Dívida que continua sendo paga com o sangue do povo brasileiro
O Banco Central brasileiro é um vassalo dos bancos privados. Estes controlam o Copom, e o Copom controla as taxas de juros. Desconhece as duas funções essenciais de um banco central que é garantir um nível adequado de liquidez na economia e de favorecer o máximo emprego, tal como o FED norte-americano
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No tempo em que se preparava para assumir a Presidência da República, em 1985, Tancredo Neves costumava dizer que não pagaria a dívida externa, o grande problema econômico da época, com o sangue do povo. Pois foi justamente com o sangue do povo, na forma de uma taxa de desemprego sem precedentes, que a dívida externa foi sendo paga ao longo dos anos de 1980 até 2002 para grande alegria da banca internacional. O fato é que nos dois mandatos do príncipe dos sociólogos, a taxa de desemprego chegou a quase 14%. E a inflação, que aparentemente tinha sido batida, alcançou também a faixa dos 14%.
Os cínicos, os que não foram vítimas do desemprego ou da inflação, dirão que pagamos a divida quase sem sentir. Entretanto, num aspecto mesmo os cínicos tem razão: no primeiro mandato de Lula, graças às compras de commodities da China e à escalada de seus preços, fizemos altíssimos superávits comerciais e pudemos pagar a dívida junto ao FMI que nos havia sido legada por Fernando Henrique. E acumulamos, no mesmo período, o grosso das reservas internacionais que ainda temos hoje, quase 400 bilhões de dólares. Inteligência de Antônio Palocci, de Guido Mantega ou de Lula? Nada disso. Sorte. Condições internacionais.
Entretanto, o fato de termos pago a dívida externa, com sangue e sorte, não nos livrou da avidez dos vampiros financeiros. Por uma ginástica absurda, chamada de financeirização, transformamos grande parte da dívida externa em dívida interna, sobre a qual se aplicam as maiores taxas de juros do mundo. Essa mágica consistiu no seguinte: na medida em que o Brasil acumulava reservas em dólar, a contrapartida interna em reais era convertida em dívida pública a pretexto de enxugar a liquidez interna em moeda. A dívida aumentava, e o dinheiro equivalente não entrava na economia para ativar a produção, mas ficava na especulação.
Operação desse tipo, em diferentes formas, todas dependendo da pressão do sistema bancário, veio sendo exercida há décadas pelo Banco Central, o maior inimigo dos brasileiros. Certa vez, de brincadeira, disse ao Vice Presidente José Alencar, quando acabava de assumir o Ministério da Fazenda: “Presidente, aproveite agora que está com a mão na massa e mande cercar o prédio do Banco Central por uma bateria de tanques, com ordem de abrir fogo. O Brasil lhe será grato eternamente”. Para os que não se lembram dele, Alencar foi o maior crítico da política do Banco Central enquanto esteve no governo, porém sem ser ouvido.
O Banco Central brasileiro é um vassalo dos bancos privados. Estes controlam o Copom, e o Copom controla as taxas de juros. Desconhece as duas funções essenciais de um banco central que é garantir um nível adequado de liquidez na economia e de favorecer o máximo emprego, tal como o FED norte-americano. Há décadas, obcecado pela tentativa de controle de uma taxa de inflação que está fora de sua órbita, o Banco Central manobra a liquidez – ou seja, o suprimento de moeda na economia – de forma a garantir as elevadas taxas de juros que, por uma fórmula idiota, seria compatível com o nível desejado da inflação.
Como a chamada imprensa “especializada” brasileira é analfabeta em economia a despeito da presunção, essa política monetária, centrada no chamado modelo de metas de inflação que alguns candidatos presidenciais tanto adoram, praticamente não merece qualquer crítica, exceto de alguns de nós, blogueiros. Infelizmente, não formamos opinião, que parece ser um campo próprio dos jornalões. Enquanto isso, os trabalhadores brasileiros, padecendo de uma taxa de desemprego que logo chegará aos 15%, caminham para pagar com o próprio sangue o custo de uma dívida interna que nunca financiou nada, tendo apenas girado na especulação sobre si mesma, animada por taxas estratosféricas de juros.
Basta. Se o sistema político brasileiro não se inteirar essa situação grotesca ele será varrido de suas posições por inútil. Na realidade, estamos vivendo uma espécie de delírio coletivo em torno da questão da corrupção da Petrobrás e das empreiteiras, que de fato existiu, mas que é mínimo em relação ao que acontece com a corrupção institucionalizada do BC/banca privada. Os empreiteiros, não se esqueçam, deixam um legado. Está aí Tucuruí, Itaipu, Belo Monte, a grande engenharia do petróleo. E os bancos abutres? Quais são seus legados para a sociedade brasileira se nem financiar a produção financiam?
Aplaudido pelas conquistas que possibilitou na área social, o governo Lula, comandado na economia por Palocci, Mantega e Henrique Meirelles, cometeu a suprema falta de permitir a concentração do sistema bancário no país em mãos de apenas três bancos, Bradesco, Itaú e o espanhol Santander, que operam como um oligopólio fechado. Os empresários do sistema produtivo são reféns desses três. São eles que estipulam taxas de juros de até 300% e 400% no cheque especial e no cartão de crédito, nas barbas do Banco Central. Isso é um conluio. É um crime contra a sociedade. Seria melhor que quebrassem e fossem estatizados.
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