Entre quatro paredes

Entre quatro paredes, Sherazade e o rei Schariar, em quarentena, por 1001 noites. Entre quatro paredes, Ali Babá e os quarenta ladrões em quarentena perpétua

(Foto: Luanna Falcão)


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Altas e altivas como sentinelas

Coercitivamente coerentes, coesas e compactas

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Como vértebras de concreto

Como punhos de barro esturricado 

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A reter o caos de areia da vida

E a encapsulá-lo com a paralisia do decreto

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Como a verdade cinza da borboleta coagulada em âmbar: 

assim são as paredes que me resguardam do frio

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sem me acalentar.

Testemunhas oculares sem rosto

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Pedras sem boca que engolem a própria Medusa.

 

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A hierarquia é a razão de ser da parede.

A rebelião de um único tijolo a deixa banguela

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E chega até mesmo a descalçar seus pés de barro.

 

A parede de vidro é

Translúcida como não podemos ser

Lúcida como tememos ser

Frágil como nós somos.

 

Cansado e suado, eu me escoro na parede de costas frias.

Excitado, eu a escoro na parede;

Suado, eu me escoro na parede quente de suas costas.

 

Parede de alvenaria: nudez.

Toda nudez será castigada: parede de alvenaria da favela.

 

Parede lisa e limpa: mentiras.

Parede turva: tentativa de ser sincero.

 

Uma lacuna na parede: chance!

Infiltração na parede: será que ela tá desconfiada?

Fissuras pela parede: eu me lembro.

Rachaduras pela parede: já não consigo esquecer...

 

Mofo e nódoas pela parede: tempo.

Parede de areia: ampulheta. 

 

Parede imemorial: tradição.

Parece pichada: contradição.

Parede tombada: tradição (tese), contradição (antítese) 

e (contrar)revolução [síntese(s)].

 

O acaso (cego ou caolho?) encontra

Entre os escombros da parede

Dois estilhaços que selam a (re)união do tijolo: 

eu e ela de mãos dadas.

 

O ocaso (antes ele fosse cego...) não deixa de encontrar

Entre os escombros da parede

Dois estilhaços irreconciliáveis do tijolo: ela se despede de mim. 

 

Parede indestrutível: simulacro de vida. 

Encafifado (e emparedado), meu filho me pergunta:

“Quer dizer, então, papai, que as paredes antiterromotos do Japão, que sacolejam como varas de bambu, são mais reais que a parede paradona da nossa casa?”.

Parede crivada de balas: batalha.

Parede rebocada: perdão. 

 

“Dos escombros a uma nova parede!” – prega o profeta.

Da parede a novos escombros: pregam o profeta.

 

Dos escombros a uma nova parede: paz, isto é, trégua – arremata a história. 

Dos escombros a uma nova parede: esperança – arrevive a poesia.

 

Entre quatro paredes,

Sherazade e o rei Schariar, em quarentena, por 1001 noites.

Entre quatro paredes,

Ali Babá e os quarenta ladrões em quarentena perpétua.

 

Entre quatro paredes: ímpeto.

Entre quatro paredes: tédio.

 

Entre quatro paredes: sussurros.

Entre quatro paredes: gritos.

 

Entre quatro paredes: taras.

Entre quatro paredes: traição.

 

Entre quatro paredes: vigor.

Entre quatro paredes: Viagra.

 

Entre quatro paredes: taquicardia.

Entre quatro paredes: braquicardia.

 

Entre quatro paredes: êxtase.

Entre quatro paredes: ultraje.

 

Entre quatro paredes: intimidade.

Entre quatro paredes: intriga. 

 

Entre quatro paredes: confissão.

Entre quatro paredes: delação.

 

Entre quatro paredes: ardor.

Entre quatro paredes: rancor.

 

Entre quatro paredes: afeto.

Entre quatro paredes: desafetos.

 

Entre quatro paredes: companheira.

Entre quatro paredes: comparsa.

 

Entre quatro paredes: companheira.

Entre quatro paredes: cúmplice.

 

Entre quatro paredes: comunhão.

Entre quatro paredes: cisão.

 

Entre quatro paredes: amor.

Entre quatro paredes: masmorra.

 

Entre quatro paredes: crime.

Entre quatro paredes: castigo.

 

Entre quatro paredes: trono.

Entre quatro paredes: exílio.

 

Entre quatro paredes: criação. 

Entre quatro paredes: coação.

 

Entre quatro paredes: berço.

Entre quatro paredes: luto.

 

Dos escombros a uma nova parede: fé.

Da parede aos nossos escombros: vida.

*Ilustração da artista visual Luanna Falcão. Siga o Instagram da Luanna: https://www.instagram.com/luanna.artworks/

 

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