Do derby às refeições do Gilmar
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O pensar ainda não é tributado, em sendo assim podemos seguir refletindo criticamente sobre o que nos interesse, sobre acontece na nossa cidade, no estado, no país e no mundo.E, como a macaquinha perdeu o derby, para não ficar muito estressado pensando no jogo, no time, na gestão “de armazém” que ocorre em muitos times, inclusive na Ponte Preta, optei por pensar em gastronomia, comecei pelas refeições ministro Gilmar Mendes, sempre cheias de significado.
Vejamos. No final de maio desse ano o polêmico ministro jantou com André Mendonça, o favorito de Bolsonaro para a vaga de Marco Aurélio Mello no STF; no dia 15 de junho o jantar do ministro foi com o Presidente Bolsonaro, provavelmente o sofrimento de nós pontepretanos não foi a pauta...
Lembrei também de um almoço que ocorreu em 2O16, entre Gilmar Mendes, o Senador José Serra e o banqueiro Armínio Fraga, dias antes de o ministro suspender a nomeação de Lula para a Casa Civil do governo Dilma Rousseff.
Há outras refeições interessantes de Gilmar, mas lembrar dessas basta para a construção do argumento.
Bem, a partir dessas imagens escorreguei para tema que quase nunca é debatido de forma objetiva: a natureza aristocrática da magistratura no Brasil. Talvez seja importante resgatar significados. Aristocracia é substantivo feminino, e diz respeito à organização sociopolítica baseada em privilégios de uma classe social formada, historicamente, por nobres que detém, por herança, o monopólio do poder; também pode referir-se ao grupo ou classe dos que, por berço, ou por outro meio, alcança privilégios. E “elite” é o seleto grupo de indivíduos que se apropriam em maior quantidade daqueles bens que são mais valorizados em seus respectivos campos de atuação.Diante da existência de classes com privilégios e poder, em qualquer lugar do mundo tem-se uma democracia frágil, pois as “aristocracias” são sempre ciosas pela manutenção e ampliação de seus privilégios, restando pouco espaço à sociedade, que acaba participando de forma restrita e meramente formal do processo decisório. Infelizmente o Poder Judiciário tem sim natureza aristocrática, pois reproduz em suas estruturas a dinâmica aristocrática, elitista e injusta da própria sociedade, o que é incompatível com o que vivemos no século XXI e também “incompatível com os discursos que compõem suas próprias justificativas teóricas e com os princípios democráticos que regem suas funções”, como escreveram os professores Marcelo Maciel Ramos e Felipe Araújo Castro. Fato é que a magistratura está estabelecida como um grupo especial que “reserva para si um espaço sociopolítico exclusivo por meio de uma série de características e disposições que compõe seu habitus específico, o que produz reflexos no campo jurídico em que atuam. A magistratura distingue-se das outras carreiras do funcionalismo público e, radicalmente, da maioria da população”, conforme os autores de “Aristocracia Judicial brasileira: privilégios, habitus e cumplicidade estrutural” de autoria dos professores citados.
Para compreender a natureza aristocrática da magistratura é necessário que examinemos as contradições presentes na estruturação do Judiciário, notadamente, na perpetuação e ampliação de privilégios adquiridos ao longo do tempo, a forma de acesso à carreira, além dos altos salários pagos aos magistrados brasileiros, os quais somados a inúmeras outras verbas que recebem, driblam o que dispõe o artigo 37 XI da Constituição Federal.
As distorções estão ai, e são conhecidas por todos, graças aos portais da transparência. Há casos que deveriam causar constrangimento ao Poder Judiciário, mas parece que isso não acontece, pois mesmo sendo o teto constitucional pouco superior a 39 mil reias, até pouco tempo poucos magistrados paulistas recebiam menos de 5O mi reais líquidos por mês, e um numero significativo recebia valores superiores a 8O, 9O mil ou mais.
Os números escandalizam, mas isso não é o mais grave. Grave de fato é a promiscuidade nas relações entre a magistratura e as elites política e financeira.
Os professores Marcelo Maciel Ramos e Felipe Araújo Castro chamam essa promiscuidade de “um compartilhamento de espaços de socialização exclusivos entre as elites jurídica, política e econômica, o que os distancia drasticamente da população e influi de modo decisivo na produção de uma prática judicial, situação que tende a conservar as relações de poder como estabelecidas”.
Os privilégios excepcionais da magistratura tendem a produzir um tipo de cumplicidade estrutural não só entre seus membros, mas também entre eles e a classe política e financeira, colocando em risco os próprios princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
Os privilégios e poderes da magistratura buscam serem normalizados através do discurso de mérito pessoal, a tal meritocracia, e pela importância da função, mas ambos os argumentos buscam apenas mascarar a desigualdade de classe. Fato é que a posição social e econômica privilegiada tem como consequências a produção e reprodução de uma semelhança de origem e estrutura entre os interesses dos magistrados e os das elites econômicas e políticas do país, além de causar o consequente distanciamento da realidade econômica e social do cidadão comum, “e de empatia em relação às carências materiais e aos interesses dos grupos sociais menos favorecidos”.Na prática o que ocorre nos convescotes dessas elites é a renovação de acordos pela manutenção das estruturas de privilégio da qual se beneficiam essas mesmas elites, circunstância de alta imoralidade e cumplicidade estruturais intraelites (jurídica, política, econômica).
Será que faz sentido o que escrevi, ou é apenas efeito indigesto da derrota no derby e das refeições do Gilmar?
Essas são as reflexões.
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