Eduardo Bolsonaro deveria ficar com seu hambúrguer
"Uma das características principais do governo Bolsonaro é sua incapacidade de identificar e defender os interesses nacionais do Brasil, principalmente em política externa. Isso se agravaria com a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington", diz o colunista Marcelo Zero
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A indicação do filho do presidente da república, Eduardo Bolsonaro, a embaixador em Washington, o posto diplomático no exterior mais importante da nossa diplomacia, constitui-se em escândalo inédito em toda história do Brasil e nos iguala a ditaduras medievais, como a Arábia Saudita, nas quais os cargos públicos são propriedade privada das famílias no poder.
Embora o absurdo de nomear o próprio filho para cargo tão relevante seja óbvio num país que tem corpo diplomático tão profissional e preparado, elencamos aqui algumas razões pelas quais o filho do presidente não pode ser embaixador.
- Porque, ao contrário do que se diz, ele deverá obstaculizar eventuais acordos comerciais com os EUA.
O deputado vem afirmando que sua indicação facilitaria a assinatura de acordos comerciais com os EUA, face à sua “amizade” com o presidente Trump.
Pois bem, somente essa afirmação o desqualifica para o cargo, pois revela total desconhecimento sobre a Constituição dos EUA e a política norte-americana.
Ao contrário da nossa ordem constitucional, que confere ao presidente da república o poder de celebrar tratados, inclusive os de livre comércio, ad referendo do Congresso Nacional, a Constituição dos EUA estipula, no seu Artigo I, Seção 8, que cabe ao Congresso o poder de “regular o comércio com nações estrangeiras” e de introduzir e coletar taxas, tarifas e impostos.
E por isso, que o presidente norte-americano precisa contar com a Trade Promotion Authority (TPA ou fast track), aprovada pelo Congresso, para tomar qualquer iniciativa, no que tange ao comércio exterior. Sem essa delegação expressa de autoridade do Congresso para o presidente, nada acontece.
E a TPA não é um cheque em branco. O Congresso estipula minuciosamente quais são os objetivos a serem atingidos e os limites e condições das negociações. Ademais, o Congresso, ao longo de todo o processo de negociação, retém a autoridade de revisar o negociado e de decidir se o acordo será ou não implementado.
Dessa maneira, o embaixador que quiser pavimentar acordos de livre comércio tem de ser mais “amigo” do Congresso dos EUA e não do presidente.
Ora, a Câmara dos Representantes dos EUA tem hoje sólida maioria do Partido Democrata, a qual não vê com bons olhos um governo brasileiro ideologicamente tão vinculado a Trump e um provável embaixador que vestiu o boné da reeleição do presidente republicano, em sua última visita a Washington. Nesse sentido, Eduardo Bolsonaro em Washington tenderia a atrapalhar, não a ajudar.
Ademais, a última Trade Promotion Authority, válida até 1º de julho de 2021, prevê que um dos objetivos das negociações é contribuir para o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental. O governo Bolsonaro, por óbvio, não está qualificado para cumprir tal objetivo.
Não bastasse, o Brasil, que tem uma união aduaneira com o Mercosul, não pode entabular negociações com os EUA, de forma isolada. Teria de contar também com a aquiescência de Argentina, Paraguai e Uruguai. Mais outro ponto que demonstra o total desconhecimento de Eduardo Bolsonaro sobre política externa.
Mas, mesmo que o filho de Bolsonaro conseguisse começar a entabular negociações comerciais, dificilmente elas chegariam a bom termo para o Brasil, já que Trump, extremamente protecionista, só aceitaria um acordo que impusesse a abertura praticamente incondicional da economia brasileira e do Mercosul, sem conceder nada significativo em troca.
Seria um acordo America First, Brazil Last.
- Porque Eduardo Bolsonaro deverá prejudicar as relações bilaterais Brasil/EUA.
A aliança subserviente do governo do capitão não é propriamente com os EUA, mas sim com o denominado “trumpismo”, uma facção política radical que não têm unanimidade sequer no Partido Republicano.
Eduardo Bolsonaro é, como se sabe, um soldado do exército de extrema direita de Steve Bannon, figura sinistra que pretende articular toda a extrema direita mundial em uma cruzada contra o “marxismo cultural”, a qual envolve a manipulação da opinião pública por fake news e redes sociais, como ocorreu nas últimas eleições presidenciais dos EUA e do Brasil.
O filho do capitão anunciou, inclusive, que sediará a próxima Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), em São Paulo. O evento é organizado pela União Política Conservadora dos EUA, a principal organização de direita norte-americana, e costuma ter Donald Trump como principal orador de abertura.
Acontece que a política norte-americana não se restringe ao trumpismo. No próximo ano, ocorrerão eleições presidenciais nos EUA. É possível e até provável, pelo andar da carruagem, que seja eleito um presidente do Partido Democrata.
Nesse caso, o novo presidente dos EUA lidará com um presidente brasileiro que diz amar Trump, com um chanceler que o considera uma espécie de novo Messias do Ocidente e com um embaixador que idolatra a ele e seu grupo político.
É evidente que isso afetará negativamente as relações bilaterais Brasil/EUA.
Um embaixador de carreira, com sólida formação, saberia distinguir os interesses do Estado brasileiro e do Estado norte-americano de suas idiossincrasias políticas e pessoais. Eduardo Bolsonaro não sabe. E não quer.
- Porque ele não representaria o Brasil, mas sim sua família e seu grupo político.
Uma das características principais do governo Bolsonaro é sua incapacidade de identificar e defender os interesses nacionais do Brasil, principalmente em política externa. Os exemplos recentes são amplos e óbvios.
Isso se agravaria com a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington.
O cargo de embaixador, além de experiência e grande conhecimento, demanda outra coisa ainda mais importante: compromisso republicano. Com efeito, a política externa de um país é, por definição, uma política de Estado; não de um governo específico. Portanto, o ocupante do cargo de embaixador em Washington representa os interesses maiores do Brasil; não as idiossincrasias políticas e ideológicas de um governo específico e, muito menos, os desejos do papai.
Por isso mesmo, os chefes de missão diplomática, ao serem responsáveis por operar uma política de Estado, são submetidos a sabatinas no Senado Federal. Observe-se que, durante o governo Lula, adotou-se a prática de só se nomear embaixadores de carreira para a chefia de missões diplomáticas, prática que vinha sendo respeitada até agora. Além disso, as poucas exceções anteriores de nomeações políticas para esses cargos não alcançaram postos de grande relevo e, muito menos, parentes de presidentes.
Ora, o filho do capitão, além de ir fritar hambúrguer em Washington e falar seu inglês de high school (at best), defenderia essencialmente os interesses de seu grupo político e os de sua família, não os do Brasil.
O filho do presidente, caso seja nomeado e aprovado, poderia aparelhar a embaixada do Brasil em Washington e a transformaria em um bunker dos interesses do bolsonarismo e do trumpismo.
Seguramente, ele colocaria as relações bilaterais Brasil/EUA a serviço de seu grupo político de extrema direita e até dos interesses de sua parentada. Um desastre para o Brasil.
- Porque ele não tem qualificação técnica.
A Lei 11.440, de 29 de dezembro de 2006, que regula o serviço exterior do Brasil, determina que os embaixadores sejam escolhidos entre os ministros de primeira classe (o mais alto cargo da estrutura organizacional do Itamaraty) ou entre ministros de segunda classe, o segundo mais alto.
Porém, o parágrafo único do artigo 41 dessa lei autoriza em caráter excepcional que sejam escolhidos para os postos de chefes de missão diplomática permanente quem não faça parte da carreira diplomática, desde que sejam brasileiros natos, maiores de 35 anos, e "de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao país".
Ao que se saiba, saber fritar hambúrguer, ter morado nos EUA e arranhar um pouco de inglês não qualifica ninguém para ser embaixador naquele país. Também não é qualificação suficiente para o posto ser deputado e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, cargo que Eduardo Bolsonaro exerce há poucos meses.
Já a tão elogiada amizade com Trump e Bannon, o qualificaria, talvez, para ser embaixador dos EUA no Brasil; não embaixador do Brasil nos EUA.
Seria muito triste ver um cargo que foi ocupado, entre outros, por embaixadores do calibre de Rubens Ricupero, Antonio Patriota, Sérgio Amaral, Paulo de Tarso etc., ser destinado a quem tem méritos questionáveis e serviços inexistentes.
- Porque é nepotismo.
A súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal determina claramente que "a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição".
Embora o STF tenha feito exceção a cargos políticos, o posto de embaixador é considerado cargo em comissão abrangido pela vedação da Súmula Vinculante nº 13.
Quem o diz é o parecer oficial sobre o caso da Consultoria do Senado Federal, Casa que o sabatinaria.
Ademais, se parece com nepotismo e tem cheiro e sabor nepotismo é porque é nepotismo mesmo.
- Porque a população é contra.
Eduardo Bolsonaro tem Trump e Bannon a seu favor, mas tem a população brasileira contra sua nomeação.
Com efeito, 62% dos brasileiros são contra e apenas 29% são a favor da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
Os dados são de uma pesquisa da XP/Ipespe com uma amostra de 1.000 entrevistas por telefone realizadas nos dias 5, 6 e 7 de agosto.
É por isso que já ensaia a realização da sabatina de Eduardo Bolsonaro em sessão secreta, o que, embora seja permitido pelo artigo 52, inciso IV, da CF, contraria toda a praxe da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado, na qual as arguições dos embaixadores contam, inclusive, com perguntas do público que as assiste pela televisão ou pela internet.
O presidente Bolsonaro, no entanto, não se comove com tudo isso. Quer dar, como afirma, “filé mignon” para o filho.
O problema é que esse “filé mignon” não é dele; é do Brasil.
E só poderia ser ofertado a alguém qualificado e experiente que vá, de fato, defender os interesses maiores do Brasil no exterior.
Eduardo Bolsonaro deveria ficar com seu hambúrguer.
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