Documentos da ditadura revelam como Falcão, Simonsen e Geisel agiram para exterminar a imprensa alternativa

O jornalista Alex Solnik revela "o passo a passo de como Confidencial surgiu, se desenvolveu e se viabilizou, com participação direta do comandante do II Exército, general Dilermando Monteiro, do ministro da Justiça, Armando Falcão, do ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen e do ditador de plantão, general Ernesto Geisel uma ideia cujo objetivo era fechar dezenas de pequenos jornais que conseguiam furar o cerco da censura"

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Você vai conhecer, a seguir, o passo a passo de como Confidencial surgiu, se desenvolveu e se viabilizou, com participação direta do comandante do II Exército, general Dilermando Monteiro, do ministro da Justiça, Armando Falcão, do ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen e do ditador de plantão, general Ernesto Geisel uma ideia cujo objetivo era fechar dezenas de pequenos jornais que conseguiam furar o cerco da censura e mostrar o Brasil real que a ditadura militar de 64 queria esconder.

Todo o relato se baseia em documentos que têm o carimbo “confidencial”, produzidos pela própria ditadura, com digitais das autoridades (menos de Geisel que só dava ordens verbalmente) e muito bem guardados até hoje.

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23/08/1976

O Comando do II Exército, 2a Seção envia, em caráter confidencial, a Informação no. 1343 ao Departamento de Polícia Federal cujo assunto é: Imprensa “Independente” (“Nanica”, “Alternativa”). Diz o texto:

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1. A partir da suspensão da censura sobre a grande imprensa, alguns tablóides sob a influência ou orientação esquerdista e que se auto-batizaram “independente”, nanica, alternativa ou underground tornam-se cada dia mais numerosos e agressivos. A ação policial de censura sobre os mesmos tem criado diversos incidentes que além de contribuírem para o desgaste da imagem do governo, servem de bandeira para as esquerdas mobilizarem a classe jornalista (sic) para o objetivo marcado pela ABI em 76, secundada pelo Sindicato de Jornalistas de SP – Liberdade de imprensa em 1976.

2. Estudo enviado a esta AI em anexo procura provar matematicamente que é mais eficaz a censura fiscal, que poderia determinar:

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- o fechamento de tais publicações pela atividade da fisclização (não satisfação de exigências legais)

- por provar que são subsidiadas espuriamente”.

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O “estudo”, que é assinado por um certo Francisco Guimarães do Nascimento, do qual não há qualificação, mas se depreende pertencer às fileiras do II Exército é apresentado a seguir:


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IMPRENSA INDEPENDENTE


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“De uns tempos a esta parte, as bancas de jornais começaram a apresentar aspectos dos anos 1962/64: vários tablóides, todos de orientação esquerdista passaram a ser editados, embora sob censura.

Acreditamos que esta, da forma que é feita, é mais prejudicial do que útil, pois os danos resultantes dos cortes do censor são escrupulosamente mantidos nas matérias impressas, o que leva o leitor a dar asas à imaginação e o governo a ‘passar recibo’ quanto às acusações de falta de liberdade de expressão no país.

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Quer-nos parecer que, no caso, ninguém se apercebeu de algo muito importante: referimo-nos ao custo final das publicações. Chegamos a conclusões curiosas, e, da análise de várias publicações, concluímos que são inviáveis economicamente.

Tem, pois, o Governo condições de agir burocratica (sic) e administrativamente, sob uma coordenação única, para sanear o mercado sem que possa haver protestos aqui e alhures.

Fiscais cuidadosamente selecionados, sem ser deslocados de suas repartições de origem, mas sob uma coordenação única, podem sair a campo e, rotineiramente, apurar o que há por detrás disto tudo.

Resultariam duas vantagens: 1) ou o fechamento de tais publicações pela atividade da fiscalização; 2) ou a prova provada de subvenções espúrias para as mesmas”.

02/09/1976

Por meio do Ofício no. 6.763/76. o superintendente da Polícia Federal em SP, Coronel Benedito Calixto de Souza encaminha a Informação no. 1343 do comando do II Exército ao seu chefe, diretor-geral da Polícia Federal, Moacyr Coelho nos seguintes termos:

“Anexo documentação oriunda do II Exército apresentando um estudo e análise de certas publicações da esquerda política, viabilizando uma possível tomada de posição do governo e que possibilita a proibição definitiva de sua impressão, em substituição à Censura aplicada”.

09/09/1976

O diretor-geral da Polícia Federal envia o Ofício no.341 ao “Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça Armando Ribeiro Falcão” dizendo o seguinte:

“Encaminho a documentação anexa, contendo sugestões de emprego dos órgãos fazendários, dentro da esfera de suas atribuições, na fiscalização de publicações de influência ou orientação esquerdista”.


15/09/1976

Classificado como “documento sigiloso”, om ofício no. 341 é enviado, dentro do ministério da Justiça ao chefe de gabinete do ministro Armando Ribeiro Falcão, o sr. Alberto Rocha.


25/10/1976

Em despacho ao ministro Armando Falcão, o chefe de gabinete resume o material recebido do diretor-geral da Polícia Federal:

“Sr. ministro, o que se propõe é o controle, através da Receita Federal, do equilíbrio financeiro de órgãos de publicidade, mediante ação fiscal, cujas bases se mantêm no questionário que é parte da sugestão. Para saber da viabilidade e da legalidade do mesmo, convém ouvir, preliminarmente, o Ministério da Fazenda. Se a este vai caber, sob orientação unificada e uniforme, tomar a providência e sua audiência se faz necessária, naturalmente em caráter confidencial”.


26/10/1976

O ministro da Justiça Armando Falcão solicita ao chefe de gabinete “reexaminar a matéria à luz do artigo 79 do Decreto-Lei no.898 de 29/09/1969 (Lei de Segurança Nacional).


09/03/1977

O ministro da Justiça Armando Falcão envia o documento AV/GM/AAS 1620 “a Sua Excelência, o Senhor Doutor Mário Henrique Simonsen, Ministro de Estado da Fazenda”:

“Senhor Ministro

Atendendo proposta do Diretor Geral do Departamento de Polícia Federal, tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência consulta a respeito de sugestão oriunda do II Exército, versando sobre a possibilidade de emprego dos órgãos fazendários, dentro da esfera de suas atribuições, na fiscalização de publicações de tendência esquerdista”.


01/04/1977

O ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen responde “À Sua Excelência o Senhor Doutor Armando Ribeiro Falcão Digníssimo Ministro de Estado da Justiça”:

“Julgo que a fiscalização de empresa jornalística pode constituir-se em providência auxiliar às medidas de preservação da Segurança Nacional para os casos em espécie.

Embora não caiba à autoridade fiscal determinar o fechamento de empresas inconvenientes ao interesse nacional, cumprindo-lhe apenas a imposição de sanções fiscais por inobservância da legislação tributária, creio que, através da auditoria contábil fiscal (..) poderá ser possível a obtenção de evidências ou provas documentais suficientes não só para instauração, através da Procuradoria Geral da República de processo judicial por crime contra a Fazenda Nacional, mas, também para subsidiar a aplicação de providências legais por parte do Ministério da Justiça, no sentido de promover, se for o caso, o encerramento das atividades desse tipo de empresa.

Será de todo conveniente que os procedimentos de ambos os ministérios se promovam a nível central, através da Secretaria da Receita Federal, e do Sistema Nacional de Informações”.


04/07/1977

O diretor-geral da Polícia Federal, Moacyr Coelho envia ao ministro da Justiça Armando Ribeiro Falcão lista com 33 jornais que seriam alcançados pela “auditoria fiscal contábil”, dentre os quais Movimento, Resistência, O Trabalho, Versus, Lampião, Presença, Em Tempo, Pasquim, etc.


01/08/1977

Em recado escrito à mão num documento que apresenta novos subsídios para a “auditoria” da imprensa alternativa, o ministro da Justiça Armando Falcão comunica:

“Submeti, hoje, diretamente, ao Senhor Presidente que decidiu, verbalmente:

“Aguardar”

Em 1-8-77

A.F.


09/03/1978

O DSI/MJ (Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça) envia a Informação no.207/78 ao “Exmo. Senhor Ministro da Justiça”.

Assunto: Jornal “Bagaço”

“Foi colocado em circulação o exemplar de Jan/Fev 78 do jornal “Bagaço”, um dos expoentes da “imprensa nanica”.

Dentro da linha de propaganda comunista e contestação aos Governos Revolucionários seguida pela citada imprensa, destacam-se no referido número os seguintes tópicos: ª relação de subversivos desapaecidos, o que se deve a ‘uma falta de uma investigação vigorosa que entre nos quartéis e nas dependências políticas para verificar diretamente o emprego bárbaro da tortura que desmascare os torturadores e puna os responsáveis; b. Artigos em referência às mortes dos subversivos Stuart Angel e Antônio Marcos Pinto de Oliveira. (..) e. foto de mulher com os seios à mostra, caminhando pela rua.

(..)

Esta Divisão alerta para o fato da proliferação de jornais da chamada imprensa nanica, registrados e operando legalmente, estar sendo realizada, senão pelos mesmos elementos, também por jornalistas simpatizantes ou engajados na ditadura comunista.

A legislação atual não delimita condições mínimas tais que impeçam a multiplicação de jornalecos e editoras que surgem hoje e desparecem amanhã, que objetivam a subversão pela contestação, que pretendem representar a opinião pública insidiosamente, que afinal de longe estão de representar um jornalismo responsável e imparcial, tradutor da veracidade opinião pública (sic)”.

03/04/1978

O chefe de gabinete do ministro da Justiça, Walter Costa Porto comunica ao ministro da Justiça Armando Falcão:

“A DSI deste Ministério encaminhou a V.Ex. Informação proveniente do CIE e relativa ao jornal ‘Bagaço’, editado no Rio de Janeiro. Como a informação já foi transmitida ao CI do DPF creio que, com o conhecimento de V.Ex. Pode ser arquivado”.

04/04/1978

“De acordo, arquive-se” escreve à mão o ministro da Justiça Armando Falcão.


11/05/1978

O DSI/MJ envia a Informação no. 397/78 ao ministro da Justiça Armando Falcão.

“Assunto: Imprensa nanica – subversão pelos órgãos de divulgação e comunicação social

“Na década de 60 deu-se o surgimento da chamada imprensa nanica.

(..)

O primeiro jornal desse etilo – o Pif-Paf – surgiu em 1964 e teve a duração efêmera de 8 edições quinzenais sob a direção do esquerdista Millôr Fernandes.

(..)

Hoje, cerca de 100 jornais desse tipo são publicados no Brasil.

12/06/1978

O DSI/MJ envia ao Ministro da Justiça Armando Falcão a Informação no. 496/78.

“Assunto: Subversão através da imprensa alternativa”.

“O jornal Amanhã, de linha nitidamente comunista, pró-Cuba, lançado em Mai 78 é uma publicação da editora Versus.

(..)

O citado jornal pretende insuflar a massa operária em geral e utilizar o Movimento Operário como principal força na defesa das ‘liberdades democráticas’.

O jornal “O Trabalho” no.0 de Mai 78 foi distribuído durante a realização de um ato público em Osasco. A publicação em tela é o mais novo representante da imprensa alternativa ou independente, perfeitamente entrosado no Esquema Comunista da Imprensa.

31/8/1978

O diretor-geral da Polícia Federal Moacyr Coelho envia Ofício no.0289/78 ao ministro da Justiça Armando Falcão:

“Encareço V.Exa. dirigir aviso ao Exmo. Sr. Ministro da Fazenda indicando o jornal Versus para ser submetido à auditoria contábil fiscal pela Secretaria da Receita Federal”.

1/9/1978

O chefe de gabinete do Ministro da Fazenda, Walter Costa Porto acusa o recebimento do Ofício no.0289/78 e pede orientação:

“Em novo ofício, datado de ontem, o Sr. Diretor-Geral do DPF. encarece a V. Exa ‘dirigir aviso indicando o jornal Versus para a auditoria contábil fiscal pela Secretaria da Receita Federal’. Creio então se deva aguardar a decisão do Exmo. Sr. Presidente da República.”


11/9/1978


No documento que recebeu de seu chefe da gabinete a 1/9/1978 o ministro da Justiça Armando Falcão escreve à mão:

“Consultei, no despacho de hoje, o Exmo. Sr. Presidente da República, que aprovou a medida. Prepare-se, assim, o competente expediente ao Sr. Ministro de Estado da Fazenda”.

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