Duas leis históricas e apenas um resultado



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Caso Karl Marx andasse pelas ruas desse enorme país certamente acharia muito interessante o que é a essência dúbia de nossa nação: somos uma sociedade de classes onde ainda se mantém estruturas estamentais. Obviamente que Marx não usaria uma terminologia weberiana (estamento), mas chamaria de estruturas pré-capitalistas.

O Brasil só pode ser entendido dentro do seu específico processo histórico. Aqui, o processo que levou à República não obedeceu a uma classe burguesa que desejava articular os interesses do capital dentro de um Estado-Nação. Na realidade, a República foi proclamada para tentar alargar as estruturas estamentais que se encontravam demasiadamente presas e limitadas a um regime monárquico. 

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Mas antes de irmos adiante, é necessário definirmos o que é uma República burguesa e uma República híbrida (burguesa e estamental) como é o caso do Brasil:

Uma República burguesa tem a tendência de articular de forma sistêmica os interesses dos vários setores econômicos em nome do desenvolvimento e da soberania de sua posição de classe. Nos EUA e na Alemanha, por exemplo, o Estado burguês funciona na direção de articular e administrar os vários setores da classe capitalista que reconhece, por sua vez, que sua dominação depende do crescimento e desenvolvimento econômico de seu país. 

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No Brasil existe um regime republicano específico. Ao longo de nossa História, os diferentes grupos e setores econômicos sempre tiveram grande dificuldade de articulação de interesses comuns. Por essa razão, o Brasil nunca foi capaz de cumprir com o seu suposto destino de uma nação desenvolvida e soberana.

Aqui prevalece a lógica de um pensamento estamental, desarticulado do todo e se valendo das estruturas da República como meio de defender seus próprios interesses, independente do resultado que isso implica no todo de nossa nação.

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O agronegócio pensa no agronegócio. Caso a política cambial de uma moeda fraca lhe favoreça, ele vai lutar pela sua continuidade - ainda que em regra uma moeda fraca impeça o desenvolvimento de vários outros setores da economia. Para o latifundiário, o mundo acaba na porteira de suas terras. Caso não haja estrutura portuária, estradas, ferrovias, etc., tanto faz. O que interessa é se a safra foi boa, o depósito bancário tenha caído em sua conta e se ele está prosperando.

Outros grupos e corporações caminham na mesma direção: o judiciário e seus privilégios; o exército e suas regalias; os grandes varejistas e suas sonegações nunca executadas, os banqueiros e sua aversão ao risco, fazendo o empréstimo sempre caro e incapaz de gerar desenvolvimento, entre tantos outros setores estamentalizados.

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A Era PT atuou por 13 anos de forma dúbia: de um lado concedeu crédito público para milhares de micro, pequenas e médias empresas e promoveu uma inédita inclusão social de milhões de brasileiros no consumo, ou seja, no acesso ao mundo das mercadorias; por outro lado investiu pesado nas estruturas estamentais que se fortaleceram e cresceram de forma inédita no país.  

Hoje essas estruturas estamentais preferem Bolsonaro justamente porque ele não é um candidato republicano e ainda os fizeram subir um degrau, ou seja, abriu as portas para o maior esquema de corrupção do planeta: o orçamento secreto que desvia dinheiro público direto para as mãos de seus senhores, como em um verdadeiro sistema de suserania e vassalagem.  

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Ao ter fortalecido esses setores estamentais o PT muitas vezes se questiona o por quê do fato de ser preterido por aqueles que ele mesmo fortaleceu. Simples: Lula significa um forte obstáculo para o aprofundamento dos interesses (desarticulados, é certo) de cada estamento, os levando - caso eleito - para um degrau abaixo, ou seja, o fim do orçamento secreto, uma política cambial melhor articulada, investimentos em infraestrutura, etc. Para os setores estamentais dessa República, vale a máxima de Luis XIV: “Depois de mim, o dilúvio.” Hoje Lula e o PT travam uma luta de vida e morte contra os poderes infernais que - de forma incauta - ele mesmo ajudou a se tornar em grandes Leviatãs.

Mas o que dizer dos setores que se tornaram classe média nos 13 anos de PT? Aqui mora um fenômeno já analisado por Marx: “Quanto mais acesso ao mundo da mercadoria, mais alienada fica a classe trabalhadora e os pequenos burgueses”. Por que? Sabemos que o trabalhador no capitalismo é reificado, ou seja, é uma mercadoria que vende sua força de trabalho ao capitalista. No fim, o trabalhador é uma mercadoria que produz mercadoria. A contradição libertadora da consciência perante o capital existe quando o círculo do inferno não se fecha: o trabalhador é uma mercadoria que produz mercadoria, mas não tem acesso ao mundo das mercadorias. Pronto. A classe D está com Lula. 

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As demais classes completaram o círculo do inferno: são mercadorias que produzem mercadorias e que consomem mercadorias, não importando que seja à crédito ou à vista. Aqui o indivíduo não possui condições materiais para formar consciência política e nem de classe, pois está plenamente alienado dos meios de produção e dos meios de enxergar a mercadoria em sua face contraditória. Ele naturaliza a existência dessa lógica porque não vivencia qualquer outra realidade. 

Lula vai perdendo apoio paulatino a partir da classe C até chegar à classe A. Essa população majoritariamente não vê nenhum mérito do PT em sua melhoria nas suas condições materiais. Para ela essa é a História: “eu arrumei trabalho por meu próprio mérito, me esforcei, juntei dinheiro e subi na vida… tudo graças… a Deus.

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Obviamente que tratou-se de um erro, com as melhores intenções, típico da social-democracia. O certo seria ter feito o povo brasileiro ser proletarizado e se ter criado um estado de bem estar social pautado em acesso direto e efetivo a direitos: medicamentos gratuítos; alimentos básicos socializados (ou seja, o Estado paga e distribui feijão, arroz, leite, uma proteína animal para a população mais pobre, etc, ao invés de dar dinheiro), aumento e qualificação da rede de saúde, aumento das moradias populares, melhoria de transporte público, água e eletricidade de graça, etc, além de salários melhores - claro. 

Aqui teríamos uma trava contra o avanço reacionário, pois isso significaria a perda de direitos concretos, além de permitir que a classe trabalhadora vivenciasse o Estado progressista em seu cotidiano e não atribuísse suas conquistas à Igreja, mas a uma determinada política econômica.

Bom… Mas isso tudo não foi feito… desembocamos em uma realidade distópica e lamentável onde um estadista como Lula é obrigado a polarizar votos com um demente como Bolsonaro. Mas que fique registrado que essa polarização não é somente fruto da simples ignorância, mas de águas mais profundas que residem em nosso processo histórico.

Chegamos agora a quase uma semana de uma eleição onde contamos com o triunfo possível de apenas uma de duas leis tendenciais históricas: A primeira: geralmente os setores mais organizados e dominantes vencem as eleições. Seguindo essa lei, Bolsonaro vence. Nesse caso é o fim da República e da Democracia em benefício dos interesses estamentais que se desenvolveram de maneira muito irresponsável, o que resultará em uma violenta ditadura civil e o desastre social e econômico de todos os setores que hoje se encontram em estado beligerante.

Mas existe outra lei tendencial histórica, a segunda: a humanidade tem a tendência em reconhecer, face ao desastre eminente, as soluções para a sua sobrevivência e livre desenvolvimento. Seguindo essa lei, Lula vence, a República é fortalecida, a democracia é salvaguardada e em dois anos esse país voltará à plena normalidade institucional, apontando um futuro de crescimento e prosperidade.

No fim essa é uma eleição histórica e, fosse eu um historiador do futuro, adoraria analisar seus resultados, sejam quais eles forem. Mas vivo esse tempo. Na aurora ou no ocaso de toda uma nação. Não há como prever qual lei que prevalecerá daqui a alguns dias, mas é possível se apoiar na defesa de uma delas. Nesse caso, defendo que a pulsão da vida vença a pulsão de morte e destruição que representa a reeleição de Bolsonaro.

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