Eduardo Paes e o memorial turístico da barbárie
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Eduardo Paes, o "voto crítico" da esquerda carioca para derrubar Marcelo Crivella, é, na minha humilde visão, um dos maiores políticos do país. Nem sempre no sentido mais positivo que a função permitiria, apesar de ter méritos administrativos em suas gestões. De fato, administrar a cidade do Rio de Janeiro não é para amadores. Nem para os politicamente inexperientes, nem para aqueles que tenham muito amor no coração. E o atual prefeito da cidade maravilhosa sabe como ninguém, manter-se equilibrado entre essas duas características.
Para acalmar os protestos deste sábado (05/02) e frear uma possível reação incendiária contra os quiosques envolvidos na morte do irmão congolês Moïse Kabagambe, o que poderia significar um prejuízo turístico e a morte econômica daquele trecho de uma das avenidas mais caras da cidade, ele anuncia que eles serão transformados em memorial, tendo a família da vítima como concessionária. Mais um golpe da politicagem branca (com o perdão do pleonasmo) em cima do assassinato monstruoso de mais um preto.
Como eu disse no início do texto, Paes é um político nato. Isso faz com que o “cala a boca” oferecido por sua administração para tentar amenizar o crime cometido, seja visto com bons olhos por muitos. Imaginem um memorial afro urbano construído em desagravo ao assassinato de um homem preto e sobre o “mote” de combate ao racismo, ocupando um espaço na orla da Barra da Tijuca, reduto da elite bolsonarista carioca? Parece inclusivo, não? Mas não é. Primeiro, porque a Barra da Tijuca nunca será inclusiva, em função do comportamento e visão social da maioria dos habitantes daquela região.
Segundo, não será um memorial erguido a partir do sangue de um homem preto e pobre, estereótipo racial e socialmente odiado e desprezado pela elite racista brasileira, que fará justiça a esse crime ou indicará que o racismo está sendo combatido no país. O fato de a administração do local ficar a cargo da família de Moïse e os postos de trabalho gerados no local serem ocupados por refugiados, segundo a prefeitura, é parte mais sórdida do “cala a boca” que estão tentando aplicar nos familiares da vítima. Um velho método capitalista de financiamento do luto, para seguir promovendo mortes sem ser responsabilizado totalmente por elas.
A naturalização da barbárie também passa por aceitar de bom grado essa política de compensação financeira, como se ela fosse capaz de ressarcir vidas destruídas pelo racismo estrutural que serve de alicerce para a sociedade. Pior ainda, é quando existe a intenção de capitalizar politicamente em cima do fato, permitindo que se erga junto ao memorial de um homem preto assassinado, a figura de mais um branco salvador e redentor para a negritude. Uma ova. É preciso, cada vez mais, despertar a consciência social e racial nos pretos e pretas desse país, para que haja mais união em torno do mesmo objetivo. Justiça!
O mesmo sistema que permite que pretos sejam assassinados apenas por serem pretos, não é capaz de sentir a nossa dor e de acolher as nossas demandas, uma vez que elas só existem por causa deste mesmo sistema. Nem Eduardo Paes, nem os moradores da Barra da Tijuca, pensariam na construção de um memorial afro urbano na Av. Lúcio Costa, logradouro onde o presidente da república e sua família têm residência, se não fosse por ocasião desse crime brutal e das complicações políticas e diplomáticas que podem surgir a partir dele. Não apenas para o Rio de Janeiro, mas também para o Brasil. Quantos memoriais, museus, estátuas ou espaços públicos destinados a cultura negra e situados em áreas nobres das grandes cidades, vocês conhecem?
É mais fácil tentar compensar a perda, do que fazer justiça por ela. Afinal, a imagem dos donos dos quiosques e de outros envolvidos no assassinato de Moïse Kabagambe, estão sendo preservados. Por que esse crime só veio a público quase uma semana após o ocorrido? Por que a Polícia ainda não havia se manifestado publicamente a respeito? Por que os assassinos demoraram tanto a ser identificados e presos? Por que os órgãos da vítima, segundo relato de familiares, foram retirados no IML sem a autorização dos mesmos? Quem está ameaçando a família? Como um Cabo da PM pode ter a concessão de dois quiosques em plena Barra da Tijuca? São algumas perguntas, entre outros questionamentos acerca do caso, que a construç ão desse memorial permitirá que fiquem sem respostas.
Justiça por Moïse, por Durval (o irmão preto assassinado por seu vizinho militar branco e bolsonarista, na porta do condomínio em que residia), por todos os pretos e pretas que morreram, por aqueles que estão sobrevivendo e por todos os outros que ainda morrerão nas mãos do racismo estrutural brasileiro. Teremos espaço para tantos memoriais?
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