Djonga livre
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“Se eu reagisse todas as vezes que alguém me trata com discriminação, todo dia vazaria um vídeo meu” A frase é do rapper, compositor, historiador e escritor Djonga, um dos maiores nomes do rap brasileiro na atualidade, mas poderia ser de qualquer outro negro sobrevivente nesse planeta. De origem periférica, como a grande maioria dos pretos e pretas desse país, ele virou manchete no último final de semana, após ter metido a mão na cara de um segurança do Mineirão que praticou racismo contra ele num dos camarotes do estádio. Djonga era convidado da CBF para estar naquele local privilegiado e habitualmente reservado a branquitude. O que suscitou uma afirmação feita por uma inter nauta branca, e que foi compartilhada pelo rapper nos stories do seu perfil no instagram.
Assim dizia a moçoila euro descendente: “O cara invade o camarote e agride um segurança. Famoso acha que pode fazer o que quiser. “, uma versão atualizada, mas, nem tanto, do “preto agora pode tudo” Primeiro, vamos analisar o motivo que a fez deduzir que Djonga teria invadido o camarote. A resposta é fácil e dispensa a ajuda dos universitários. Racismo estrutural. Isso porque Djonga é um artista famoso e financeiramente bem-sucedido. Imagina o que não sofre outros pretos e pretas no cotidiano racista desta sociedade. Segundo, a desonestidade intelectual contida na afirmação, que sugere que a “transgressão” cometida pelo compositor, se deve ao fato de que, agora, preto acha que po de fazer tudo e alegar que está se defendendo do racismo.
Observando a repercussão do episódio, percebo que tal desonestidade intelectual também pautou as redações da mídia corporativa na condução do tema, o que motivou manchetes do tipo: “Djonga dá soco em segurança do Mineirão durante jogo do Galo”, “Rapper Djonga é conduzido pela PM após agredir segurança do Mineirão em jogo do Galo”, “Djonga é flagrado acertando soco em segurança em jogo do Atlético”, “Djonga dá murro em segurança no Mineirão” Os menos parciais se resumiram a um “Djonga alega ter sofrido racismo após acertar soco em segurança do Mineirão” Conforme Malco m X já havia dito, “Se você não tomar cuidado, a mídia fará você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e amar as que estão oprimindo. “ Óbvio, que dentro de um sistema opressor, onde as sociedades foram racialmente estruturadas, não só a mídia tem essa função de inverter as dores e os valores.
Ainda sobre Malcom X, ele também alertou a sociedade para que não confundisse a reação do oprimido com a violência do opressor. Ao desferir um soco no segurança do estádio que, com toda a certeza do mundo, deve ter proferido alguma fala racista contra ele, Djonga expressou o seu cansaço diante de um sistema racista baseado na imagem e nos arquétipos sociais que ela sempre criou. Nós, pretos e pretas desse país, sabemos que o tratamento que costuma nos ser dispensado é diferente do oferecido aos brancos. Seja na escola, na universidade, no trabalho, nas lojas ou nos estádios de futebol. Um resquício da colonialidade que promulgou a “alforria” dos pretos escravizados a contragosto e cu idou para que eles não fossem aceitos na sociedade em condição de igualdade.
Ninguém me perguntou o que eu achei da atitude de Djonga, mas eu digo. Sensação sensacional. E antes que apareça alguém da turma do "não é assim que se resolve as coisas" para querer criticar a reação que ele teve, deixa eu só vos lembrar de uma coisa. Durante quase 400 anos, o único direito que nós negros tivemos nesse país, foi o de não ter direitos. E isso vai de dignidade a reação. A violência sempre tatuou os nossos corpos da maneira mais cruel e desumana que se tem notícia na história da humanidade. E eu quero ver qual será o branco descendente de escravocrata invasor de terras alheias, traficante de seres humanos para escravizaç&a tilde;o e assassino físico e existencial dos meus ancestrais, que cairá no paradoxo de tentar me refutar sob o argumento de que violência gera mais violência.
O mais engraçado dessa história, é ler o depoimento do segurança branco que alega ter sofrido “violência física, moral e psicológica. ” Ou seja, o que para nós durante séculos foi, e, até hoje, nos é imposto sob a égide da lei, uma vez na vida e outra na morte, se é que podemos confiar no relato desse segurança, para eles é um crime abominável. Djonga is the new black monster a ser abatido pela sociedade racista brasileira. Djonga, eu e outros milhões de pretos e pretas que somos preteridos, destratados, ridicularizados, desvalorizados e colocados sob suspeição apenas pela cor da nossa pele, estamos cansados. E que fique claro que, a violência e a maldade do seu racismo, não receberão apenas textos, notas de repúdio e um manual antirracista como reação. Vai ter fogo e soco na cara dos racistas, quando assim julgarmos conveniente.
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