É a estupidez que é obscena

O que ressaltamos aqui é a necessidade de que decisões assim não sejam tomadas em decorrência de pressões feitas por pessoas alheias ao ambiente escolar,



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O romance Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, de Marçal Aquino, foi retirado da lista de livros indicados ao vestibular de uma universidade em Goiás. O “argumento” usado pela pessoa que pressionou a universidade para censurar o livro foi que o livro “tinha absurdos pornográficos”. Não vamos entrar nos detalhes desse absurdo, mas é possível apostar que tal pessoa sequer leu o livro em questão. Além disso, não deve ter a mínima noção daquilo que diferencia erotismo de pornografia, por exemplo, e muito menos o lugar da arte, especificamente da literatura, no contexto sociopolítico e cultural do século XXI.

Se o “caso Aquino” fosse uma exceção, mesmo assim não seria menos bizarro. No ano de 2012 coisa semelhante aconteceu com Dalton Trevisan, quando seu livro Violetas e Pavões foi banido de um vestibular na Zona da Mata mineira. Na ocasião, alguns pais, professores e líderes religiosos exigiram a retirada do livro da lista das obras indicadas à prova, o que foi prontamente aceito pela instituição responsável pela seleção. Para essas pessoas, que se arvoram como guardiões da moral e dos bons costumes da tradicional família brasileira, seus filhos não podem ter acesso a uma obra que trate de crimes, sexo, drogas e Rock ‘n’ Roll. E onde é mesmo que esses garotos e garotas vivem? Numa bolha? Ao contrário, vivem em um dos países que mais consome pornografia no mundo. Pornografia essa que não está nos livros da literatura brasileira, mas no smartphone que cada um carrega na palma da mão e nos sites que visitam regularmente. O curioso é que a maioria desses pais não deseja regulação para o Google, pois não querem deixar de ver o que vêm na Internet e por isso mesmo fingem não saber o que seus filhos mais acessam nas redes. Enfim, a hipocrisia!

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O que ressaltamos aqui é a necessidade de que decisões assim não sejam tomadas em decorrência de pressões feitas por pessoas alheias ao ambiente escolar, por caçadores de votos e likes, por exemplo, mas discutidas e amadurecidas com todos os envolvidos. E isso inclui pais, educadores, escritoras, artistas; assim como os meninos e meninas que, ao contrário do que imaginam muitos pais, querem ser ouvidos, querem tomar parte nas decisões que, por direito, também são suas.

É preocupante que essa recorrente tentativa de censura, vez ou outra apareça tal qual um espectro a pairar sobre o Estado Democrático de Direito, constitucionalmente laico. A criminalização da política e a consequente ascensão de parlamentares extremistas resultaram em um considerável aumento de ataques à cultura, que tomaram a escola como alvo. Quem não se lembra do ataque racista religioso que uma mãe de uma escola em Salvador desferiu contra o livro Amoras, de Emicida? E ainda, quem não se lembra da professora que, também na cidade mais negra do Brasil, foi afastada da sala de aula por indicar à leitura de Olhos d’água, de Conceição Evaristo, para suas turmas? Recentemente, em Goiânia, uma professora foi demitida por ter ido trabalhar com uma camiseta que reproduzia a frase “seja marginal, seja herói”, da obra de Hélio Oiticica, um dos mais importantes artistas brasileiros. Não é a cultura que é pornográfica, mas a estupidez é que é obscena.

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Escolas e universidades que censuram livros, perseguem professoras e se deixam tutelar por ideais reacionários e por políticos extremistas não possuem as condições necessárias e indispensáveis para o exercício pedagógico, como o previsto na Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Mas a quem interessa e quem ganha com esse tipo de posicionamento tacanho, estúpido e violento? E o que muda na vida de autores e professores banidos dessas escolas e universidades? Praticamente nada, pois são mestres em suas artes, e outras portas lhes serão sempre abertas.  

Quanto àqueles meninos e meninas, ficaram privados da leitura da obra de autores e autoras indispensáveis para a compreensão da nossa contemporaneidade e da nossa cultura, pois são cativos de uma liberdade às avessas que não encontra sentido em um mundo cada vez mais necessitado de amor, tolerância, compaixão e respeito. Perdem eles/elas, perdemos nós, perde o Brasil.

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