Equador e Argentina ajudam a refletir sobre a estratégia contra Bolsonaro

"A preparação das condições para impor derrotas, através da ação direta, a Bolsonaro é prioritária, mas não depende somente de vontade das organizações mais representativas e suas lideranças de marcar uma data", escreve o colunista Valério Arcary. "Não há possibilidade alguma de derrotar Bolsonaro sem ganhar a maioria da classe trabalhadora para a oposição", afirma

(Foto: Reuters)


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A primeira vitória da mobilização indígena e popular contra o governo de Lenin Moreno, com a revogação do aumento dos combustíveis, pode ser útil para o debate de qual deve ser a estratégia da esquerda brasileira diante de Bolsonaro. No próximo fim de semana acontecerão as eleições presidenciais na Argentina, e Macri será, provavelmente, derrotado. Os ativistas de todos os movimentos, partidos e correntes devem estudar e refletir sobre as lições destas duas experiências. 

Analisar significa procurar quais são as dinâmicas em cada pais. Compreendendo as peculiaridades de conjunturas muito distintas, que decorrem de contextos de relações de força entre as classes, sociais e políticas, muito diferentes nos três países. O Equador atravessa uma situação revolucionária em que se abriu a possibilidade da derrubada do governo. O Brasil vive uma situação reacionária, portanto, esta possibilidade de colapso do governo pela mobilização de massas, ainda não está colocada. A Argentina conhece uma situação intermediária: o governo deve ser derrotado, mas pela via eleitoral, com o retorno do peronismo ao governo. Depois de quatro anos de longo desgaste do ajuste neoliberal e intensa resistência social, a esquerda socialista aspira, somente, manter posições.  

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Receio que existirão aqueles que não perderão a oportunidade para defender uma interpretação unilateral da palavra de ordem “só a luta muda a vida”, um critério em si correto, para opor o Equador à Argentina, ou seja, opor a tática da greve geral à tática de participação nas eleições, desconsiderando que ocorreram greves gerais contra Macri. A experiência histórica ensina que a luta direta deve ser prioritária, mas não exclusiva. 

Receio, também, que voltaremos à discussão sobre a emergência ou centralidade do Fora Bolsonaro, ou abaixo o governo e greve geral, como eixos prioritários e centrais do que deve a tática da esquerda no Brasil. Fora Bolsonaro é uma palavra de ordem de agitação legítima, mas não, por enquanto, para a ação. Não pode, tampouco, ser comparada com o lugar que o Abaixo a ditadura ocupou durante vinte anos de resistência. A política é uma arte, mas deve estar apoiada em análises que precisam ser boa ciência. Nossa repulsa, horror, e ódio contra o governo não devem ser o barômetro do cálculo estratégico. Ele precisa estar orientado pela campanha que, em cada momento, tenha capacidade de colocar em marcha os setores mais amplos dos trabalhadores e da juventude.   

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Receio, por fim, que desconhecerão que a situação nos três países é incomparável. Lenin Moreno, Macri e Bolsonaro estão a frente de governos burgueses, mas há muitas diferenças entre eles. Desconhecer estas diferenças é uma superficialidade, uma insensatez, um frenesi.

Lembremos que o Equador é um país ainda, essencialmente, agrário, com uma economia dolarizada dependente, ao extremo, das oscilações dos preços do petróleo no mercado mundial. Lenin Moreno se elegeu como o sucessor de Rafael Correa, não contra. Depois de eleito aderiu ao programa de ajuste fiscal neoliberal, e coesionou atrás de seu governo a burguesia equatoriana, mas traiu abertamente a base social camponesa sem a qual não poderia ter vencido. O choque brutal de um aumento de mais de 120% dos combustíveis detonou uma explosão de fúria popular incontível. 

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A Argentina foi o primeiro país da América Latina a realizar a industrialização e a urbanização. A burguesia argentina é um inimigo de classe muito mais poderoso que a equatoriana. Macri foi eleito derrotando Cristina Kirchner, com um deslocamento em massa da classe média. Mas a vitória de Macri foi eleitoral. As energias dos trabalhadores, mesmo se debilitadas, permaneceram, no fundamental, intactas.

Já no Brasil, um país imensamente mais complicado, Bolsonaro, um candidato neofascista, se elegeu depois do golpe institucional que levou alguns milhões da classe media às ruas, derrubou o governo Dilma Rousseff, e abriu o caminho para a prisão de Lula. Não sofremos, somente, uma derrota tática e eleitoral. 

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O debate de estratégia é, portanto, muito mais complexo que a alternativa simples e binária: convocar agora uma greve geral, ou esperar as eleições em 2022. Nestes termos, nem uma nem a outra, as duas estão erradas. A primeira superestima nossa capacidade de mobilização, a segunda subestima. Por quê? 

Primeiro, porque não temos força. A idealização de que a classe trabalhadora está firme e forte, e disposta a correr os riscos, e não se faz uma greve geral porque as direções das organizações dos trabalhadores capitulam a Bolsonaro, em particular a CUT e o PT, não é séria. Depois da aprovação da reforma da previdência no Congresso Nacional, se encerrou a conjuntura aberta em 15 de maio. A greve Nacional de 14 de junho não chegou a ser um dia de greve geral. A CUT e o PT não têm mais a força que tiveram no passado.

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Em segundo lugar, a greve geral não é uma estratégia, é uma forma de luta, e deve estar ao serviço de uma estratégia, e não o contrário. A estratégia socialista é a luta por um governo de esquerda, dos trabalhadores e oprimidos, que desafie a ordem capitalista. A greve geral é uma tática na luta pela revolução. A revolução é um processo. Lutamos para derrubar o governo de plantão, sem hesitações, quando as condições objetivas e subjetivas estão reunidas. 

Mas uma estratégia socialista não se detém em defender o “Abaixo o governo”. Ela tem no seu centro o problema de quem deve governar. O fascínio pela insurreição como um ato emancipador, em si, é uma paixão anarquista: a ilusão de que a derrubada do governo é o ápice da luta popular. Não é, como ilustra a própria história do Equador e da Argentina, entre 2000/2002, quando governos foram derrubados, em efeito dominó, mas a classe dominante preservou o controle político. Insurreições são um momento de um processo revolucionário. Um momento extraordinário, emocionante, heroico, mas uma tática ao serviço da luta pela conquista do poder.

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Em terceiro lugar, porque as eleições são, também, um terreno de luta política para os socialistas. São os anarquistas que recusam, por princípio, a participação eleitoral, não os marxistas. Não devemos ser indiferentes à possibilidade de impor derrotas eleitorais a governos como o de Lenin Moreno, Macri e Bolsonaro.

O dilema de estratégia não pode ser reduzido, portanto, a uma oposição entre a greve geral e a participação em eleições. A preparação das condições para impor derrotas, através da ação direta, a Bolsonaro é prioritária, mas não depende somente de vontade das organizações mais representativas e suas lideranças de marcar uma data. 

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A questão central é qual a resposta que a esquerda oferece ao problema do poder. Qual é o caminho para derrotar os governos Lenin Moreno, Macri e Bolsonaro e, indivisível, quem deve governar?

Não há possibilidade alguma de derrotar Bolsonaro sem ganhar a maioria da classe trabalhadora para a oposição. Nesse processo a alternativa a Bolsonaro deve ser um governo de esquerda, não de centro esquerda. Por quê? Porque o deslocamento do PT de principal partido de oposição a Bolsonaro só será progressivo se a mobilização operária e popular se deslocar à esquerda do que foi a linha da direção do PT, não para os partidos à sua direita.

Um programa de transição anticapitalista deve ser nossa referência, superando os limites do melhorismo. Construir escada para Ciro Gomes, ou Luciano Huck ou qualquer outro subir não faz sentido.

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