EUA, 2016: Blue is the new red

O fato mais importante destas prévias Democratas não é a novidade Bernie Sanders, mas a convergência programática e ideológica dos Democratas em torno de um progressismo avançado



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O legado dos governos Barack Obama, narrado no artigo anterior "How I met Bernie Sanders" levou os Democratas a terem os seus pré-candidatos à esquerda.

Martin O'Malley, ex-governador de Maryland, defende um salário mínimo mais alto e acusa a elite financeira de ter criado uma economia que condenou 70% dos americanos a ganharem menos do que há 12 anos. A senadora Elizabeth Warren era a candidata preferencial do movimento Occupy Wall Street. Retirou na largada para apoiar Bernie Sanders.

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Desde as preliminares das primárias Democratas, Obama foi preciso em fazer a candidatura Democrata defender seu governo com ênfase em aperfeiçoar a sua agenda progressista. De um lado, deixou claro que só se manifestaria sobre preferência a algum candidato após a escolha final do partido. De outro, passou a polarizar com o então favorito Republicano, Donald Trump.

A bola foi cantada pelo Nobel Paul Krugman já no ano passado: "os Estados Unidos estão apresentando um nível de polarização política que desde a Guerra Civil não se vê". Para ele, "enquanto os Democratas tentarão expandir os programas sociais, a intervenção estatal na economia e reduzir gastos bélicos, os Republicanos farão todo o contrário. Ou seja, o Partido Democrata cada vez mais se consolida como uma típica alternativa da esquerda aos moldes europeus".

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Foi assim que a disputa das prévias democratas empurrou Hillary ainda mais à esquerda. E digo mais à esquerda porque a senadora já vinha defendendo mudanças na legislação para pôr fim ao que chama de Era de Encarceramento em Massa, o aumento da maioridade penal, o fim do uso da bandeira dos Confederados em estabelecimentos públicos e por empresas, e o controle de armas após o atentado em Charleston.

As vésperas da primária de Iowa, Obama quebrou o silêncio e fez uma declaração dúbia. Descreveu Hillary como experiente e realmente progressista e idealista, mas que Bernie Sanders é uma novidade que empolga a sociedade e a juventude.

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É por isso que o fato mais importante destas prévias Democratas não é a novidade Bernie Sanders, mas a convergência programática e ideológica dos Democratas em torno de um progressismo avançado, que tem como alicerce a defesa do governo Obama com perspectivas de dar passos adiante.

O vocabulário de Hillary e Sanders gira em torno de mais direitos para pobres, trabalhadores, negros, mulheres, gays, imigrantes, hispânicos, tolerância religiosa e étnica, diplomacia política, regulação estatal da economia, justiça tributária, reforma do sistema penal e atendimento de saúde e educação.

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Não se pode dizer que Hillary, nesta etapa da disputa, seja ainda a pragmática, centrista, comprometida com os pactos bipartidários no Capitólio. Tudo que dinamitou sua escolha nas primárias em 2008. E nem que Sanders, por motivos óbvios que o viabilizaram, seja tão oposto assim ao establishment de Washington.

Sanders arrecadou quase tanto quanto Hillary, sendo que 75% de seus fundos foram provenientes de contribuições individuais, batendo o recorde da campanha de Obama em 2008, quando se notabilizou pelo uso da internet. Já o comitê de campanha de Hillary afirma que a maioria das doações foram inferiores cem dólares.

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Mesmo as polêmicas em torno da saúde pública, a divergência não poderia ser melhor.

Enquanto Hillary defende a ampliação do Obamacare, Sanders propõe chegar a uma espécie de efetivo Sistema Único de Saúde (SUS) , trazendo à tona uma discussão tática que a esquerda do Brasil conhece bem: a das possibilidades diante da disputa na sociedade e no Congresso. Até porque não são apenas os Democratas que disputarão as eleições.

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Em Iowa, a primária Republicana surpreendeu e Ted Cruz derrotou Donald Trump. No discurso da vitória, Cruz disse que fora uma vitória da população (isto é, do conservadorismo social e de base) contra o establishment. Dois gumes que se digladiam entre os elefantes, mas golpeiam juntos os burros.

Um provável governo não pode achar que vai sobreviver com a fórmula de unificar a sociedade contra Wall Street. O buraco será mais embaixo e é óbvio que, se for bem sucedida, a extrema esquerda americana terá mais a provar a Wall Street do que outrem. E Wall Street é bem mais tenso do que o banco Itaú e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).

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São ponderações importantes, pois Barack teve que governar com minoria no Congresso, com uma oposição que fala abertamente em agenda anti-Obama, fora dos marcos da tradição de pactos centristas bipartidários. Muitas vezes, teve que lançar mão de decretos, travar disputas na Suprema Corte e passar por situações como a oposição tentou impor, em 2015, à presidenta Dilma, de não aprovar o Orçamento.

Neste exato momento, Obama sofre ameaças da maioria Republicana de não conseguir indicar um juiz substituto de Antonin Scalia, expoente do conservadorismo indicado por Ronald Reagan, na Suprema Corte. Fato inédito na história dos EUA.

Deste modo, não é exatamente o fim do mundo a notória a capacidade de arrecadação de Hillary perante as grandes empresas, o que é permitido pela lei americana, apesar das mudanças no sistema eleitoral defendidas pelo presidente Obama e, agora, por Sanders. E, tampouco, o fato deste, por sua vez, ter 25% de seus fundos provenientes de empresas e constar em eventos patrocinados por grandes corporações. Sinal de que há apoio para o renovado progressista, nacional, popular e democrático azul Democrata, que é o vermelho na parte latina do continente. Em que pese esta seja, nos EUA, a cor dos Republicanos.

 
Bibliografia
 
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