É preciso responder à infâmia contra João Cabral de Melo Neto
Olhem o que fala a besta do fascismo no Itamaraty, quando participou de uma formatura do Instituto Rio Branco na quinta-feira, e criticou o escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, escolhido como patrono da turma
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Os intelectuais brasileiros têm uma tarefa inadiável, acima de todas as outras. Acima da família, da prática cotidiana, acima das suas religiões, crenças ou credos. Hoje, esta é a mais urgente das mais urgentes tarefas: destruir o governo Bolsonaro.
Não se trata somente de fazê-lo sair logo do Planalto, uma tarefa da maioria do povo, de todos os cidadãos do Brasil. Não se trata somente de levá-lo aos tribunais brasileiros e internacionais. É além disso. Trata-se de destruir o governo Bolsonaro. É um imperativo, um dever de consciência.
Eis uma das razões. Olhem o que fala a besta do fascismo no Itamaraty, quando participou de uma formatura do Instituto Rio Branco na quinta-feira, e criticou o escritor e diplomata João Cabral de Melo Neto, escolhido como patrono da turma:
“A utopia de João Cabral, esse comunismo brasileiro de que alguns ainda estão falando até hoje, consistia em substituir esse Brasil sofrido, pobre e problemático por um não-Brasil, um Brasil sem patriotismo”
Mas o que era mesmo a utopia de um dos maiores poetas brasieliros? Numa de suas lições isto:
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos”.
Mas o excremento fascista no Itamaraty aproveitou a solenidade e cometeu mais este jato:
“Sim, o Brasil hoje fala de liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária, que sejamos esse severino que sonha e essa severina que reza”.
Essa é uma infâmia primeiro à poesia, segundo a João Cabral de Melo Neto, terceiro à inteligência e honra nacional. O Severino universal do poeta é outro, diferente em tudo das trevas no poder:
“— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
*
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás….
*
— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
*
— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la”
Mas para o fascista no Itamaray o Brasil e Severinos devem ser:
“Na ONU, que teria sido, que foi fundada no princípio da liberdade, mas que a esqueceu. Sim, o Brasil hoje fala de liberdade através do mundo. Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”
Por isso retornamos: é preciso destruir o governo Bolsonaro. Então esclareço o modo como esse alto e necessário imperativo de consciência pode ser realizado: é preciso destruir a ideologia fascista, é preciso destruir a ordem e moral fascista, é preciso lutar sem tréguas ou quartel, em todas as tribunas, em todas as escolas, jornais, televisão, rádio, conversas íntimas, conversas públicas, nas ruas, em casa, no campo e na cidade. O mal que está no Planalto é um câncer que contamina e se propaga em metástase no seio do povo brasileiro. É preciso destruí-lo como a nossa mais nobre e urgente tarefa. As perguntas que caem sobre nós são estas:
- És um escritor?
- És um poeta?
- És um professor?
- És um músico, um cineasta, um jornalista, um pintor, um artista de teatro?
Se respondermos “sim”, devemos então responder à pergunta seguinte:
- És um homem?
- Sim.
Então este é o nosso caminho: destruir o governo Bolsonaro. De todas as formas, conteúdos e maneiras. Ou não poderemos sequer olhar a altura da nossa civilização. Ou não seremos dignos destes versos:
“— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina”.
Que o poeta e sua defesa encarnem uma ação contra a infâmia que chamam de Bolsonaro.
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