Dois presidentes

"Pela primeira vez em sua história o Brasil passa a viver a partir de hoje uma situação anômala, esdrúxula, estapafúrdia e absurda, com dois presidentes da República convivendo ao mesmo tempo na Esplanada: uma que ainda não deixou de ser e outro que ainda não é", diz o colunista Alex Solnik, lembrando que Michel Temer ainda é interino e Dilma Rousseff está apenas temporariamente afastada; "De um lado, uma presidente liberta das amarras e, de outro um presidente interino às voltas com as inevitáveis brigas internas que vão corroer sua inútil e breve gestão"; segundo ele, "um país que tem dois presidentes pela metade, não tem nenhum"

Brasília - A presidenta Dilma Rousseff e o vice-presidente, Michel Temer, participam da solenidade onde recebem os cumprimentos de oficiais-generais no Clube do Exército (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Brasília - A presidenta Dilma Rousseff e o vice-presidente, Michel Temer, participam da solenidade onde recebem os cumprimentos de oficiais-generais no Clube do Exército (Antonio Cruz/Agência Brasil) (Foto: Alex Solnik)


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Pela primeira vez em sua história o Brasil passa a viver a partir de hoje uma situação anômala, esdrúxula, estapafúrdia e absurda, com dois presidentes da República convivendo ao mesmo tempo na Esplanada: uma que ainda não deixou de ser e outro que ainda não é.

   Dois presidentes pela metade. E cuja soma das metades não resulta num presidente inteiro.

   Dois presidentes pela metade que também vão, por sua vez, dividir o país em duas metades que, somadas, também não darão um país inteiro.

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   Eis o resultado melancólico que nos fornecem políticos sem escrúpulo, que até anteontem faziam parte do governo, ocupando a maioria dos ministérios, e que decidiram, em vez de administrar parcelas do poder, tomar para si o poder por inteiro.

   Em vez de reconhecerem as suas próprias falhas, inconsistências, omissões e incompetências apontaram o dedo para aquela que os escolheu, como se ela fosse a única culpada.

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   As aparências tomaram o lugar dos fatos concretos. Aparentemente, a constituição foi cumprida, mas, de fato, não foi. Aparentemente, houve crime de responsabilidade, mas, de fato, não houve. Aparentemente, a democracia continua em vigor, mas, de fato, foi conspurcada. Aparentemente, não houve golpe, mas, de fato, houve.

   A presidente deposta mantém todas as suas prerrogativas, menos a de governar. Mantém a residência no Palácio da Alvorada, recebe a remuneração, tem direito a guarda pessoal, a transporte, a equipe de gabinete.

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   O presidente usurpador, mas provisório, não sobe a rampa, não recebe a faixa, não faz o seu discurso do púlpito, não é saudado pelo povo.

   O golpe sem canhões se consuma na forma de um tumor que faz a sua metástase e, como todo tumor, nada constrói, mas destrói.

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   O governo usurpador assume sob o signo da ilegitimidade, da violência constitucional, da ilegalidade, sustentado pela fina flor de uma súcia que responde a inúmeros e vigorosos e graves ações penais que se arrastam no STF e cujo passado contamina o futuro.

   O Supremo, indiferente à dúvida fundamental que percorre a espinha dorsal do país, não se pronuncia acerca da inexistência de crime e, em consequência, se apequena.

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   Os políticos que proporcionaram esse anticlímax, esse espetáculo grotesco, tendem a se afundar cada vez mais na lata de lixo da história e a serem varridos do mapa.

   Durante os próximos seis meses, a novela do golpe vai continuar a soltar fumaça, como um dragão da maldade que o santo guerreiro não conseguiu exterminar, e o risco de incendiar a nação será sentido a cada momento.

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   Teremos, de um lado, uma presidente que continuará a fustigar seus algozes de ocasião, os oportunistas, os traidores, os canalhas, os ilegalistas e, de outro, um presidente acumpliciado com essa corja, a tecer a teia de aranha em que se pretende aprisionar os direitos e as conquistas da população mais fragilizada, que não viu o que aconteceu na longa madrugada infame e acorda mais fragilizada ainda, deposta juntamente com a presidente.

   Teremos, de um lado, uma presidente que não tem máculas, não tem acusações pessoais, não tem ações penais e, de outro, um grupo cujos currículos ficarão ainda mais expostos em praça pública e execrados por aqueles que conseguem ainda distinguir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre o que presta e o que não presta, entre o que pode e o que não pode.

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   Teremos, de um lado, uma presidente honrada, decente e leal e, de outro, um presidente interino que traiu a confiança de quem o elegeu, que urdiu uma conspiração nas sombras e que se apossa do que não é seu.

   Teremos, de um lado, uma presidente que não tem nada a esconder e, de outro, um presidente interino empenhado em ocultar seu passado, seu caráter e suas convicções.    

   De um lado, uma presidente liberta das amarras e, de outro um presidente interino às voltas com as inevitáveis brigas internas que vão corroer sua inútil e breve gestão.     

   É uma longa novela com 200 milhões de figurantes em cujos próximos capítulos, embora ainda não escritos, é de se prever o aumento dos conflitos, da insegurança e do medo.

   É uma novela que tende a oferecer cenas épicas, mas das quais o país não terá nada a ganhar e sim a lamentar.

  É a novela de um país sem um líder autêntico e confiável e, quando não há um líder a apontar o caminho o que tende a prevalecer é a confusão, é a falta de rumo.

   Um país que tem dois presidentes pela metade, não tem nenhum.

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