“É uma ditadura, sim”

A nós da esquerda democrática cabe denunciar as violações aos direitos humanos cometidas por ditaduras ou por países falsamente democráticos

Nocolás Maduro
Nocolás Maduro (Foto: Foto oficial/Presidência da República venezuelana)


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“A Venezuela é uma ditadura, sim” – Pepe Mujica sobre a Venezuela

Desde 2014 a Venezuela vivencia uma crise marcada por dois processos simultâneos e que se retroalimentam: (a) a profunda deterioração econômica e (b) a intensa polarização política, contudo, não é adequado simplificar as causas, nem mitigar ou amplificar o que vive, desnecessariamente, o povo venezuelano; os que se alimentam de informações de WhatsApp podem dizer que a crise é resultado do fracasso do projeto político chavista, mas as pessoas serias não podem. 

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Um pouco de História - Parte das causas da crise venezuelana está relacionada às decisões dos governos de Hugo Chávez (1999-2013) e Nicolás Maduro (a partir de 2013), não é possível negar, contudo, parte importante das causas passa pela compreensão dos processos históricos que legaram condições estruturais difíceis de superar, as quais se consolidaram no período do Pacto de Punto Fijo (1958-98) - um acordo político firmado em 1958, que assegurou estabilidade política do país após a derrocada do governo ditatorial do general Marcos Perez Jimenez. 

Não pode ser desconsiderado que a consolidação do petróleo como força-motriz da economia venezuelana no século XX, gerou uma burguesia rentista e preguiçosa, ligada ao poder político, servil aos interesses das companhias estrangeiras e sem compromisso com o desenvolvimento social e econômico do país, mantendo a Venezuela dependente da importação de quase tudo. 

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Também não se pode perder de vista (a) a relação promiscua entre os interesses das Big Oil e os poderes econômico e político na Venezuela ditatorial pré-chavista em todo século XX; (b) a falta de investimento dos governos na indústria e na agricultura, tanto no século XX, quanto no atual; (c) a aliança entre as Big Oil e os governos venezuelanos no século XX, cujas ditaduras garantiram a alegria da elite Venezuelana, das Big Oil, do capital internacional e a tristeza do povo; e (c) o período chavista, seus acertos e erros e (d) o embargo econômico que o país sofre desde 2014. 

O período chavista – Em 1998, após sair da prisão (foi preso por tentar dar um golpe de Estado), Chaves foi eleito presidente, atacando os políticos - como faziam os próceres da Lava-Jato e Bolsonaro - e prometendo restaurar a democracia venezuelana, ampliar a justiça social por meio do principal produto do país: o petróleo. 

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Durante os catorze anos no poder, Hugo Chávez promoveu de fato uma ampla distribuição de renda no país; aumentou o PIB; diminuiu sensivelmente o número de pobres; reduziu a mortalidade infantil etc., contudo, ele é o responsável pelo início da corrosão da democracia, pois aparelhou a suprema corte do país (aumentou o número de juízes de 20 para 32; os 12 novos juízes eram adeptos do chavismo), promoveu a perseguição de opositores e, por meio de pequenas reformas, buscou perpetuar-se no poder. 

Dessas contradições nasceu um conflito ético entre os defensores do chavismo – que sustentam o apoio por conta da distribuição de renda e o combate à pobreza -, e aqueles que se opõe a todo governo autocrático. Com a democracia relativizada, surgiu no país de Bolivar uma extrema-direita radicalizada, que tentou retirar Chávez do poder à força em 2002 e que chegou ao ridículo de ter um vassalo do império se autoproclamando presidente. 

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A desvalorização do petróleo - A verdadeira causa da crise na Venezuela não está propriamente no chavismo, mas ligada com a desvalorização do preço do petróleo no mercado internacional, o que aconteceu a partir de 2014, quando o preço do barril do petróleo caiu de US$ 111,87 para US$ 48,07 em janeiro de 2015.

A queda do preço do barril do petróleo impactou o PIB do país - que caiu quase 4% no ano de 2014 - e comprometeu o abastecimento do mercado venezuelano, pois, o governo sem dinheiro, parou de comprar itens básicos do cotidiano da população. 

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Sobre o embargo - Nesse contexto surge o embargo econômico dos EUA - sob o argumento da defesa dos Direitos Humanos – mas que na realidade busca atender interesses das Big Oil, que viram na queda do barril uma oportunidade de retomar o controle da segunda maior reserva de petróleo do mundo (não podemos ignorar que as Big Oil, ao lado da indústria de armas, comandam os governos estadunidenses).

Em oito anos de vigência do embargo a Venezuela foi alvo de 150 sanções e 11 tentativas de golpe., o que é gerador de instabilidade política permanente; em razão do embargos a Venezuela está impedida de realizar transações internacionais em dólar, o que aumentou os gastos cambiais do Estado em US$ 20 bilhões; há as chamadas “retenções bancárias”, que na prática significa que um pagamento emitido por agentes venezuelanos pode demorar até vinte dias para ser efetuado, quando o período normal seriam 48 horas; países que comercializam com a Venezuela passaram a ser multados; a Venezuela registrou uma redução de 99% nos seus ingressos em moedas estrangeiras nos últimos anos, caindo de US$ 56 bilhões para US$ 400 milhões, o que representa perda do poder de compra do país (num país em que 80% do consumo interno é suprido com produtos importados, perder o poder de compra tornou-se automaticamente um problema no abastecimento nacional; somente da Europa, as importações caíram 65% de 2015 para 2019). 

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O embargo nunca foi por razões humanitárias, mas para pressionar o governo de Maduro a entregar o petróleo às Big Oil.

Esses elementos são essenciais para a compreensão do complexo quadro vigente.

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Reflexões que nos servem - O governo chavista, promoveu ganhos sociais, financiados com a venda de petróleo; mas manteve o país extremamente dependente dessa commodity; Chaves cometeu o mesmo erro de todos os presidentes e ditadores venezuelanos do século XX: não investiu na sua própria indústria, agricultura e infraestrutura, ele manteve a Venezuela um país dependente da exportação do petróleo e da importação de quase tudo. 

A crise humanitária – Tudo que escrevi acima explica, mas não justifica a situação da Venezuela, que vive uma tragédia humanitária. 

Também não justifica, nem autoriza o governo autoritário e autocrático de Maduro, aparentemente cada vez mais descontrolado; reprimir as manifestações com violência ou limitar as liberdades públicas e avançar sobre os outros poderes, nem desacreditar a institucionalidade.

Por lá aconteceu uma eleição sem participação da oposição para uma Assembleia Constituinte, considerada ilegal pelo parlamento e pela própria procuradora-geral da República - nomeada por Hugo Chavez -, que Maduro ameaçou cassar.

Como resposta a uma eleição ilegítima, cerca de 90% da população decidiu não votar; então Maduro resolveu mandar os deputados da oposição para a cadeia.

Esse movimento de Maduro lembra o “Golpe de Três de Novembro” do presidente Marechal Deodoro da Fonseca, que dissolveu o congresso em 3 de novembro de 1891 e instaurou um estado de sítio (tudo muito legal, afinal ele “assinou e publicou decretos”); suspendeu a constituição e direitos individuais e políticos, mandou o exército cercar o Senado e garantiu ampla e “espontânea” adesão ao golpe... Os “subversivos” foram presos como de praxe.

Se o povo sofre o regime está podre, se não há democracia não me serve. Com todo respeito a quem pensa diferente, mas o regime de Maduro é tão socialista, quanto os EUA são um país democrático, pois, onde não há democracia e liberdade não há socialismo e um país que faz uso arbitrário de seu poder econômico e militar para favorecer interesses privados, em detrimento da vida dos povos, não é democrático. 

O governo venezuelano é indefensável, podemos compreender as causas, podemos e devemos denunciar os objetivos reais do embargo estadunidense, devemos ser solidários com o povo venezuelano, mas nós da esquerda não podemos ser cúmplices de ditadores, não podemos ficar calados diante da censura à imprensa, a perseguição contra os opositores, à tortura e assassinato de presos políticos. 

São os bolsonaristas e a extrema-direita que aplaudem ditadores, apoiam tortura e desejam “metralhar a petralhada”, nós de esquerda não aceitamos isso. 

A nós, socialistas e social-democratas,  não servem personagens tóxicos da extrema-direita como Bolsonaro, Erdogan, Trump, Viktor Orbán, nem ditaduras como da Venezuela, regimes sanguinários como a Arabia Saudita, a Nicaragua, os Emirados Árabes, o Catar, a Coreia do Norte, dentre outros, pois, independentemente de como ela se reconheça e se apresente, pois não há simpatia ideológica que justifique fecharmos os olhos à realidade; quem fecha os olhos é a direita que, sempre tão ciosa por poder e dinheiro, é capaz de dar golpes, dando a eles contornos de legalidade, como o que aconteceu no Brasil em 2016.

Não sei qual a posição do PSB hoje, mas em 2019 os socialistas brasileiros aprovaram resolução repudiando as violações de direitos humanos perpetradas pelo governo de Nicolás Maduro na Venezuela. 

Na resolução, os socialistas manifestam “seu repúdio às violações de direitos humanos praticadas pelo governo venezuelano, descritas no relatório da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, típicas de regimes autoritários, como bem observado pelo ex-presidente do Uruguai, José Mujica” e pediram que o regime venezuelano “acate, o quanto antes, as recomendações que constam do relatório...”; na mesma resolução os socialistas repudiaram qualquer tentativa de resolver a crise venezuelana por intervenção externa, e manifestaram seu apoio às tentativas do governo da Noruega de obter uma solução negociada.

A nós da esquerda democrática cabe denunciar as violações aos direitos humanos cometidas por ditaduras ou por países falsamente democráticos, pois, não há justificativa para que a esquerda democrática se cale diante dessa desumanidade. 

 Essas são as reflexões.

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