E se a esquerda vencer?

"Se a esquerda vencer teremos uma esquerda que terá que deixar de ser 'de goela' para cutucar os privilégios das grandes elites do Brasil", diz Carlos D'Incao

Lula
Lula (Foto: Ricardo Stuckert)


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Certa vez, há cerca de 5 anos escrevi um artigo com o título “E se a direita vencer?”. Hoje olhando-o em retrospectiva vejo (sem qualquer orgulho) que sua vitória conduziu o Brasil ao quadro que previ. A direita venceu e estamos aqui, vivos para ver qual país e sociedade nos tornamos. 

O tempo passou e hoje podemos fazer a questão reversa: e se a esquerda vencer? E se Lula for eleito e sua aliança conquiste maioria no Congresso e aponte para uma possível vitória eleitoral esmagadora no pleito municipal de 2024? 

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Caminhemos um pouco sobre o pesadelo de pouco mais de 35% do eleitorado e quase a totalidade da elite dessa nação. Vamos ver até onde podemos enxergar sem pesadelos, ilusões e alucinações. Tentemos uma leitura próxima do bom senso e do real. 

Em primeiro lugar, Lula já criou os seus próprios freios para mudanças radicais com as alianças que já estão consolidadas. Ninguém espera uma revolução com Alckmin na vice-presidência e aqui já temos um elemento que qualitativamente podemos conceituar:

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Enquanto a direita no Brasil é de “raiz”, forjada na casa grande, nas grandes capitanias hereditárias, aquela que nunca se envergonhou das dezenas de golpes de Estado, que criou uma sociedade singular, onde há classes, estamentos e castas, a velha direita que formou o maior partido nazista da América e que nunca se arrependeu de nenhuma atrocidade… bom… se é essa a nossa direita, o outro lado não é bem assim…

Na verdade a esquerda no Brasil é bem diferente… 

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Vejamos:

Em primeiro lugar, a esquerda brasileira nunca entendeu muito bem o processo social, político, cultural e econômico que formou essa nação. 

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Até a década de 70 do século XX podemos afirmar que os literatos entendiam melhor o Brasil do que o restante dos militantes de esquerda - simplesmente por se recusarem em emparelhar modelos analíticos marxistas vulgares numa realidade sabidamente singular. 

Foi da sociologia que surgiram as primeiras análises lúcidas, vindas das mãos do grande Florestan Fernandes. Daí abriu-se uma fileira profícua de intelectuais que escreviam e discursavam para uma esquerda pouco disposta a ler e ouvir coisas complicadas. 

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Nascia a esquerda petista onde enfrentava a direita do dia, qual seja, aquela que praticava o poder se equilibrando no final de uma lamentável ditadura fracassada e tentando frear as forças populares para um novo período democrático. 

Assim, se a direita era “a direita do dia”, formava-se a “esquerda do dia”. A diferença é que enquanto a direita vinha de Cabral a esquerda vinha de Tancredo como resultado da derrota das “Diretas Já” e depois de uma Constituição de 1988 que foi criada como um texto impossível de ser praticado, sempre interpretado sob a luz das maiorias políticas que se formavam no Congresso e no STF. 

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Pois é esse o primeiro resultado da vitória de Lula: a vitória da Constituição de 1988. Mas com o desafio de governar com coalizões e jogar dentro das quatro linhas, com um STF forte e coeso e um presidencialismo que se tornou na prática em um semi parlamentarismo. 

Até aí poderíamos pensar que, além de um retorno à normalidade, teríamos uma volta harmoniosa dos poderes econômicos com o PT e o simples retorno das políticas afirmativas que no fim eram apenas “as migalhas das mesas dos banqueiros brasileiros”. 

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Bom… Não é bem assim… 

Os críticos do PT podem até pensar que voltaremos a ter “a esquerda que a direita gosta” ou “a esquerda de goela” como se diz no interior. Aliás revela-se aqui um problema do PT… 

Até hoje parece que Lula e o PT não compreenderam as razões pela qual foram defenestrado do poder e não conseguem ter clareza para entender porque ninguém da elite quer seu retorno. 

Em primeiro lugar as políticas do PT promoveram ganhos reais para os trabalhadores e obrigaram os bancos a realizarem empréstimos compulsórios ou de baixo risco impondo-se ao sistema financeiro o modelo do BNDES.  

Banqueiro não quer colocar as mãos no bolso a não ser que esse dinheiro custe muito caro para quem o toma emprestado. O monopólio do dinheiro é o que o atual governo, depois de longos 13 anos, finalmente lhe devolveu. E isso custou caro: um golpe de Estado, a prisão ilegal de Lula e a quase total independência do Banco Central. 

Voltar no passado é inverter as previsões de ganho e perder investidores. A defesa dos bancos para a vitória do PT é a fuga de capitais… Por isso, nesse momento, são esses que gritam “PT nunca mais” com mais força.

Caso o PT vença, então, terá que preparar um pacote para prevenção ou contenção de fuga de capitais… Será uma guerra… 

A fuga pode ser evitada por vários mecanismos, sendo o mais comum o imposto progressivo sobre a “fuga”. O problema é que não há diferença de “fuga” e “globalização de investimentos” na saída do capital. A fuga só se revela no “não retorno” do dinheiro. Dá certo? 

Pergunte se tem algum investidor internacional que compra ações dos bancos japoneses. O resultado de taxar a fuga de capitais bancários forjou um Japão que cresce a níveis ínfimos desde 1994… Um modelo chinês de interferência cambial sobre a fuga funcionou, mas a China é a China e o atual governo fez do Brasil um país pequeno… 

Enfim, nada será fácil… Porque com fuga de capitais vem a hiperinflação, a recessão, o fim das linhas de crédito, desemprego em massa atingindo 20% a 40% da força de trabalho, desabastecimento e caos social. 

É…! 

É esse o poder dos banqueiros… por isso ninguém no mundo mexe com eles. Quer um mundo sem eles? Hoje não é possível. E nem daqui muitos e muitos anos… 

Porque? Porque a solução seria estatizar o sistema bancário e isso só existe nos poucos países socialistas de verdade que tem o monopólio bancário… mas, todos eles trazem também um “pequeno”detalhe: seus bancos não tem dinheiro…

Lula vai ter que negociar. Preparar a quebra do oligopólio bancário seria sábio. Colocar uns 200 bancos internacionais pra competir com os “4 olhos bancários do Brasil” (Bradesco, Itaú, Santander e CEF) seria um interessante e inusitado choque de capitalismo… Vejamos o que vai acontecer. Com certeza não será com cachaça e carisma que essa questão se resolverá. O caminho, no meu entendimento, está em mergulhar o país no BRICS…

Revogar as leis trabalhistas é outro pesadelo para os grandes empresários que já estão frustrados com o atual governo pelo fato de o mesmo não ter liquidado de vez com esses mesmos direitos através de alianças políticas. 

Uma mini reforma constitucional seria suficiente para o neoliberalismo do século XXI reinar… 

Mas o atual governo ficou mais de dois anos dando soco em ponta de faca na política, nomeando retardados para os principais ministérios e criando quase que diariamente um caso com o STF…  e agora promete que em 2023 vai priorizar alianças e zerar os conflitos com o STF… 

A direita tenta vender a ideia de que bastará apenas Bolsonaro conseguir sua reeleição que se formará uma bancada capaz de entregar a cabeça da CLT numa bandeja de prata aos “véios da Havan” que geram emprego no país. As rixas no STF vão ser todas esquecidas… e o governo será harmonioso e eficiente… 

Muito pouco provável… o ditado: “Médico pensa que é Deus, juiz tem certeza” nunca se mostrou tão verdadeiro… 

E quem quer paz não indica general golpista como vice… abrir espaço para negociação política significa colocar pijama em 9 mil militares que ocupam cargos de todos os tipos, inclusive o INEP, que faz o ENEM… 

Isso significa que, caso o PT vença e não consiga reverter essa reforma feita até então e deixar tudo como está, já vai causar enorme estrago nas expectativas da FIESP e da BOVESPA. O pato amarelo vai ficar roxo… caso consiga reverter a reforma, o pato explode… e o PT sabe negociar com as forças políticas do momento. Nasceu fazendo isso…

A solução “Véio da Havan” seria fechar as fábricas e lojas e deixarem o país? Mais uma vez o PT terá que fazer um plano de manutenção de empregos abrindo as portas para novos capitais produtivos de outros países - como a China - e uma possível estatização de outras empresas secundárias. 

Vejam que a vitória de Lula, em princípio não tem a intenção de ser uma vitória de uma esquerda radical… o problema é que quem está jogando no modo “ultra-radicalismo” desde 2015 é a direita. Dilma não teve um dia de paz e o resto todo mundo já sabe o que aconteceu…

Políticas afirmativas são remédios baratos mas se tornaram muito amargos para uma direita que se alinhou a um neofascismo que une na mesma praça grupos de extermínio, ódio aos pobres e cristofascismo… nas ruas a polícia pode começar a tirar o crachá e radicalizar a opressão contra os marginalizados e o PT talvez tenha que federalizar a segurança pública ou até mesmo decretar o fim da Polícia Militar. 

No meio disso, os meios de comunicação vão atazanar o PT mas o Lula não tem mais medo da Globo et caterva…. E quem ensinou isso para ele foi o próprio Bolsonaro.  Além disso, os jornalistas estão em uma cruzada anti-Bolsonaro e a eles se unem quase todos os artistas com espaço na mídia…

Agora outras questões delicadas: o compromisso do PT de se voltar o Petróleo com dois preços: um nacional e outro internacional, assim como as commodities em geral e, por fim, frear a destruição da floresta amazônica vão, respectivamente:

1 - derrubar o preço da gasolina e os seus derivados, bem como o valor das ações da Petrobrás - obrigando o governo a comprar as ações emitidas; 

2 - o preço dos alimentos vão cair de forma vertiginosa e teremos uma crise política com o agronegócios com soluções caras de subsídios; e 

3 - as queimadas vão parar e o garimpo ilegal vai entrar em crise. Lula já prometeu um novo ministério para os índios. O que teremos na prática é a imposição de um estado policial na linha de frente desse mesmo setor de agronegócios que se expande em primeiro lugar através da delinquência, levando a aberturas de várias CPIs para o contra-peso de negociações.

Ou seja, se a esquerda vencer teremos uma esquerda que terá que deixar de ser “de goela” para cutucar e até açoitar de forma inédita os privilégios das grandes elites do Brasil. 

Não vejo a “turma do Viagra” disposta a um golpe militar, vejo alocação desse pessoal, manutenção provisório de seus privilégios e o surgimento de um novo generalato que criará um universo mais adequado para a edificação de uma força armada mais respeitável e republicana. 

Mas nesse meio termo podemos ter um país cheio de milicianos sem controle… Como resposta o estatuto do desarmamento poderá ser reformado com penas ainda  maiores e maior restrição às armas de fogo do que antes.

Ah… sim. É possível que o clã Bolsonaro, sem foro privilegiado, seja preso. Por isso, se Lula ganha, Bolsonaro vai para a Disney.

Por mais que Lula não queira, sua eleição, necessariamente, abrirá uma espécie de caixa de Pandora… sua vitória farão os ossos de Cabral sacudirem no seu caixão ou, para sermos mais justos, os de Tomé de Souza, que pelo menos sabemos onde se encontram e foi ele que de fato começou a criação desse louco país chamado Brasil…

P.S. Nos debates contra o PT e Lula, que ninguém pense que as agressões partirão de Bolsonaro. O grande ataque contra a esquerda será protagonizado por Ciro Gomes. Um candidato pago or banqueiros e grandes empresários para trazer o anti-petismo até seu último grau. 

No fim do primeiro turno Ciro não vai para País, vai para o esgoto do ostracismo que é o local onde nunca deveria ter saído.

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