Eleições indiretas e golpes de Estado

Em síntese, no Brasil, a democracia representativa sempre representou os interesses da elite, jamais se preocupou-se em ser expressão legítima da vontade soberana do povo e do voto livre e as instituições e os poderes idem

São Paulo - Presidente Michel Temer participa da abertura da 18ª Conferência Anual Santander (Beto Barata/PR)
São Paulo - Presidente Michel Temer participa da abertura da 18ª Conferência Anual Santander (Beto Barata/PR) (Foto: Pedro Benedito Maciel Neto)


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Em 1984 eu cursava Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da PUC Campinas e, a partir do famoso ‘Pátio dos Leões’, participamos de movimento da DIRETAS-JÁ.

Diretas-Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983/1984.

A ideia de criar um movimento a favor de eleições diretas foi lançada em 1983, pelo então Senador alagoano Teotônio Vilela e a possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República se concretizaria se aprovada proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo então deputado Dante de Oliveira ao Congresso Nacional.

A primeira manifestação pública a favor de eleições diretas ocorreu no município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana de Recife, simbolicamente em 31 de março de 1983, foi organizada por membros do PMDB, ocorreram também manifestações em Goiânia e Curitiba. A repressão estava presente e o presidente-general João Batista de Oliveira Figueiredo qualificou as manifestações como atos subversivos.

O movimento ganhou força e reuniu condições para se mobilizar abertamente, apesar da repressão, e em São Paulo ganhou força com um evento realizado no Vale do Anhangabaú em 25 de janeiro mais de 1,5 milhão de pessoas se reuniram para declarar apoio ao Movimento das Diretas Já.

O ato é liderado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, além de artistas e intelectuais engajados pela causa.

Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira.

É importante registrar que o movimento não teve apoio de toda a mídia corporativa, mas tinha apoio genuíno da população, estímulo das organizações sociais, além do concurso de governadores, prefeitos e parlamentares em mãos de oposicionistas.

O povo foi às ruas, mas – como escreveu Roberto Amaral - não fez história, a história oficial ficou por conta de um Congresso sem legitimidade que, “violando a representação”, rejeitou a emenda, “naquele que talvez tenha sido o único momento de consenso político nacional na história da nossa sempre anêmica república”.

Derrotada a Emenda Constitucional pelo dócil congresso, o caminho era disputar as eleições indiretas, e construiu-se consenso em torno do nome de Tancredo Neves. Foi necessária uma aliança com dissidentes da ARENA.

Merece registro é o apreço que a elite nacional tem pelos Golpes de Estado e pelas eleições indiretas.

Em 1889 república foi proclamada provisoriamente sem apoio da população e através de um golpe militar.

Seguiram-se a esse primeiro golpe os golpes de 1891(foram dois no mesmo ano),1930, 1937, 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964.

Tendo a incluir o impeachment de Collor em 1992 como um golpe da elite, que perdeu a confiança no seu representante.

Não podemos esquecer o golpe de 1998 que, através de uma casuísta Emenda Constitucional, possibilitou a reeleição de FHC.

Por fim o golpe de 2016 que afastou Dilma Rousseff.

Meu pai qualifica ainda como golpes: (i) a derrota da Emenda Dante de Oliveira, (ii) a posse de Sarney e também (iii) os “cinco anos para Sarney”, todos esses golpes tiveram apoio entusiasmado da mídia corporativa.

Além dos golpes há as eleições indiretas.

Depois de assumir provisoriamente a presidência da República, Marechal Deodoro da Fonseca foi eleito presidente por meio de eleição indireta pela Assembleia Constituinte, em fevereiro de 1891.

Getúlio Vargas também chegou ao poder indiretamente em seu segundo mandato, após o governo provisório promovido pelo golpe de 1930.
Durante a Ditadura Militar, as eleições indiretas tornaram-se comuns: foram cinco presidentes, entre 1964 e 1985, que se elegeram seguidamente de forma indireta.

Foram eleitos pelo Congresso Humberto de Alencar Castello Branco, Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Já Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo se elegeram indiretamente por meio do Colégio Eleitoral, assim como Tancredo Neves, que não chegou a assumir em razão de sua morte.

Mas não é só.

Desde 1889, quando foi instaurada a República, até 2015 onze presidentes não completaram o mandato por motivos diversos e depois da retomada das eleições diretas em 1989 foram eleitos quatro presidentes e dois foram afastados através de impeachments.

Em síntese, no Brasil, a democracia representativa sempre representou os interesses da elite, jamais se preocupou-se em ser expressão legítima da vontade soberana do povo e do voto livre e as instituições e os poderes idem.

O professor Roberto Amaral sintetiza dizendo “A raiz mais remota desse fracasso rotundo [da nossa república] pode estar nos contornos próprios de nossa formação de país, nação e povo – desgraçadamente nessa ordem –, construindo uma sociedade autoritária e, daí um Estado autoritário, regido por um direito autoritário. O direito da Casagrande que sempre tratou o país, o seu coletivo, o seu ‘povo’, como senzala, com ofício próprio e definido: o trabalho, escravo de preferência. A senzala não podia ter voz, nem a casa grande precisava ouvi-la...”.

São as reflexões de hoje.

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