Eleição na Argentina, rebeliões no continente e o mal-estar com o capitalismo

"Há quem entenda que os protestos tenham sido desencadeados por questões específicas. No Peru, seria a corrupção; no Equador, o aumento em mais que o dobro do preço dos combustíveis; e, no Chile, o aumento da tarifa de metrô", aponta o colunista Jeferson Miola. "Estas causas específicas são, na realidade, os fatores disparadores das rebeliões; a fagulha que acende o fogo", acrescenta



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A eleição presidencial na Argentina do próximo domingo, 27 de outubro, se desenrola em meio ao clima de convulsões populares que chacoalham a América do Sul.

O Peru, o Equador e, nesses dias recentes, também o Chile, foram abalados por vulcões sociais impressionantes.

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Há quem entenda que os protestos tenham sido desencadeados por questões específicas. No Peru, seria a corrupção; no Equador, o aumento em mais que o dobro do preço dos combustíveis; e, no Chile, o aumento da tarifa de metrô para o equivalente a 4,70 reais.

Estas causas específicas são, na realidade, os fatores disparadores das rebeliões; a fagulha que acende o fogo.

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Mais além dos efeitos diretos sobre os orçamentos familiares dos trabalhadores que no capitalismo levam vidas cada vez mais “invivíveis” devido a fatores como desemprego, desigualdades, empobrecimento, transporte sofrível e caro, falta de escola, de saúde, perda de direito a lazer, descanso e cultura etc, a carestia desperta o mal-estar generalizado com as políticas neoliberais que há décadas sacrificam a vida do povo trabalhador e da classe média alijada do mundo de riqueza e opulência em que vivem os ricos e os super-ricos.

As rebeliões revelam uma insatisfação estrutural e uma consciência crítica radical em relação à vida sob o capitalismo, um sistema que gera profundas desigualdades, injustiças e vazios existenciais.

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Há, pode-se dizer, um mal-estar generalizado com a civilização capitalista, e esse mal-estar desemboca na reação radicalizada que assistimos hoje.

A revolta popular e a raiva em relação à barbárie é notificada em vídeos e áudios distribuídos por WhatsApp com depoimentos dramáticos e emocionantes, como o libelo de resistência proclamado por uma estudante chilena que, ainda em idade adolescente, revela altíssima consciência da realidade como classe subalternizada e oprimida [assistir aqui].

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O aumento das tarifas e dos preços públicos não afeta em absolutamente nada a nababesca maneira de viver dos ricos e super-ricos, ainda que a primeira-dama chilena tenha reclamado que agora “vamos ter que diminuir nossos privilégios” [sic].

São os trabalhadores – sejam eles empregados, desempregados, subempregados, precarizados, miserabilizados ou os uberizados iludidos como “empreendedores” – os que sofrem duramente com o aumento de tarifas e preços públicos.

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O conflito social e a revolta do povo argentino com as políticas destrutivas impostas por Maurício Macri – agravadas pelas novas imposições do FMI – só não evoluiu para uma convulsão social grave porque a Argentina tinha no horizonte imediato a eleição presidencial para dar fim a este ciclo nefasto.

A eleição argentina, neste sentido, cumpre a função de válvula de escape; funciona como mecanismo de alívio.

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Com as mesmas políticas ultraliberais que o Chile adotou na ditadura do Pinochet e que Bolsonaro está impondo no Brasil sob o regime de exceção, Macri legou ao povo argentino uma crise humanitária equiparável àquela vivida com o fim da convertibilidade do padrão peso-dólar no também governo ultraliberal Carlos Menem, no final dos anos 1990.

Alberto Fernández e Cristina Kirchner, da Frente de Todos, vencerão a eleição com enorme vantagem, na casa dos 20% de folga.

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Eles herdarão, contudo, um país em ruínas, com quase 40% da população na pobreza, uma economia destroçada e em recessão contínua desde 2016, desemprego na casa dos 11,5%, novo endividamento de 75 bilhões de dólares ao Banco Mundial e FMI e um país flanqueado por ataques terroristas do capital financeiro à moeda nacional.

Além disso, do ponto de vista regional, eles encontrarão uma realidade oposta ao período em que o kirchnerismo governou o país de 2003 a 2015. Os organismos, as instituições e os mecanismos de integração regional como MERCOSUL, CELAC, UNASUL, Conselho de Defesa etc foram debilitados, abandonados e extintos.

Em lugar disso, a extrema-direita continental instalou conflitos [quase bélicos] com países vizinhos, criou o obscuro Grupo de Lima teleguiado pela OEA, permitiu a instalação de bases militares norte-americanas na região e submeteu-se ao processo de recolonização imperial.

A derrota acachapante de Maurício Macri, que representa um relevante revés do bloco da extrema-direita, da direita continental e dos EUA, traz alívio e perspectivas de um futuro melhor para o povo argentino.

Mas, por outro lado, a eleição traz desafios extraordinários aos vitoriosos, que se verão obrigados a executar políticas muito mais radicais e muito mais profundas do que aquelas que seu setor político empreendeu exitosamente até 4 anos atrás, porque o conflito distributivo no país adquiriu uma magnitude dramática.

Na Argentina, a rebelião não se transformou em convulsão porque sua energia foi canalizada para a eleição de um governo que, para ser exitoso e não ser ele mesmo engolfado pela rebelião, se verá obrigado a inventar políticas diferenciadas, anticapitalistas, para superar este legítimo sentimento de mal-estar do povo argentino em relação ao neoliberalismo.

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