Discurso de Biden polariza ainda mais os EUA e mantém a estratégia de luta contra China e Rússia
Biden envia mensagem eleitoral ao país e de confronto geopolítico ao mundo
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José Reinaldo Carvalho, 247 - O discurso sobre o estado da União, pronunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na noite da última terça-feira (7), foi pálido como tem sido seu mandato e claudicante como seus índices de aprovação.
No front interno, foi uma tentativa de arregimentar forças do seu partido para medir as possibilidades de reeleição. O chefe da Casa Branca dá sinais de que não quer passar o bastão à sua vice, Kamala Harris, mostrando os limites de sua posição de dar espaço às mulheres e lideranças fora do universo branco. Quando se trata de ocupação de postos de mando, o que vale é a força dos interesses.
Biden tentou firmar posições tidas como "progressistas", segundo os conceitos em voga nas circunstâncias peculiares da sociedade estadunidense. Na verdade, são posições concernentes a direitos sempre vilipendiados em um país dilacerado por crises e conflitos decorrentes das profundas desigualdades sistêmicas do capitalismo. Ele introduziu na sua pauta temas como a cobrança de mais impostos dos ricos e menos dos pobres, políticas de saúde pública, segurança, tendo em vista a repetição de atos criminosos da polícia contra a população preta e pobre. Fez profissão de fé nos valores da "democracia" americana, acentuou o discurso nacionalista na disputa econômica com a China, deu indicações de maior protecionismo e comemorou duvidosos indicadores de progresso na economia.
O caminho de Biden para a reeleição não será fácil. O país está mais polarizado e, malgrado a situação pessoal de Trump, às voltas com processos judiciais, o Partido Republicano tem radicalizado suas posições de direita e vai jogar toda a sua força na tentativa de recuperar o governo. O próprio Trump não está descartado.
Em um país em franco declínio, Biden vendeu a imagem de um líder empenhado em promover o desenvolvimento mobilizando as capacidades estadunidenses, em um mundo no qual a economia do país perde terreno. Quer à sua maneira fazer a América grande de novo, como queriam Trump, Obama, Bush, Clinton etc., etc. Mais do mesmo.
"Estradas americanas, pontes americanas e rodovias americanas serão feitas com produtos americanos", o que por óbvio, desagrada também ao conjunto dos seus parceiros no exterior, a começar pelos aliados mais próximos da Europa.
No front externo, Biden manteve sua retórica de enfretamento à Rússia e apoio incondicional ao regime de Zelensky aliado de primeira hora dos fascistas de todos os matizes na Ucrânia, e seu instrumento na guerra global do imperialismo estadunidense pelo domínio do mundo. Pretendente ao posto de líder de uma frente mundial, deixou claro que considera a operação militar especial da Rússia na Ucrânia "um teste para a América e para o mundo", ignorando as preocupações de defesa, segurança e soberania da Rússia.
O chefe da Casa Branca exaltou a Otan, braço armado das potências imperialistas ocidentais: “Juntos, fizemos o que a América sempre faz de melhor”, disse Biden. “Nós lideramos. Unimos a Otan. Construímos uma coalizão global. Resistimos à agressão de Putin".
Dias antes, Biden anunciou mais um pacote de assistência militar ao regime de Zelensky no valor de mais de US$ 2.17 bilhões, incluindo mísseis de longo alcance pela primeira vez, além de ter confirmado o envio de 31 tanques avançados M-1 Abrams, uma decisão tomada em conjunto com os países europeus que fornecem tanques Leopard 2 fabricados na Alemanha.
Estas ações constituem a ultrapassagem das linhas vermelhas a que a Rússia se refere como limites do que o país euroasiático pode suportar na guerra para defender a soberania nacional e garantir a segurança territorial. É óbvio que a Rússia contabiliza essas ações como parte de uma estratégia ofensiva do imperialismo coletivo ocidental e vai reagir proporcionalmente.
Tudo isso deixa claro que longe de enviar um sinal de paz e equilíbrio do mundo, o presidente da maior superpotência do planeta enfatizou que está pronto para uma escalada guerreira.
Após o discurso, fontes diplomáticas estadunidenses informaram que muito provavelmente Biden fará uma viagem à Europa perto do aniversário de um ano do início da operação militar especial russa na Ucrânia, o que certamente acirrará os ânimos contra a Rússia.
Mas não foi somente contra os russos que Biden soltou petardos desde a tribuna do Capitólio. De maneira inopinada, ameaçou a China. "Se a China ameaçar a nossa soberania, nós iremos agir para proteger a nossa nação. E assim fizemos", afirmou, referindo-se ao recente incidente com um suposto "balão-espião” chinês, abatido quando sobrevoava os Estados Unidos por mero acaso, na semana passada.
Dois dias depois do discurso sobre o estado da União, o governo estadunidense emitiu comunicado oficial "detalhando" as características do balão chinês de pesquisas meteorológicas como "inequivocamente espião", equipado com dispositivos para coletar dados de Inteligência, e não meteorológicos. O Departamento de Estado se diz convencido de que o equipamento do balão "era claramente para vigilância de Inteligência e era inconsistente com o equipamento a bordo dos balões meteorológicos".
Funcionários graduados do governo dizem que o balão estava sob controle do Exército Popular da China e que faz parte de uma frota de balões enviados por Pequim para mais de 40 países nos cinco continentes para coletar informação de Inteligência.
Como é óbvio, a China rechaçou imediata e peremptoriamente: "A comunidade internacional sabe muito bem quem é o campeão mundial em espionagem e vigilância", disse a porta-voz da Chancelaria, Mao Ning, referindo-se aos Estados Unidos.
A política interna dos EUA vive um momento de exacerbada polarização entre democratas e republicanos, bidenistas e trumpistas. Mas quando o assunto é China, sobrevém a unidade em torno de um anticomunismo das cavernas. Uma resolução votada por unanimidade nesta quinta-feira na Câmara de Representantes, condena "o uso pelo Partido Comunista Chinês de um balão de vigilância de alta altitude sobre o território" americano, considerando-o "uma violação descarada da soberania dos Estados Unidos".
E no estilo próprio do ex-secretário de Estado Mike Pompeu (governo Trump), que atribuía todos os males do mundo ao Partido Comunista da China, o deputado republicano e autor da resolução Michael McCaul asseverou: "A boa notícia é que [o caso do balão] fortaleceu a oposição do povo americano ao regime comunista do presidente Xi". É o mesmo espírito de outra resolução em que deputados americanos condenam os “horrores do socialismo”, um texto apresentado por uma deputada republicana com o apoio de 109 deputados democratas.
No discurso pronunciado sobre o estado da União, embora dizendo que pretende continuar "trabalhando com a China" e que as relações do seu império com o país socialista asiático serão doravante de "competição, não confronto", ficou nítido que a baliza deste relacionamento é o que se encontra estabelecido desde o início do mandato e na estratégia de segurança nacional atualizada em outubro do ano passado, em cujo centro encontra-se a contenção da República Popular da China.
Diálogo com Lula
Decerto, Biden e Lula têm preocupações a compartilhar sobre as ameaças que ambos sofreram com as intentonas golpistas da extrema-direita lá e cá. Quiçá, cheguem a conclusões úteis para ambas as partes.
Mas no contexto das confrontações geopolíticas em que o imperialismo estadunidense é o protagonista, não passam de ilusórias as propostas de formar com os Estados Unidos e seus aliados da Otan uma frente pela democracia no mundo. Quando Biden se refere a isso e explicita a prioridade do enfrentamento ao que chama de "tiranias", seu modelo é o da "Cúpula pela Democracia" de dezembro de 2021, em que a democracia não passou de um invólucro para instrumentalizar sua ofensiva contra a Rússia e a China e, no âmbito regional, Cuba e Venezuela.
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