"Eu só tenho essa calcinha"
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Há lembranças em nossas vidas que revivem parte da nossa história, e ainda bem que isso acontece para nos lembrar de onde viemos e quem somos agora. Pois uma delas aconteceu naquele apartamento (kitnet) que a minha saudosa mãe, Regina Roque, emprestou para que morássemos lá Rua Manoel Novaes em Paulo Afonso na Bahia. Tempos difíceis aquele em que para comer dividíamos um prato de comida, eu e minha esposa Ângela.
O meu filho Ulisses tinha nascido. Foi o segundo, já que Flávio tinha vindo antes de um lindo relacionamento na juventude. Até hoje sou amigo da mãe dele, Glaide. Mas este não é o caso agora. O certo é que mesmo eu já tendo começado na área de eventos para sobreviver, já que por conta da militância política tinha ficado difícil de conseguir trabalho na cidade, eu e Ângela vivíamos muito felizes, mesmo com toda a dificuldade que passávamos naqueles dias e eu vivia correndo atras de produzir festas nos clubes ou públicas quando contratadas por prefeituras da região. O dinheiro, graças a Deus, começava a entrar, mas era tudo um aprendizado ainda. Eu estava começando a aprender como se produzia um evento e o que fazer para não tomar prejuízos.
Por falar em “dias”, é sobre um deles que pretendo contar um ocorrido naquela quitinete que minha mãe (in memoria) nos deu para morar por um tempo. E este tempo durou anos. Aquele pequeno cômodo onde tínhamos uma cama de casal, um fogão de segunda mão comprado a uma das minhas irmãs, um banheiro e uma mesa com um computador para que eu pudesse, já, me comunicar com o mundo através da internet discada.
E naquele dia eu tinha chegado de uma festa, cansado. Dormi até às 11h e só acordei quando ouvi um barulho de água caindo do chuveiro, após colocar dezenas de cartazes onde se anunciava mais uma festa na cidade. Ulisses estava deitado ao meu lado de olhos abertos e sorrindo. Eu beijei seu rosto e seu pescoço. Ele sorria alto.
Cansado, tomei banho e em seguida deitei no colchão que ficava no chão. Nós não tínhamos uma cama ainda. O que tínhamos era um fogão de quatro bocas comprado a minha irmã, um mosquiteiro, dado por minha mãe e lençóis, um para cobrir a cama e o outro para nos cobrirmos. Isto quase nunca ocorria devido ao calor que fazia.
Ângela colocou meu almoço e alguns minutos depois foi tomar banho.
Passado algum tempo ela me sai enrolada em uma toalha e eu só de olho naquela morena linda. A danada da toalha estava rasgada de tanto ser usada por nós dois. E foi aí que eu percebi que a calcinha que ela estava vestida, também estava, toda furada e com alguns rasgões. Ao ver aquela cena eu a questionei, “que danado tu tá fazendo com essa calcinha toda rasgada?”
Ela olhou para mim sem graça pela minha reprovação e com carinho, amor mesmo foi o que só depois percebi e me disse, “eu só tenho essa. Eu uso, depois lavo e deixo enxugar para só depois usar novamente”. Eu me senti um idiota naquele momento e até hoje, passagens como essa em nossas vidas, me faz perceber que essa é a mulher da minha vida.
Mesmo com toda a dificuldade que passávamos, Ângela nunca reclamou de nada. Ela sempre esteve ali cuidando, primeiro de Ulisses e depois de Iury e Caio. Na verdade, ela deixou tudo de lado em sua juventude para cuidar dos meninos e de mim.
Quando a água do chuveiro parou, demorou pouco tempo e ela saiu do banheiro enrolada em uma toalha. Conversou comigo perguntando como foi a festa e sorria ao ver nosso filho tentando se levantar.
Mas foi quando ela retirou a toalha que algo me chamou a atenção. Ela estava vestida com uma calcinha cheia de buracos e eu, com minha sensibilidade de jumento, perguntei: Que calcinha é essa toda rasgada?
No rosto dela eu vi naquele momento uma tristeza e ao mesmo tempo uma mulher forte. Ela me disse que, “eu só tenho essa calcinha a muito tempo. Eu uso, lavo, coloco para secar e depois uso novamente”.
Foi como levar um soco na barriga ao ouvir aquilo.
A nossa vida nunca foi fácil. Nós lutamos e passamos por muitas dificuldades para chegar até aqui (2000). Após este acontecimento eu busquei ficar mais atento as necessidades pessoais de Ângela. Hoje, de tudo que eu ganho, só fico com R$ 100,00 (cem reais). Tudo é para ela! Ela sabe administrar as nossas vidas melhor do que eu.
Até agora (2022) não me arrependi de ter tomado a decisão de que tudo é para ela.
Com ela, além de Ulisses, tivemos Iury, que já me deu uma neta a Íris e Caio. Também tenho Liz e Lara.
Eu sei que a vida nos proporciona muitas estradas, mas é sempre bom retornar para casa e encontrar a mulher que esteve comigo em todos os momentos da minha vida, que sempre se importou em me proteger de tudo e de todos. Ângela nunca deixou que outra pessoa falasse que eu errei com ela, mesmo eu tendo errado.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popularAssine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247