Dois legados da Copa
Um legado da Copa é a percepção da corrupção nas prioridades; outro é descobrir que os candidatos estão sendo incapazes de perceber essa novidade
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Ainda é cedo para saber qual legado da Copa ficará entre todos os que foram prometidos, mas é possível saber que um ficará: a percepção popular da corrupção nas prioridades. Faz anos, descobrimos a corrupção no comportamento dos políticos, mas ainda não tínhamos consciência da corrupção nas prioridades da política.
Horrorizamos-nos com o roubo de dinheiro público levado para o bolso de políticos, mas ainda não nos horrorizávamos com o desperdício de prioridades que desviam dinheiro sacrificando os interesses da população e do futuro. É muito possível que seja descoberto roubo de dinheiro público durante as obras da Copa, mas desde já é possível perceber que houve desvio de outras finalidades mais úteis ao futuro do país e ao bem-estar da população de hoje. Um exemplo é o estádio de cerca de R$ 2 bilhões em Brasília.
Foi preciso fazermos a Copa para descobrirmos que desviar dinheiro para prioridades menos importantes é também roubo: mesmo se não houver apropriação privada do dinheiro público.
A população brasileira — tolerante com a desigualdade social, com forte preferência pelo presente, habituada ao uso do artifício histórico da inflação para financiar os gastos, e submetida à manipulação facilitada pela pouca educação, mesmo entre aqueles com nível de instrução superior — não costumava fazer as contas de quanto custava cada obra, nem o que poderia ter sido feito de diferente.
Com os sucessivos escândalos, como os atuais da Petrobras e do metrô de São Paulo, a população tinha despertado sua indignação contra a corrupção no comportamento dos políticos, mas não tinha percebido a corrupção implícita nas prioridades definidas por eles, mesmo os honestos.
A Copa permitiu visualizar a corrupção nas prioridades, ao mostrar que o dinheiro que poderia ser usado na educação, na saúde, na segurança e no sistema mais amplo de mobilidade urbana foi desviado para obras definidas pela Fifa. Mesmo quando em nome da Copa se faz um BRT para levar torcedores ao novo campo de futebol, as pessoas se perguntam por que não se tomou essa decisão antes e independentemente da Copa e por que não usar o dinheiro dos estádios para fazer mais obras que facilitem a mobilidade.
Esse é certamente um legado da Copa. Mas parece que os políticos ainda não perceberam. As pesquisas mostram que os candidatos a presidente estão caindo na preferência dos eleitores. Provavelmente não perceberam que o imaginário do eleitor mudou graças à Copa. Agora os que votam querem saber quais são as prioridades de cada candidato para o futuro do Brasil, mas os presidenciáveis prometem apenas novos comportamentos, pequenos ajustes na economia, unidos nas mesmas prioridades. Não prometem novas nem dizem quais das atuais prioridades serão substituídas.
Um legado da Copa é a percepção da corrupção nas prioridades; outro é descobrir que os candidatos estão sendo incapazes de perceber essa novidade.
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