E depois da pandemia?

"O mundo tende, agora, a se transformar em uma gigantesca casa do Big Brother, na qual todos sabem o que todos fazem, em especial aqueles que detêm o controle dos algoritmos", escreve Frei Beto

Forças Armadas promovem ação de desinfecção no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), uma das medidas adotadas para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus
Forças Armadas promovem ação de desinfecção no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), uma das medidas adotadas para prevenir a contaminação pelo novo coronavírus (Foto: Marcello Casal Jr/Ag.Brasil)


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Como será o “dia seguinte” dessa pandemia? O que mudará em nossos países e em nossas vidas?     

Ainda é cedo para previsões. Alguns sinais, porém, já indicam que, ao contrário do que diz a canção, não viveremos como os nossos pais.

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Por que a China conseguiu deter a epidemia em tempo relativamente curto, se considerarmos que, numa população que ultrapassa 1 bilhão de pessoas, não é fácil exercer tão eficiente controle? E é justamente esta palavra – controle – o indício de que, agora, a ficção de George Orwell, no romance “1984”, chegou à realidade.   

As nossas frágeis instituições democráticas estão ameaçadas. A China logrou conter o coronavírus porque, por meio de celulares, manteve cada cidadão sob vigilância. Inclusive capaz de mapear onde o usuário do celular, portador da infecção, esteve nas últimas duas semanas. O mundo tende, agora, a se transformar em uma gigantesca casa do Big Brother, na qual todos sabem o que todos fazem, em especial aqueles que detêm o controle dos algoritmos.

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A exigência de ficar em casa demonstra ser possível manter a sociedade em funcionamento sem obrigar milhares de pessoas a se deslocarem diariamente de casa para o local de trabalho. Isso traria muitas vantagens para o capitalismo: não precisar manter tantos prédios com escritórios e outros espaços laborais, nem funcionários para cuidar de limpeza, refeições, manutenção, energia, mobiliário etc.      

Muitos serão como empregadas domésticas antes da lei de 2015 que assegura direitos a elas: sem carteira assinada, leis trabalhistas, vínculos sindicais e queixas pelos corredores. Todos dormindo no serviço, sem hora para entrar e sair, obrigados a comprar o próprio alimento, sem direito a descanso no fim de semana e obrigados a fazer do espaço doméstico um local de trabalho, o que certamente afetará as relações familiares. Seremos todos prestadores de serviço, uberizados pela atomização das relações de trabalho.
      

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Outra possibilidade de esgarçamento democrático é as autoridades, por mero capricho autoritário, decidirem nos impor, com frequência, o toque de recolher. O “fica em casa” passa a ser rotineiro, e nossa mobilidade controlada pela polícia. E as fronteiras de nossos países podem ser periodicamente fechadas, o que nos faria experimentar o que significa viver na Coreia do Norte.
   

   Contudo, há malas que vêm de trem, como se diz em Minas. A pandemia desmoralizou o discurso neoliberal de eficiência do livre mercado. Como em crises anteriores, mais uma vez se recorreu ao papel interventor do Estado. Os países que privatizaram o sistema de saúde, como os EUA, enfrentam mais dificuldade para conter o vírus que os países que dispõem de sistema público de atenção aos enfermos. Talvez isso suscite cautela frente às propostas de privatização, e até mesmo incentive reestatizações.
     

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 Fator positivo é, em meio à crise, estreitar laços de solidariedade, partilhar bens, cuidar dos vulneráveis, resgatar antigas brincadeiras para entreter as crianças e, sobretudo, descobrir que podemos ser felizes curtindo o âmbito familiar e sem muitas atividades fora de casa.
      

A palavra crise deriva do verbo acrisolar, que significa aperfeiçoar. Porque ela nos ensina muitas lições. Se em poucos dias foi possível transformar estádios, como o Pacaembu em São Paulo, e pavilhões, como o Riocentro no Rio, em hospitais dotados de instalações de primeira linha, por que não é possível adotar medidas semelhantes para reduzir o déficit habitacional no Brasil?

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Há, porém, quem nada aprende com a crise, como aqueles que, na contramão da ética e dos mais universais princípios religiosos, consideram ser mais importante salvar o lucro dos bancos e das empresas que vidas. Padecem de uma miopia que os impede de ver que o coronavírus não faz distinção de classe. Portanto, se equivocam ao supor que a epidemia matará apenas idosos (aliviando as contas da Previdência Social), portadores de outras doenças (diminuindo a fila do SUS), moradores de ruas (higienizando as cidades) e favelados (reduzindo os gastos com a área social).

      Essa perversa ideologia é, ela sim, um caso grave de saúde política e que exige medidas urgentes de profilaxia.

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