E se Ricardo Salles virasse professor do curso de gestão ambiental da USP?

A boiada de Janaína Paschoal é outra. Mas esse é o centro da controvérsia em torno de seu retorno à USP

Janaina Paschoal
Janaina Paschoal (Foto: Alesp)


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Por Moisés Mendes, para o 247

Uma situação esdrúxula, mas não improvável. Vamos imaginar que a USP abra concurso para professor do curso de Gestão Ambiental e que um dos aprovados seja Ricardo de Aquino Salles.

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Salles passa em primeiro lugar e se habilita a lecionar no módulo três, o que trata de Sociedade, multiculturalismo e direitos.

Salles é pós-graduado em Direito e foi ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro. Atua na área ambiental desde 2016.

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É deputado federal eleito no ano passado e figura pública com militância ativa na extrema direita. Pois imaginemos que passou no concurso, desistiu do mandato de deputado e vai dar aulas.

Vai realizar um sonho. Dar aulas sobre direitos na área ambiental na maior universidade brasileira, tratando das mais amplas abordagens sobre multiculturalismo e as relações dos povos da floresta com a sociedade, a ‘civilização’ e os donos das boiadas.

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O núcleo do módulo trata de direitos. E lá está Salles pronto para dar aula sobre o que pode e não pode na área ambiental. Mas os alunos reagem. Não querem saber dos ensinamentos do novo professor.

Não reagem ao fato de que ele enfrenta processos por delitos variados na Justiça, até porque, mesmo enfrentando, foi eleito deputado.

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Os estudantes não querem receber aulas de quem acha que o direito pode estar a serviço de quem passa bois e cachorros em questões ambientais.

A boiada de Janaína Paschoal é outra. Mas esse é o centro da controvérsia em torno de seu retorno à USP, depois do encerramento do mandato de deputada. Alunos do curso de Direito não querem receber aulas de Janaína.

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Porque Janaína tem vínculos provados com a extrema direita que afronta direitos, mesmo que alguns vínculos tenham sido rompidos, porque participou da ladainha do voto impresso e por ter dito, recentemente, que os acampados nos quartéis estavam ali expressando posições políticas.

Os acampados, disse Janaína em entrevista na TV, eram “pessoas que estavam em princípio se manifestando”, mesmo que (ela também disse) fossem vistas como grupos  que desejassem um golpe.

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Nem vamos tratar do parecer jurídico da professora pela cassação do mandato de Dilma Rousseff em 2016. Vamos para questões de fundo, da essência mais elementar do direito e das liberdades.

Janaína Paschoal não é apenas uma professora conservadora com posições retrógradas no Direito da USP. Assim como Ricardo Salles não é apenas um defensor de posições ditas liberais na área ambiental.

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Não há como assistir, com naturalidade, aulas de alguém que viu os acampamentos como um agrupamento de pessoas que “em princípio” estavam apenas se manifestando.

Deve ser difícil assimilar em aulas os ensinamentos de quem, no pior momento da tensão pelo golpe do voto impresso, reafirmou as posições extremistas pelo voto em papel, sabendo que Bolsonaro não queria voto impresso, mas o caos.

De Ricardo Salles, não é preciso falar, porque ele entra aqui apenas como escora para comparações, que podem ser compreendidas até por Bard, o robô do Google, considerado o mais burro de todos os robôs da inteligência artificial.

Mesmo assim, o debate sobre a possível interdição de Janaína é outra história, da qual também o direito terá de dar conta. O que se busca agora, antes de qualquer outro desdobramento, é a compreensão da reação dos alunos.

Grupos expressivos, não se sabe se majoritários, não querem aulas com a professora identificada não com o conservadorismo, mas com a extrema direita.

A USP terá de lidar com essa reação e com a reação do corpo docente em defesa de Janaína, sem que a universidade caia na armadilha das comparações com o período da ditadura.

Não há como comparar a perseguição a professores e estudantes pelos donos do poder nos anos 60 e 70 e que hoje seriam admiradores das ideias de Janaína e Salles.

Que não se cometa a tentativa da falsa equivalência, porque esse é o truque manjado do fascismo desde a ascensão de Bolsonaro.

O importante é prestar atenção na pergunta incômoda: uma professora de direito pode ver como natural e como liberdade de expressão o ajuntamento de pessoas diante de um quartel para defender que os militares assumam o governo?

Janaína defendeu essa posição depois do 8 de janeiro, que ela condenou. É como se as pessoas acampadas não tivessem relação com as ações terroristas.

E Janaína pode expor esse entendimento em sala de aula com a naturalidade de quem fala de habeas corpus em tempos fascistas? Até Bard, o robô burro do Google, teria uma boa resposta.

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