Emprego, Renda e Pobreza num Brasil de extremas desigualdades
"A pobreza explodiu no Brasil, porque a taxa de desemprego quase dobrou após o golpe e porque os salários caíram", escreve José Álvaro de Lima Cardoso
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Por José Álvaro de Lima Cardoso
Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em junho último, há um contingente de 62,9 milhões de pessoas pobres no Brasil, equivalente a 29% da população brasileira, segundo a linha de pobreza, estabelecida em cerca de R$ 497 mensais (41% de um salário-mínimo). Segundo a pesquisa, em 2021 foram 9,6 milhões de pessoas a mais nessa condição, que em 2019. Somente os novos pobres que surgiram durante a pandemia equivale à 90% das populações somadas do Paraguai e Uruguai. Para se ter ideia do que é viver com 16,5 reais por dia, segundo o DIEESE uma cesta básica para um adulto custa em Florianópolis, R$ 746,21, a terceira mais cara do país.
Na pesquisa mencionada, a FGV segmentou o país em 146 estratos espaciais: aquele com maior pobreza em 2021 é o Litoral e a Baixada Maranhense com 72,59% da população, já o menor índice está no município de Florianópolis com 5,7%. É uma relação de 12,7 para um, o que revela o nível de desigualdade regional brasileiro, e mostra ao mesmo tempo a complexidade dos problemas nacionais.
Ainda que seja um fenômeno multicausal, o aumento da pobreza no Brasil está fundamentalmente ligado à deterioração do mercado de trabalho. Foi a piora drástica do mercado de trabalho, especialmente a partir do golpe de 2016, que aumentou a pobreza no país. Em 2014 o Brasil tinha saído do Mapa da Fome organizado pela ONU, que foi a maior conquista do século, um acontecimento de grande importância. Por que esse “milagre” aconteceu? Entre 2003 e 2013 o país gerou mais de 20 milhões de empregos de carteira assinada. Em 2003 o Brasil tinha 29,5 milhões de empregos com carteira, e em 2014, que foi o ápice do número de empregos desse tipo, os empregos com carteira atingiram 49,5 milhões.
O efeito irradiador em termos econômicos, da geração de 20 milhões de empregos formais é muito grande. É uma revolução no mercado de trabalho. Um dos efeitos disso, inclusive, foi o fortalecimento dos sindicatos, no período. De 2015 para cá o emprego começou a recuar de uma forma geral, não apenas o formal. Quando o emprego formal se deteriora, isso acontece com todos os tipos de inserções no mercado de trabalho. Se o trabalhador de classe média perde o emprego, ou deixa de ter reajuste salarial, ele deixa de contratar uma pessoa para cortar a grama de sua casa, eventualmente demite a empregada doméstica e assim por diante. É um efeito de empobrecimento em cascata da classe trabalhadora, o que concretamente ocorreu nos últimos anos no Brasil. Esse fenômeno, aliás, é latino-americano, nesse sentido o Brasil não é um ponto fora da curva.
Cerca de 15% da população brasileira, equivalente a 33 milhões de pessoas, estão passando fome, mesmo. Esse indicador é especialmente grave, no caso do Brasil, porque a insegurança alimentar nada tem a ver com questões demográficas ou climáticas: o Brasil é o terceiro produtor de alimentos e o maior produtor de proteína animal do mundo. O aumento da pobreza e da fome está diretamente relacionado com a piora do emprego e da renda. E isso por uma questão muito simples: quase todo mundo depende do trabalho para viver. Direta ou indiretamente. Quem é aposentado, depende do seu trabalho pretérito durante 35 ou 40 anos. Quem é inativo, depende do rendimento do trabalho de seus parentes. E os capitalistas também dependem do trabalho, no caso, do trabalho dos outros. Não existe lucro sem trabalho humano. Por isso uma sociedade que só utilize robôs é impraticável no sistema capitalista.
A pobreza explodiu no Brasil, porque a taxa de desemprego quase dobrou após o golpe e porque os salários caíram em termos reais. Esses sãos fatos decisivos. Que inclusive desmentem as teorias de que as pessoas são pobres porque não se esforçam.
Os golpistas de 2016 são os responsáveis pelo pior desempenho do PIB que se tem registro nas contas nacionais. Isso tem feito o país perder continuamente posições no ranking das maiores economias do mundo. De 2019 até 2021, o país caiu quatro posições, da 9ª para a 13ª, maior economia. O Brasil, que entre 2010 e 2014 ostentava a condição de 7ª economia do mundo, em 2020 saiu da lista das dez maiores pela primeira vez desde 2007. Tem um lado bom nisso. Se os golpistas tivessem conseguido fazer o país crescer, talvez tivéssemos que suportar um governo opressor dos trabalhadores por mais 10 ou 15 anos.
O quadro geral no país revela uma queda da média salarial, com concomitante redução da taxa de desemprego. Esta taxa ficou em 9,1% no trimestre móvel encerrado em julho último, segundo a PNAD-IBGE. E a média salarial está cerca de 5% abaixo do mesmo período do ano passado. O fato de Santa Catarina, em função de algumas especificidades, ter uma situação melhor do que a do país, que é muito desigual, não deve embotar a nossa reflexão sobre a realidade. Por exemplo, o estado, apesar de ter a menor taxa de desocupação do Brasil, e de ter gerado, no ano passado, 167.854 novos empregos formais, apresentou média salarial de R$ 1.792,00, abaixo da média nacional, de R$ 1.921,00. Ou seja, a taxa de desocupação é a mais baixa do país, mas isso não significa salários mais elevados: a média salarial na economia formal em Santa Catarina é 7% inferior à média nacional. Percebemos isso em todos os setores da economia: na indústria os salários médios são 13% abaixo da média nacional.
No que se refere à taxa de desocupação, temos que levar em conta, que apesar do baixo número dos que se declaram desocupados, como o cálculo não considera quem não procura emprego, este percentual subestima a demanda por trabalho. Entre as pessoas fora do grupo de Ocupados, também estão aqueles atingidas pelo desalento, ou seja, o indivíduo não procura mais emprego por desânimo, embora esteja precisando e aceitasse uma vaga se alguém oferecesse. E, mesmo entre os Ocupados, há aqueles que desejam trabalhar mais e não conseguem, são os Subocupados.
Em Santa Catarina a taxa composta de subutilização da força de trabalho alcançou 8,6% no último dado divulgado, relativo ao segundo trimestre deste ano. A taxa composta em Santa Catarina é a menor do país, mas não caracteriza uma situação de pleno emprego. Além disso, entre os Ocupados, mais de um milhão de pessoas estão na informalidade, o que representa quase 30% daqueles que estão Ocupados em Santa Catarina.
Se o emprego formal no Brasil já é de baixa qualidade, imaginem o trabalho informal. Trabalhador informal não contribui para a previdência, o que projeta uma população ainda maior de idosos desempregados para um futuro muito próximo. A maioria dos informais são vulneráveis aos riscos sociais, como vimos ocorrer durante a pandemia. Cerca de metade da força de trabalho está na informalidade, com o mínimo de benefícios.
Segundo o IBGE, a taxa composta de subutilização da força de trabalho no país, ficou em 24,3% no ano passado. Isto significa que em média 31,3 milhões de pessoas foram subutilizadas em 2021. O que revela a crueldade de um capitalismo subdesenvolvido como o do Brasil. Além do sofrimento humano que significa o desemprego e a pobreza, se desperdiça um potencial de trabalho que equivale à 70% da população da Argentina.
Mesmo em Santa Catarina, que apresenta a menor taxa de subutilização da força de trabalho do Brasil (8,6%), o indicador é muito grave, pelo sofrimento humano e pelo desperdício de recursos que representa. Para uma força de trabalho ocupada, de 3,5 milhões de trabalhadores, há cerca de 400 mil subutilizados (ou seja, desempregados + desalentados + subocupados).Mas tem um outro fator fundamental o qual não devemos desconsiderar: o exército industrial de reserva exerce uma função primordial de manter os salários baixos. Em 2014, ano em que a taxa de desemprego teve o seu menor percentual na série histórica do IBGE: 4,8%, Santa Catarina tinha uma taxa que era uns 2,9%. Era pleno emprego, ou seja, todos que quisessem trabalhar pelos salários médios vigentes, encontravam vaga no mercado. O que acontecia? Os empregadores reclamavam nas mesas de negociação coletiva, porque o baixo desemprego provocava pedido de demissões, absenteísmo, o trabalhador ficava mais “corajoso”. Ou seja, o desemprego, a informalidade etc. não significam apenas bagunça ou falta de organização no mercado de trabalho, mas têm uma função de disciplinar os trabalhadores e dificultar aumentos salariais.
Estamos vendo o último fenômeno agora: o emprego está voltando em parte, porque a taxa de crescimento deu uma subidinha e a pandemia foi basicamente controlada, mas os salários ficaram ainda mais baixos. O pior é que a perda de rendimentos que está ocorrendo no país e no estado, acontece em um período em que a inflação anual tem ficado na casa dos dois dígitos. Com o agravante que tem sido alavancada pelos alimentos, para os quais são destinados boa parte do rendimento da maioria esmagadora da população.
Ao problema da inflação elevada, agravado pelo ritmo ainda maior dos preços dos alimentos, se soma o fato de que uma parte expressiva das negociações coletivas não vêm conseguindo repor a inflação do período negociado. Análise recente do DIEESE, de 245 acordos e convenções coletivas registrados no Mediador, do Ministério do Trabalho e Previdência, até 10 de agosto, revela que 47,3% dos reajustes salariais de julho ficaram abaixo do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo IBGE).
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