Economia, sustentabilidade energética e geopolítica

O governo Lula é capaz de iniciar um processo de geração e implantação de soluções efetivas para nossos atuais problemas econômicos, energéticos e ambientais

Turbinas de energia eólica
Turbinas de energia eólica (Foto: REUTERS/Pascal Rossignol)


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Vamos começar este artigo com uma historinha metafórica. Suponha que você tenha um ovo de galinha, adquirido ao acaso. Você tem duas opções racionais: i) comer o ovo (insumo energético essencial para manutenção de sua vitalidade); ou ii) criar condições para que o ovo se transforme em uma galinha poedeira. Se você tem bom senso, pensará nas consequências de sua decisão, ou seja: se escolher a primeira, terá se alimentado bem naquele momento, e só; se escolher a segunda, poderá se alimentar muitas vezes e até ganhar dinheiro vendendo os ovos excedentes para teu vizinho, desde que gaste dinheiro e tempo para alimentar a galinha. Suponha que teu vizinho te faça uma proposta: compraria a galinha por um bom preço e te venderia seus ovos ou, pelo menos, pagaria uma parte dos insumos alimentícios da galinha, desde que ficasse com os ovos excedentes. Qual a melhor decisão a tomar, sabendo-se que os seres orgânicos complexos não sobrevivem sem insumos energéticos (ou sobrevivem com muita fragilidade com poucos)?  

Agora, vamos substituir o ovo por um produto essencial - tal como um combustível fóssil, renovável ou plataformas de telecomunicações - e o dono da galinha por uma empresa estatal inestimável enquanto indutora de desenvolvimento nacional – casos da Petrobras, Eletrobras ou Telebras. Nos dois primeiros casos, como o Brasil tem a melhor e mais limpa matriz energética do planeta, em termos de potencial de exploração e uso, por que entregar suas amplas e crescentes reservas aos países ricos, ávidos por equilíbrio de oferta/demanda de insumos energéticos?  

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Não é difícil entender que um país só pode atingir um expressivo grau de desenvolvimento – tanto no sentido material como humanístico - se investe fortemente nos setores estratégicos da Educação&Cultura, Saúde, Geração e Uso de Energia Elétrica, e Ciência&Tecnologia, este último perpassando e alavancando aqueles.

Quem estudou teoria econômica sabe que os fundamentos utilizados nas áreas que tratam dos monopólios e oligopólios, diferentemente da concorrência perfeita (alta densidade de agentes competitivos em um dado território), levam a soluções socialmente deletérias no que concerne à formação de preços e consequentes margens de lucro dos produtos (bens e serviços) essenciais ofertados. Não obstante, os oráculos neoliberais da mídia corporativa ou digital omitem este fato ou enfatizam o contrário.  

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Nas últimas décadas, as cadeias produtivas de grande amplitude econômica e tecnológica - como as das energias - necessitam de eficientes e eficazes operadores logísticos, cujo papel é assumido pelas empresas âncoras e que controlam os fornecedores, a montante, e os atacadistas/varejistas, a jusante. Também, estas empresas buscam dominar o processo de distribuição de seus produtos, sob pena de ficarem sujeitas às margens de lucro influenciadas ou, mesmo, determinadas pelos agentes de distribuição. Isto acontece, principalmente, quando há frouxa regulação ou fraca fiscalização. Assim sendo, é desejável que setores estratégicos de produção de bens ou serviços essenciais – principalmente nos casos dos combustíveis e da energia elétrica –, sejam comandados por empresas estatais fortes que respondam, pelo menos, por 70% da produção e distribuição do produto, o que parece suficiente para evitar distorções na formação de preços normalmente ocorrendo em monopólios e oligopólios privados, sempre em detrimento do consumidor e do desenvolvimento econômico do país.  

O potencial da matriz energética brasileira sugere investimentos em ilhas energéticas, fundadas na abordagem territorial comparativa: bioenergia na Amazônia, solar no Norte/Nordeste, eólica e das marés no Sul/Sudeste costeiro, e hídrica no Centro-Oeste. Ainda nesta abordagem, grandes e médias cidades, bem como aquelas situadas em recantos do Brasil profundo, podem adotar tecnologias baseadas no uso de resíduos, que pode gerar empregos, renda e produção de energia, como já sói acontecer em vários países desenvolvidos. Ademais, as ilhas energéticas podem trazer benefícios ao país, tais como: i) não obstante a questão climática, não só o Brasil mas muitos outros países necessitarão, por muito tempo ainda, de combustíveis fósseis e gás natural para suprir suas necessidades, o que abre uma ampla janela de oportunidade para o país acumular divisas com a exportação destes combustíveis, gerando recursos para subsidiar programas como o “Luz para Todos” nas plagas mais remotas e a preços compatíveis com o poder aquisitivo de seus habitantes, sem falar no apoio ao desenvolvimento de outros setores estratégicos nacionais (razão da criação do Fundo Soberano); ii) minimizam custos de distribuição, que costumam representar um alto percentual na formação do preço do insumo energético ao consumidor – intermediário ou final – dependendo do produto ofertado; iii) promovem o desenvolvimento local (emprego e renda); iv) o excedente de produção pode ser utilizado, via pequenas estruturas de distribuição, para atender sistemas isolados de produção, incapazes de se firmarem como ilhas energéticas; e v) minimizam riscos de apagões em amplas áreas, com suas respectivas perdas econômicas em larga escala.

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A história do processo civilizatório tem sido lastreada por inúmeros conflitos bélicos cujas origens estão na necessidade de alimentos e insumos energéticos necessários ao desenvolvimento científico e tecnológico das sociedades e que lhes possibilitam viver com uma boa qualidade de vida. Vivemos, hoje, alguns desses conflitos que provam a veracidade desta afirmação. Não é de surpreender que constatamos hodiernamente o fato de que a indústria de energia, nos países desenvolvidos, tem como irmã siamesa a indústria bélica (e seus braços aguerridos nas indústrias química e farmacêutica) bem como se esteia nos sistemas de informação corporativa.  

Se procede a informação de que os gastos anuais da indústria bélica mundial – a maioria  estabelecida nos países desenvolvidos ocidentais – remontam, neste ano, a mais de 2,0 trilhões de dólares (40% destes só no EUA), não surpreende que o belicismo do império ocidental decadente seja uma necessidade de geração de mercado para prover sustentabilidade dos empregos nativos e que conformam uma alta proporção do total de empregos naqueles países.

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Muitos analistas e pesquisadores da Geopolítica recente (a exemplo de nosso saudoso e nobre diplomata Luiz Alberto Moniz Bandeira) nos tem alertado sobre as (não tão sutis) estratégias malthusianas dos países imperialistas ocidentais que visam impedir o desenvolvimento dos demais países com vistas a açambarcar suas riquezas naturais e manter sua hegemonia bélica e econômica no sentido de: i) garantir empregos e uma boa qualidade de vida para, pelo menos,  parcela expressiva de suas populações (quando ainda há nelas laivos de políticas sociais-democráticas); e ii) aguçar o ímpeto de poder dos seus super-ricos, que rejeitam até os fundamentos empáticos da social-democracia e surfam na virtualidade rentista da acumulação material especulativa, em detrimento da qualidade de vida ou, mesmo, da sobrevivência física da vasta maioria dos habitantes do planeta.  

Finalmente, considero que a equipe de alto nível ainda em montagem no atual governo Lula é capaz de iniciar um processo de geração e implantação de soluções efetivas para nossos atuais problemas econômicos, energéticos e ambientais, garantindo nossa soberania e desenvolvimento sustentável. A impedância maior a este processo está na correlação de forças no Congresso e na mídia porta-voz do grande capital estrangeiro e nacional associado. Tendo isto em vista, teremos de lutar muito para recomprar (se for o caso) ou evitar vender e tratar bem nossas galinhas poedeiras.  

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