Do caos, nasce uma nova estrela
No mesmo instante em que Dilma, de blusa branca - alva como uma nuvem - caminhava do lado de fora e era afagada pelo povo, dentro do Planalto os novos inquilinos - ternos negros como as asas da graúna - aplaudiam a oficialização do golpe, enquanto lambiam os beiços
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façamos como o semiólogo, vamos direto às imagens.
PALÁCIO DO PLANALTO. EXTERNA, DIA
Brasília amanhece revestida de uma tímida, uma tênue luminosidade.
Dilma, pedestre, deixa temporariamente o Palácio no qual dava expedientes, caminhando ao largo do espelho d’água - séquito volumoso a segui-la.
conhecedora do poder simbólico das imagens, ela evita a descida pela rampa.
a presidenta - que antes de deixar o palácio deixou ecoando pelas paredes a palavra golpe - não daria de mão beijada aos manipuladores da informação uma imagem que pudesse ser associada a um rito normal e constitucional de transição de cargo.
saiu pela tangente.
não que ela tenha se retirado pelos fundos, como o fez covardemente o general Figueiredo; ou amparada por uma vergonhosa cabeça baixa, como outrora fizera o irascível malfeitor Fernando Collor.
Dilma foi aos braços do povo e para ele falou, humanizando-se: “sinto a dor da traição.”
vilipendiada, arrastada do poder pelos cabelos, ela encarnou a força e a determinação das mulheres. manteve-se firme.
conclamou o povo à luta, pela democracia e contra os usurpadores.
deixou claro que vítima de uma injustiça. uma mulher honesta julgada por um grupo de desonestos, condenada por não ter cometido crime algum, punida por corruptos por combater a corrupção.
essa é a narrativa que estará cada vez mais presente nas ruas.
corta.
PALÁCIO DO PLANALTO. INTERNA, DIA.
no mesmo instante em que Dilma, de blusa branca - alva como uma nuvem - caminhava do lado de fora e era afagada pelo povo, dentro do Planalto os novos inquilinos - ternos negros como as asas da graúna - aplaudiam a oficialização do golpe, enquanto lambiam os beiços.
exangue, pálido como um vampiro, e com um sorriso aterrador como o do próprio Conde Drácula, Temer ascendia ao píncaro da República, computando raquíticos 55 votos senatoriais, ou sanatoriais.
às vésperas de uma sexta-feira 13, Temer afana, ao vivo e em cores, 54 milhões e meio de votos e gargalha, mostrando a língua bifurcada e incandescente.
no interior do Palácio, farto séquito emoldura a cena sombria.
vestidos de negro como mil corvos, aquela malta de ministros sinistros mais parecia o rabisco da inédita gravura da Demoníaca Ceia: satanás ao centro, mil judas ladeando-o.
nenhuma mulher, nem um único negro. era o símbolo da intolerância à diversidade.
o macho branco estava de volta ao poder.
essa era a mensagem.
fade out.
ISRAEL. EXTERNA, DIA.
à mesma hora em que Dilma sai do Planalto e Temer entra, uma outra cena se desenrola em Israel.
dois mil e dezenove anos depois do batismo do Cristo, Bolsonaro, o anti, profana as águas do Rio Jordão.
num simulacro batismal, um João Batista de araque, um canalhíssimo impostor evangélico, mergulha o anticristo nas gélidas águas leitosas.
apóstolo do evangelho do ódio, branco, heterossexual, homofóbico, misógino, racista e ególatra, Bolsonaro encena o terceiro rito de passagem do dia.
rito de grande força simbólica.
porque escolhido para dar o caráter metafísico para toda aquela pantomima do golpe paraguaio.
Deus - e se esse velhote existisse não o permitiria – está a ser usado como testemunha legitimadora daquele bando que tomou o Planalto de assalto.
num momento de grande comoção nacional, Bolsonaro aparece mimetizado num Cristo com uma pistola na cinta.
matéria vastíssima para o semiólogo.
acrescento uma mais.
não se banha duas vezes no mesmo rio, como diria Heráclito; as águas passam, passa o rio.
portanto, as águas que batizaram o Mestre dos mestres há muito correram dali.
Bolsonaro se banhou em águas tão profanas quanto as do Tietê.
não havia ali nem um resquício daquela magia hidráulica que envolveu João e Jesus.
tudo aquilo era apenas encenação barata, poderia ter sido feito dentro de um estúdio sem o menor prejuízo fílmico.
assim, canalhíssimamente, os vendilhões do templo batizam seu novo messias.
mas é bom frisar. as forças progressistas nunca estiveram tão fortes e unidas.
toda aquela convulsão catártica que antecedeu o golpe, fez nascer uma nova esquerda, rejuvenescida.
e não é mais somente aquela esquerda de barbudos, operários e ex-hippies aburguesados.
é um coletivo das mais diversas colorações, etnias, classes sociais, faixas etárias e orientação sexual.
em meio ao caos, nas ruas, na luta, uma grande frente de esquerda se formou, diversa e inclusiva.
fazendo sombra ao agora velho petismo burocrático.
não é que a estrela do PT se apagou, é que surgiu no horizonte uma seminova ainda mais brilhante.
é do caos, como observaram Chaplin e Nietzsche, que nasce uma nova estrela.
palavra da salvação.
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