Em Juiz de Fora, discurso de ódio de Bolsonaro deu frutos

"O ocorrido em Juiz de Fora mostra bem o que o discurso de ódio que Bolsonaro prega nestes seus pouco mais de dois anos de governo tem disseminado país a dentro", analisa o jornalista Marcelo Auler sobre as ameaças à prefeita Margarida Salomão

(Foto: Divulgação)


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Por Marcelo Auler, em seu Blog 

Mesmo que se considere verdadeira a mudança de posicionamento de Jair Bolsonaro frente às vacinas e às máscaras necessárias ao combate à pandemia – algo que poucos acreditam verdadeiro e quase todos creditam ao efeito da fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o discurso de ódio e de intolerância que o presidente e sua trupe plantaram no país já fincou raízes e vem dando frutos. Podres, é verdade. Mas a reprodução acontece.

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Basta verificar-se o que acontece em Juiz de Fora, cidade mineira na Zona da Mata, com uma população em torno de 570 mil habitantes. Nela já faleceram pela Covid-19, até a noite de quarta-feira (10/03), 869 pessoas, entre os 21.502 oficialmente contaminados. Mas o número de juiz-foranos com suspeita da doença ultrapassa os 10% da população. Eram, até a mesma quarta-feira, 63.514. Quantidade que tem aumentado exponencialmente, provocando a ocupação de quase 94% dos leitos de UTI na rede do SUS.

A crescente disseminação da doença pelo município – na quarta-feira, 436 pessoas estavam internadas em enfermarias e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais públicos e privados e ocorreram nove novas mortes – levou a prefeita Margarida Salomão (PT), domingo passado (07/03), suspende o funcionamento de todas atividades no município (“lockdown”), por uma semana.

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Foi o suficiente para fazer brotar os “frutos podres” do discurso de ódio bolsonarista na cidade. Tal como já revelou Denise Assis, no Brasil247,  em Empresários de Juiz de Fora informam que vão romper isolamento e exigem troca por “tratamento precoce”. No próprio domingo, Margarida e o seu vice-prefeito, Kennedy Ribeiro (PV), começaram a ser ameaçados. Inclusive com ameaça de morte, como registrada em Boletim de Ocorrência na delegacia de polícia local, na noite de segunda-feira. Ameaça que falava em utilização de arma de fogo, explicou o secretário Municipal de Segurança Urbana e Cidadania, Fernando Tadeu David, através da página oficial da Prefeitura nas redes sociais.

Queixa-crime é da Pedagogia da Paz”

“Tomamos conhecimento de uma denúncia de ameaças recebidas nas mídias sociais por uma determinada pessoa, encaminhamos a Inteligência da Guarda Municipal e certificamos da existência dessa denúncia, inclusive envolvendo a utilização de armas e isso a gente não permite de forma alguma”, disse.

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Como a própria Margarida explicou em vídeo, o registro da ameaça na polícia fez-se necessário para combater o fascismo que confunde oposição política com ameaças físicas. No cargo, ela se diz obrigada a praticar a “Pedagogia da Paz”. Esta, por sua vez, prega a intolerância contra a retórica do ódio:

A queixa-crime é pedagógica. Faz parte da Pedagogia da Paz (…) Independentemente de a ameaça ter ou não fundamento, é fato que não se pode aceitar que alguém faça uma disputa de posição política ameaçando a eliminação do outro“, explicou a prefeita no vídeo (ouça abaixo).

 

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Violência se materializou

Se a ameaça à prefeita se concretizaria ou não, já não importa. O fato real é que um grupo de comerciantes, com características típicas de bolsonaristas – não apenas pelas roupas, como camisetas amarelas e bandeiras do Brasil, mas também no discurso – que na quarta-feira protestava perante a sede da Prefeitura, acabou ameaçando fisicamente a vereadora petista Laiz Perrut (PT).

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Foi quando ela saía de uma reunião na sede da prefeitura. Chamada a conversar, a vereadora ainda pensou em falar com os manifestantes. Tanto que antes de entrar no carro parou por alguns instantes, como evidencia o vídeo registrado pela câmera da prefeitura.


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Mas assustou-se quando viu a verdadeira “turba” aproximando-se. Alguém ainda gritou, “agora não dá mais para cercar, não”. Não faltaram camisetas amarelas e bandeiras do Brasil às costas. Os manifestantes, aos gritos, cercaram o veículo, para barrar a sua saída. Acusando-a, não se sabe bem de que. Pedindo que devolvessem “o meu dinheiro”. “Você não é do povo? Fala com o povo. Dá uma declaração”. Amedrontada, entrou no carro e tentou sair.

Ela, atendendo a uma orientação do único guarda municipal ali presente, continuou o percurso livrando-se daqueles que tentavam impedir o carro de sair. Mesmo com alguns poucos se posicionando à frente do veículo. Depois, um deles foi apresentar queixa na polícia: tentativa de assassinato. (assista as ameaças no vídeo abaixo).

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Milícia, risco cada dia mais palpável

A queixa do atropelamento foi feita por Flávio de Souza Mattos. Dono de uma loja de material de informática, Mattos é filiado ao Partido Novo, do governador Romeu Zema Neto, que se elegeu na onda bolsonarista e jamais se posicionou de forma clara contra os despautérios de Bolsonaro no combate à pandemia.

Mattos foi candidato a vereador em Juiz de Fora nas últimas eleições. Obteve 212 votos. Laiz conquistou dez vezes mais eleitores, um total de 2.997 votos. Conquistou a terceira cadeira do PT na Câmara que tem 19 vereadores. Margarida, por sua vez, chegou à prefeitura com 144.529 votos (54,98%) no segundo turno.

O ocorrido em Juiz de Fora, cidade considerada desenvolvida, que possui uma importante Universidade Federal, mostra bem o que o discurso de ódio que Bolsonaro prega nestes seus pouco mais de dois anos de governo tem disseminado país a dentro. Ele está plantando a violência contra os que pensam diferente. “Empoderando” como os empresários juiz-foranos que, como mostrou Denise Assis em sua reportagem, acham que estão acima da lei e da ordem, na defesa do seu direito de trabalhar, esquecendo o direito à vida da população da cidade.

Na Zona da Mata mineira, esse discurso de ódio está encontrando resposta à altura, como da prefeita Margarida. Não se dobrou e vai levar adiante a queixa-crime da ameaça sofrida. O grande problema, porém, é no interiorzão do país, onde milícias idênticas se criam e talvez nem sempre encontrem barreias e adversários à altura. Um risco real e, cada dia mais, palpável, com o qual conviveremos se o discurso de ódio e da intolerância não for barrado.

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