É preciso contar como Juiz de Fora se comprimiu numa praça para receber Lula
"A emoção era total e o espaço mal comportava as lágrimas dos que se derreteram ao som do “Lula lá”, enquanto Lula subia para o palco", destaca Denise Assis
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Por Denise Assis, para o 247
Eu sei que as informações hoje navegam com a velocidade da luz. Desde esse acontecido, o mundo já capotou umas 10 vezes, mas é necessário contar. E preciso fazer isto. Eu estava lá e vi.
Por volta das 17h, (desta sexta-feira, 21 de outubro) a Avenida Francisco Bernardino, em Juiz de Fora (Zona da Mata- MG) - o equivalente à Marechal Floriano, no Centro do Rio, em termos digamos da ordem de importância das avenidas -, foi tomada por grupos vermelhos, barulhentos, festivos, no seu ponto inicial, à espera de iniciar a caminhada de cerca de 500 metros, com Lula, até à Praça da Estação, tradicional ponto político na cidade.
Inesperadamente o que veio foi a chuva, forte, sem relâmpagos ou trovões. Apenas a água em abundância. Depressa foi cada um para o seu lado e com o coração apertado pensei: “Putz, São Pedro é Bolsonaro!” Temi a dispersão de forças, tão vitais no Sudeste nessa hora! Logo ali, no quarto colégio eleitoral de Minas, o ato fracassaria... Vi o asfalto sendo lavado e esvaziado de maneira incontestável.
Quando olhei para o lado da marquise onde me alojei, totalmente desequipada, vi que já não havia lugar para mover os meus braços. O povaréu se comprimia, bandeiras molhadas, óculos respingados, toalhas que não enxugavam mais nada, sobre ombros empapados. Ao meu lado, duas meninas, de cerca de seis anos, com vistosos laços vermelhos no cabelo – pareciam gêmeas -, grudadas cada uma a uma flâmula do Lula numa pequena haste, recebiam a ordem da avó: “vambora! Vocês estão ensopadas. Vão adoecer!” A resposta veio quase aos gritos: “não, vó! A gente não tá molhada não! A gente quer ver o Lula!!!” – protestaram, enquanto batiam a água das pestanas, longas. (Eu não tenho dúvida: ninguém as tiraria dali).
Estendi o meu olhar para a pista, onde passavam grupos animados já embrulhados em capas de plástico. Quis saber onde conseguiram, mas logo uma senhora, solícita estava me cobrindo com o seu guarda-chuva. Outros foram se abrindo e formando verdadeiras goteiras, que mais molhavam que protegiam. Veio o (empreendedor) vendedor de capas e comprei uma, embora já estivesse absolutamente encharcada. Eufórico ele dava o troco com agilidade, bendizendo a chegada de Lula e do “extra” que sua vinda o estava propiciando. Mal dava conta de entregar e receber, ele mesmo sem a proteção.
A água entrava pela gola de homens mulheres e crianças. Ninguém foi embora, como se a dizer que o que os move é a esperança. Acreditaram que a chuva passaria. E ela não passava. Demorou, até a bendita estiagem, para que o carro aberto com Lula pudesse, enfim, se movimentar, seguido já de uma imensidão de bandeiras e camisetas vermelhas da militância, gritando palavras de ordem, enquanto os políticos discursavam.
A ex-ministra Marina Silva arrancou aplausos por onde passou, falando da violência do atual governo, da necessidade da preservação da vida e da proteção aos povos originários e quilombolas. A senadora Simone Tebet, com seu discurso potente, provocou corinho de “Simone/Simone”, ao falar do papel da mulher na campanha e da desumanidade do atual titular da presidência, com falas de viés pedófilo. Falaram também os deputados e o vice-governador de Minas, Paulo Brant, que pontuou o papel democrático do estado. A prefeita, Margarida Salomão (PT), aplaudidíssima. Lula intercalava pequenas falas, para delírio dos seguidores da caminhada que foi se adensando a cada metro.
Resolvi ir para a Praça da Estação, me antecipando à chegada do cortejo, que evoluía com dificuldade cada vez maior, dada à aglomeração em torno da caminhoneta que conduzia o grupo de políticos e Lula, ao som dos jingles da campanha, agora entoados pela multidão. A senhora morena e esbelta (chama-se Carminha) – se ofereceu para me ajudar a chegar até lá, e me acompanhou, me cobrindo com o seu guarda-chuva, apesar de eu já ter adquirido a capa de plástico que guardava a minha roupa empapada.
Fiz bem. Quem esperou a evolução no chão, ou em cima do caminhão que conduzia os repórteres não pôde ver de perto que o homem velho se esqueceu do cansaço e pensou que inda era novo para escalar, na Praça tomada de gente, um galho de árvore molhado e escorregadio. Deixou de ver que a meninada toda se assanhou, perdendo mesmo a noção do perigo. De cima da mureta que dava para a avenida por onde Lula chegaria, em breve, um menino de uns nove anos pisava na beirada, para desespero da mãe, que tentava contê-lo, porque ele “queria ver o Lula!”. Seus olhos buscavam o meio da rua, com a mesma ansiedade que nós estamos esperando a abertura das urnas, no dia 30.
E Lula veio. E o momento da sua chegada foi tão intenso, que por mais que eu viva – eu que ao longo da vida já fiz cobertura de passeatas, protestos, comícios e manifestações tantas -, não conseguirei descrever o que eram aqueles gritos compactos, que ensurdeciam os meus ouvidos e que não gritavam mais: “Uhhu, o papai chegou”, tampouco: “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”, como há minutos. Gritavam. Apenas gritavam. Com a força de quem esperou muito para soltar aquele grito.
Lula acenava, fazia corações com as mãos e olhava à volta. O som do trio elétrico animou a que todos voltassem a cantar jingles da campanha, agora sacudindo o que tinham às mãos. Celulares que comiam avidamente as imagens, bandeiras, flâmulas, camisetas molhadas. Olhos molhados também não faltaram. A emoção era total e o espaço mal comportava as lágrimas dos que se derreteram ao som do “Lula lá”, enquanto Lula subia para o palco.
De camisa azul clara e bonezinho branco, ele surgiu para a multidão que foi ao delírio. Universitários, homens brancos, pretos, crianças, mulheres jovens, pretas, gordas, idosas. Todos dançavam e aplaudiam. Ouviram atentos durante quase duas horas Lula prometer que o salário voltaria a valer a pena; que o racismo seria extirpado do cenário brasileiro; que o “Minha Casa Minha Vida” voltaria; que o emprego seria o motor da economia, que... Não disse, mas poderia ter emendado: que a alegria voltaria.
Ao final do ato, pacificamente – os policiais sonolentos foram desmontando os gradis -, o povaréu se dispersava formando verdadeiros blocos de carnaval. Ao meu lado, uma idosa desamarrotou a pele do rosto num sorriso maroto, gritando com os jovens: “Hei, Bolsonaro, vá tnc!”. Uma travessura que com certeza não se permitiria se não fosse por Lula. Mais adiante uma outra, empunhando na ponta de uma vareta uma estrela vermelha inflada, resgatou o rebolado, ao som de: “Tá na hora do Jair, tá na hora do Jair, já ir embora” ...
Do alto de um dos prédios alguém atirou uma bolsa com um líquido. A multidão parou e entoou forte: “Hei, Bolsonaro, vai...”, para em seguida retomar o carnaval, com direito a uma bateria que batia o bumbo freneticamente para que todos à volta evoluíssem.
No meio do calçadão da Halfeld, onde os blocos desaguaram, um casal nem se importou do encalhe das maçãs do amor, que mais pareciam alegorias. Dançaram apontando para o retrato de Lula, pendurado na carrocinha.
O povo não queria ir para casa. Lula se foi, mas deixou atrás de si um rastro de alegria Eu caminhei de volta a pé, porque não havia mais táxi para transportar os mais cansados, que como eu se movimentou desde 14h. Segundo a prefeita, Margarida, esse foi o maior ato político da história da cidade. Acredito, mas nem precisava o abalizado testemunho (de quem concorreu ao cargo por quatro vezes). No ritmo que pude, caminhei ainda encharcada de civismo, emoção e espanto.
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