing Obama to pander to black voters. CNN, fev./2016. Disponível emhttp://edition.cnn.com/2016/02/18/politics/bernie-sanders-attacks-hillary-clinton-bet/. Acesso em 23 fev. 2016.
 
COLLINSON, Stephen/SCHLEIFER, Theodore. Barack Obama: I don't think Donald Trump will be President. CNN, fev./2016. Disponível emhttp://edition.cnn.com/2016/02/16/politics/obama-donald-trump-president/. Acessado em 23 fev. 2016.
 
 
GOLDING, Shenequa. President Obama Bans Solitary Confinement For Juveniles In Federal Prisons. Vibe, jan.2016. Disponível emhttp://www.vibe.com/2016/01/barack-obama-bans-solitary-confinement-for-juveniles-in-federal-prisons/. Acessado em 23 fev. 2016.
 
MARTÍN, Juana. Condoleeza Rice defiende la «diplomacia transformacional». Juventud Rebelde, fev./2007. Disponível emhttp://www.juventudrebelde.cu/internacionales/2007-02-10/condoleeza-rice-defiende-la-diplomacia-transformacional/. Acessado em 23 fev. 2016.
 
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