Esse Congresso Nacional não caiu do céu
"Um dos maiores fatores dos retrocessos que o Brasil vive vem de um Congresso claramente mais conservador que os anteriores", constata o colunista do 247 Emir Sader; ele lembra que, apesar da vitória da presidente Dilma, reeleita em 2014, "o resultado da eleição para o Congresso foi muito diferente, com uma surra arrasadora da esquerda"; para o sociólogo, "o fim dos financiamentos empresariais de campanha é uma nova oportunidade para renovar e democratizar as representações parlamentares, a começar das eleições municipais deste ano", quando "se pode começar a eleger a jovens e mulheres com boas discussões e campanhas sobre os grandes temas centralizados nas cidades"
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Um dos maiores fatores dos retrocessos que o Brasil vive vem de um Congresso claramente mais conservador que os anteriores. Pode-se sempre culpar o financiamento privado de campanhas e outros fatores que distorcem a vontade popular. Mas esses fatores todos estavam presentes e os Congressos anteriores eram menos conservadores. As representações da esquerda, em particular do PT, até aumentavam a cada eleição.
De repente, foi eleito um Congresso claramente mais conservador, a esquerda diminuiu sua representação – tanto o PT, como mais ainda o PC do B, além da descaracterização do PSB como esquerda -, em quantidade, mas também em qualidade. Vários dos seus melhores parlamentares não se elegeram ou não se reelegeram.
A que se deveu essa mudança, que promove tantos retrocessos no Brasil atual? É certo que a direita, valendo-se do monopólio privado da mídia, da influência dos evangélicos, dos valores de shopping center que correm soltos por aí, conseguiu impor um clima político conservador. Mas apesar de tudo isso, Dilma ganhou, mesmo contra a aliança de Aécio com Marina, mesmo se por uma diferença pequena.
O resultado da eleição para o Congresso foi muito diferente, com uma surra arrasadora da esquerda, simbolizada nas derrotas de Olívio e Suplicy, mas que teve outras derrotas dolorosas, com alguns dos melhores parlamentares da esquerda que não conseguiram se reeleger e alguns não lograram se eleger.
Além das dificuldades diante das operações levadas a cabo pela mídia na opinião pública, a esquerda – seus partidos, os movimentos populares, os governos – não souberam encontrar as formas de desenvolver o trabalho de formação da consciência política da massa da população, especialmente aquela beneficiária das políticas sociais do governo, mais propícia para desenvolver essa consciência. A maior derrota da esquerda nas últimas eleições foi ter perdido vários milhões de pessoas das classes populares para a direita. (Se Aécio teve 51 milhões de votos no segundo turno, desse total pelo menos uns 20 ou 30 milhões provêm das classes populares, especialmente da periferia das grandes metrópoles do centro-sul do país.)
Perder a batalha das ideias é prenúncio de derrota política. A direita conseguiu impor o tema da corrupção e do pessimismo econômico como centrais e, a partir daí, promoveu candidatos, em detrimento da esquerda. Uma campanha nacional defensiva, que apenas buscava evitar os retrocessos, sem dizer o que se faria no quarto mandato do PT, contribuiu também para consolidar o voto dos que já estavam convencidos, sem lemas e discurso para chegar aos novos públicos, tanto os jovens, como os beneficiários das políticas sociais do governo, as mulheres, entre outros. Foi uma campanha despolitizada, que não discutiu o Brasil e o futuro do Brasil. O discurso sobre quanto o país melhorou já não chega aos jovens, que não viveram o Brasil de antes, e cujos enormes contingentes negros são vítimas de uma chacina escondida da opinião pública, mas muito real na vida cotidiana deles.
Tudo isso influenciou no resultado das eleições parlamentares. Mas o certo é que os movimentos sociais e populares não assumiram o projeto de democratização do Estado por dentro. Dado que a estratégia insurrecional seria caminho de massacre e de derrota, resta a estratégia de profunda democratização do Estado por dentro, para o que é fundamental uma representação parlamentar de cunho popular.
Democratizar o Parlamento é eleger bancadas de educadores públicos, de trabalhadores da saúde pública, de metalúrgicos, de bancários, de negros, de mulheres, de jovens, de trabalhadores dos meios públicos de comunicação, de trabalhadores rurais, de indígenas, de comerciários – enfim, de todas as categorias sociais populares, especialmente as que vivem do trabalho. O movimento popular precisa assumir esse objetivo como seu, para que o Congresso tenha a cara da sociedade e não a cara da sua elite, povoado de lobbies do agronegócio, das igrejas evangélicas, dos bancos, das corporações industriais e comerciais, do ensino privado, dos planos privados de saúde, entre outros.
Lula tem razão quando diz que o Congresso tem a cara do povo, no momento em que este vota. Mas de um povo alienado, que não busca eleger nos seus representantes quem os represente, porque não tem ainda a mentalidade de que não basta eleger governantes, se eles são cercados e asfixiados por parlamentos conservadores.
O fim dos financiamentos empresariais de campanha é uma nova oportunidade para renovar e democratizar as representações parlamentares, a começar das eleições municipais deste ano. A política brasileira só vai se renovar e resgatar prestígio se passar a viver um banho de jovens e de mulheres, os dois maiores ausentes ainda da vida brasileira. Neste ano se pode começar a eleger a jovens e mulheres com boas discussões e campanhas sobre os grandes temas centralizados nas cidades, especialmente nas grandes metrópoles, que sintetizam dramaticamente o fracasso do capitalismo no Brasil, da suas visões mercantilizadas, a expensas dos espaços públicos. A recuperação destes espaços é a via fundamental da recuperação da política a nível municipal e isso pode começar a se dar este ano.
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