Os números da economia brasileira, divulgados essa semana, são de horror: relatório do BC aponta para paralisia: projeção de crescimento, sujeita a chuvas e trovoadas, em 2% e inflação 3,4%; desde 2016, o PIB está em torno de 1%, embora inflação esteja cadente; o desemprego pula de 12,5 milhões para 13,4 milhões; já são 13 milhões de desempregados, 60 milhões de inadimplentes, mais de 30 milhões de desocupados, ou seja, 100 milhões de não-consumidores; o BC continua com a estratégia economicida de manter a taxa de juros selic em 6,5%, bem acima do crescimento da economia, para tentar alcançar a quimera na qual ninguém acredita: equilíbrio dívida pública/PIB, para só, então, reduzir os juros; assim, dizem os neoliberais, haverá superávit primário(receita menos despesas, exclusive pagamento de juros) e tudo poderá melhorar; conto da carochinha.
O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, especulador do mercado financeiro, quer resolver o problema, fazendo economia de R$ 1 trilhão; propõe cortar gastos sociais, congelados, por vinte anos, desde o golpe neoliberal de 2016; elegeu como causa principal do déficit os gastos com a Previdência; constrói-se discurso inverossímil de que realizados tais cortes, eliminada a Previdência, financiada pelo tripé solidário social democrata, governo, capital e trabalho, e substituída pelo regime de capitalização, em que o trabalhador faz sua própria poupança para aposentar, sem governo nem empresários para ajudar, tudo vai melhorar; o Congresso, claro, não engole esse receituário ultraneoliberal; está, portanto, instalada a crise, que se aprofunda e joga o governo Bolsonaro, apoiado pelos militares, em completa impopularidade; tudo isso em meio à crise internacional, detonada por guerra comercial global, que se aprofunda; nesse ambiente, os economistas se digladiam.
Bancarrota capitalista
Sempre que o capitalismo enfrenta dificuldades conjunturais e estruturais, combinadas, os economistas entram em polvorosa, para explicar o que está acontecendo; o emprego deles depende: 1 – universidades e 2 – mercado; como ambos, mercado e universidades estão, praticamente, dominados pelo capitalismo financeiro hegemônico, eles giram em torno dos interesses dessa hegemonia; as contradições se ampliam, quando mais cresce a sobreacumulação de capital nas mãos dos bancos, de um lado, e a pobreza da população, de outro, para financiar a riqueza sobreacumulada, cujos efeitos para o bem estar social é zero à esquerda.
André Lara Resende, um dos pais do Plano Real de FHC, formado na mais famosa universidade americana, Harvard, resolveu colocar dedo na ferida; defende tese de que juro alto brasileiro mantém a economia paralisada; sintoniza-se com pregação dos bancos centrais dos países capitalistas desenvolvidos de que fracassou receituário econômico clássico, cuja eficácia, para explicar e conduzir a realidade, deixou de ser útil; ele agrava o desemprego e joga a política para temperaturas altas; estimula alternativas ao capitalismo e volta a acender a chama do socialismo, aprofundando social democracia.
Teoria furada
Essencialmente, os bancos centrais colocaram abaixo a tese clássica segundo a qual a inflação decorre de excesso de demanda/consumo da população; para combater essa tendência, a saída era aumentar taxa de juro; com isso, equilibra-se, teoricamente, crescimento da dívida do governo e o crescimento do PIB; a crise de 2008 mudou tudo, porque a sua gênese decorreu de especulação exacerbada; a concentração de renda implícita ao desenvolvimento capitalista elevou taxa de pobreza e a riqueza sobreacumulada; sem poder se reproduzir, no consumo e na produção de bens e serviços, o capital sobreacumulado descolou para a bolsa, onde amplia a acumulação na especulação financeira; o resultado foi implosão financeira internacional, com quebra de bancos etc; o banco central dos Estados Unidos, economia mais poderosa, evitou bancarrota total fugindo da teoria segundo a qual a inflação cresce quanto mais dinheiro na praça existe; se tivesse que segui-la, a saída seria recolher o excesso de dinheiro em circulação; não foi isso que aconteceu; ao contrário, expandiu-se a oferta monetária e a inflação, em vez de subir, caiu; o juro, da mesma forma, despencou, ficou na casa dos zero ou negativo; o custo da dívida diminuiu e a economia respirou, fugindo do perigo de hiperinflação.
Ressalte-se que, antes do BC americano fazer isso, os japoneses já vinham agindo nesse sentido; o déficit público no Japão está na casa dos 200% do PIB; nem por isso, a economia japonesa implodiu; continua estável, com a dívida se ampliando, sem virar problema, porque é financiada por juro negativo, desvalorizando-a estruturalmente no compasso do tempo; o BC de Tio Sam copiou os japoneses, especialmente, depois do crash de 2008; assim, as receitas de que, diante da crise, a saída é aumentar juro, caiu por terra, em todos os lugares; no Brasil, Lula, na ocasião, fez o que os japoneses fizeram: ampliou o crédito à produção e ao consumo e fugiu da crise; agora, com o capitalismo batendo biela, os bancos centrais estão todos na onda japonesa; ou seja: fixam a taxa de juro abaixo do crescimento do PIB, e tocam a economia nesse linha; é a chamada nova macroeconomia; o BC tupiniquim, porém, continua remando contra maré, impondo recessão e desemprego.
Bafafá tupiniquim
André Lara Resende levantou o assunto, no Valor Econômico, e criou bafafá entre seus colegas, todos sobreviventes em empregos remunerados pelos banqueiros, como Edmar Bacha e Pedro Malan, ex-presidentes do BNDES e ex do BC, na Era FHC; foram eles que, com o Plano Real, em 1974, deram jeito na hiperinflação do governo Sarney, herdeiro da crise financeira dos anos 80; os Estados Unidos, para cobrar dívidas dos países subdesenvolvidos, propensos ao calote, aumentaram, absurdamente, juros e impuseram restrições ao crescimento; exigiram desestatização, desmobilização de ativos nacionais, moeda, artificialmente sobrevalorizada, desindustrialização, arrocho salarial etc e tal; a dívida pública, nesse cenário, tornou-se incontrolável e sob peso dos juros virou maior fonte do déficit público; de lá para cá, a política monetária tem sido a que, agora, Lara Resende desanca, ou seja, com o BC fixando taxa de juro bem acima do crescimento do PIB; na prática, juro especulativo impacta dívida e inviabiliza crescimento sustentável da economia.
Mesmo durante os governos do PT(2003-2014), de viés popular, o BC, sempre comandado pelos banqueiros, continuou a mesma política, embora Lula tenha enfrentado a crise elevando a oferta de crédito; com os juros nas alturas, a estabilidade econômica pagou o pato; em 2016, o mercado financeiro, diante das contradições entre a política restritiva, que impunha ao governo, e a tentativa deste de manter política social para atender demanda democrática da população, manobrou para derrotar governo democrático petista; instalou-se, com as forças políticas conservadoras, políticas neoliberais draconianas, como congelar gastos sociais por vinte anos, em nome do ajuste fiscal; ficou de fora do ajuste, a maior fonte de pressão sobre ele, ou seja, as despesas financeiras do governo, cujas consequências acumuladas vem desde o início da política do Banco Central, no tempo de FHC.
Pais da crise em crise
Os pais do Real, que hoje estão digladiando nas páginas do Valor Econômico(Lara Resende, Bacha, Malan etc), são, também, os pais da crise financeira atual; brigam, encarniçadamente, porque a solução que fixaram entrou em estresse total; está na contramão do mundo; a sua manutenção, pelas forças conservadoras do mercado, impede a reação da economia, desde o golpe de 2016; o PIB estacionou e o desemprego empinou em meio à inflação cadente; e, agora, que fazer: continuar subindo os juros acima do crescimento da economia, como critica André Lara Resende, ou mudar para resolver?: o presidente do BC diz que, por enquanto, trata-se de discussão acadêmica; mas, seus efeitos são reais, destrutivos, levando o país à morte econômica.
É falácia completa a proposta neoliberal de que a crise fiscal decorre dos gastos da Previdência Social; evidencia-se isso quando se compara o desajuste produzido pela política monetária errada praticada há 45 anos, desde o Plano Real; juros sobre juros, anatocismo, condenado pelo STF, são as causas centrais do desajuste fiscal que desorganiza a economia e a relação entre União e unidades federativas.
Os números do orçamento geral da União, de R$ 2,3 trilhões, para 2019, desmentem a tese de Guedes; gasta-se R$ 400 bilhões anos em juros , sem nenhuma contrapartida desenvolvimentista; já a Previdência, acusada de todos os males, pelos neoliberais, não chega aos R$ 200 bilhões, embora seu retorno, no contexto da seguridade, seja superavitária, como demonstrou CPI no Senado, com elevado retorno social; Guedes foge da polêmica sobre quem realmente causa o déficit; como homem dos banqueiros, quer tomar a Previdência do povo para quitar a dívida pública; tenta, para tanto, substitui-la pelo regime de capitalização; essa experiência não deu certo em lugar do mundo; no Chile, os aposentados, quebrados, suicidam-se em pencas, desesperados; o modelo de Guedes é a canibalização total; os militares, com Bolsonaro perdido em políticas identitárias, não sabem o que fazer.
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