Escola sem partido. O que é isso afinal?

O que esse tal “Programa Escola sem Partido” pretende é impor sua ideologia promovendo crenças e valores compatíveis com ela, desqualificando idéias que possam desafiar suas certezas e excluindo formas colidentes com o seu pensamento

Alunos da terceira série da Escola Municipal Professora Leonor Mendes de Barros, em Barra do Chapéu, interior de SP, escola pública mais bem avaliada pelo MEC pelo programa de reforço e didática escolar.
Alunos da terceira série da Escola Municipal Professora Leonor Mendes de Barros, em Barra do Chapéu, interior de SP, escola pública mais bem avaliada pelo MEC pelo programa de reforço e didática escolar. (Foto: Pedro Maciel)


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O tal “Programa Escola sem Partido” [1] apresenta-se como iniciativa de estudantes e pais, que estariam preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis. Mas não é isso, é apenas mais um exemplo da inflexão conservadora, mais um movimento que busca afirmar sua própria ideologia e o faz de forma dissimulada.

Tentando apresentar-se ideologicamente asséptico o grupo revela-se ideológico e partidário quando afirma: “A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo.”.

O que o grupo liderado por um senhor chamado Miguel Nagib pretende é implantar uma espécie de macarthismo em nossas escolas, implantando odiosa censura, através de uma vigilância policialesca a conteúdos apresentados pelos nossos professores. O jornalista Luiz Carlos Azenha escreveu um belo artigo[2] sobre essa questão.

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Há até um Projeto de Lei tramitando no congresso o qual, sob o pretexto de defender princípios tais como "neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado", "pluralismo de idéias no ambiente acadêmico", “liberdade de consciência e de crença” coloca, na prática, o professor sob constante vigilância, principalmente para evitar que afronte as convicções morais dos pais.

Mas quais seriam as convicções morais do país sob risco de afronta, segundo os zelosos estudantes e pais?

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A Constituição Federal responde essa questão. No seu artigo 205 a CF traz como objetivo primeiro da educação o pleno desenvolvimento das pessoas e a sua capacitação para o exercício da cidadania para, em seguida, enunciar também que o propósito do processo educacional é a qualificação para o trabalho.

Não há enunciados inúteis em nossa constituição. A ordem posta (1º capacitação para a cidadania e 2º qualificação profissional) não está ao acaso. Nossa constituição busca orientar a atuação estatal dentro de uma visão e ação plural da sociedade nacional.

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Noutras palavras, a escola é espaço livre para a construção da cidadania, espaço onde se colocam livremente as idéias num processo dialético e mágico, um processo formativo da cidadania, uma cidadania fundada no respeito e pluralidade; esse é o país que nossos constituintes indicaram, um caminho que não se pode alterar com leis ordinárias oportunistas.

O Projeto de Lei da “Escola sem Partido”, assim como o tal “Programa Escola sem Partido” mentem descaradamente quando propõe uma “neutralidade ideológica”. A "neutralidade ideológica" é uma impossibilidade, temos que defender a pluralidade das idéias, a rica diversidade como processo necessário de construção cotidiana da cidadania.

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O que esse tal “Programa Escola sem Partido” pretende é impor sua ideologia promovendo crenças e valores compatíveis com ela, desqualificando idéias que possam desafiar suas certezas e excluindo formas colidentes com o seu pensamento. Esse tal “Programa Escola sem Partido” obscurece a realidade social de modo a favorecer sua própria ideologia.

Outro aspecto a ser observado é que não há ideologia neutra. Ao contrário a ideologia é uma forma de "pensamento de identidade", que expulsa para além de suas fronteiras singularidade, diferença e pluralidade, noutras palavras o oposto da ideologia não é a “verdade” ou a “teoria”, mas a heterogeneidade.

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Por isso o Projeto de Lei sob comentário é retrato do inconformismo dos derrotados em 1988, e o discurso que procura qualificá-lo flerta com o mau-caratismo tão próprio daqueles que combatem a vitória das diversas lutas emancipatórias contempladas em nossa constituição.

Nesses tempos sombrios uma de nossas tarefas é a defesa de uma sociedade aberta a múltiplas e diferentes visões de mundo; manter a escola como espaço estratégico para a emancipação política, convivência com a diversidade, entendimento global e a cosntrução de uma cultura de paz e respeito.

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Ademais, como muito bem alertou o MPF a iniciativa legislativa nasce eivada de inconstitucionalidades, pois o projeto de lei que quer implementar o tal Escola Sem Partido é inconstitucional, pois impede o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem e contraria o princípio da laicidade do Estado. 

Pedro Benedito Maciel Neto, 52, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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[1] http://www.escolasempartido.org/quem-somos

[2] http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-professora-e-o-macartismo-201celes-acusam-eles-julgam-eles-punem201d-9045.html

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