Direitos humanos no rádio

O rádio também pode promover os direitos humanos, que no geral vêm sendo tão desprezados por comunicadores reacionários no Brasil e no mundo



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

No mais recente 13 de fevereiro, foi comemorado o Dia Mundial do Rádio. Em boa utilização desse aniversário, a diretora-geral da UNESCO Irina Bokova declarou que o acesso público à informação é essencial para fortalecer o Estado de Direito. E mais:

“A alfabetização midiática e informacional nunca foi tão essencial para construir a confiança na informação e no conhecimento, em uma época em que as noções de ‘verdade’ são desafiadas”. O que vale dizer, o rádio também pode promover os direitos humanos, que no geral vêm sendo tão desprezados por comunicadores reacionários no Brasil e no mundo. 

Bem sei por experiência a intensidade da luta no ar, que não gera socos no vazio. Há muito, conheço como anda a opinião pública intoxicada de ódio e terror.  Lembro, primeiro, de um programa de direitos humanos no rádio, o Violência Zero, em que estivemos eu, Rui Sarinho e Marco Albertim, o  excelente escritor e jornalista que perdemos há pouco. No estúdio da Rádio Tamandaré do Recife, na altura dos anos 80, sentíamos a disputa de ideias na sociedade recifense entre punir sem medida e o direito à justiça. Ainda que sem método científico, pelos telefonemas dos ouvintes notávamos que a divisão entre os mais bárbaros e civilizados era quase meio a meio.

continua após o anúncio

Naquele tempo do Violência Zero no rádio, ainda não sofríamos o massacre das imagens repetidas na televisão, nem estávamos num momento de crescimento da direita no congresso. A luta era pelo alargamento dos limites da democracia. Havíamos saído de uma ditadura, mas a dominação ainda não vinha dos deputados e senadores mais afoitos contra os direitos humanos. Antes, as insinuações do “só vai matando” ficavam restritas aos guetos dos programas policiais no ar.

Na Rádio Tamandaré, militávamos – pois o nosso jornalismo era uma militância sem descanso - aos sábados no Violência Zero, com patrocínio do Ministro da Justiça Fernando Lira. E na mesma rádio, aos domingos pelas manhãs, vinha o Acorda, Camponês.  O Acorda era patrocinado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco, e foi uma coisa muito bonita, até em resultados de audiência. Durante vários meses o Acorda, Campónês foi líder de audiência do rádio em Pernambuco, a partir das 5 da manhã, e de tal modo que chegou a “derrubar” o legendário Forró do Lacerdinha, da Rádio Clube, que existia no rádio desde quando éramos criancinhas.

continua após o anúncio

Para o leitor ter uma ideia da repercussão desse programa, divulgo duas cartas que nos foram dirigidas, e que lemos no ar. De passagem, devo dizer que só recebíamos as cartas porque elas iam para o endereço da Federação dos Trabalhadores, caso contrário poderiam ser lidas por terceiros  e arremessadas ao lixo da emissora. Para esse nosso Acorda, Ruy Sarinho e Marco Albertim produziam, faziam reportagens e editavam. Eu me improvisava de apresentador, com direito a virar repórter, sempre que necessário.  O certo é que duramos dois anos no ar todos os domingos, das 5 às 6 da manhã. Os usineiros e donos de engenho de Pernambuco a princípio não sabiam que o programa era gravado, e ligavam para a emissora, ameaçando invadir o estúdio para acabar na bala aquela subversão.

Como era possível um programa de denúncia, de esclarecimento dos direitos do trabalhador do campo, ser tão ouvido e amado? Em outra oportunidade, tentaremos responder.

continua após o anúncio

No fim, o “Acorda, Camponês” saiu do ar de forma brusca, sem aviso prévio, como quem despede um moleque, na Rádio Tamandaré, do Sistema Verdes Mares de Comunicação. Notem: era um programa pago à emissora, no preço que ela ditou, com números recordes de audiência, em um horário “morto” da madrugada. E fomos cortados de forma arbitrária, sem explicações. Fiquemos então com este feliz acaso, descoberto pela senhora Francêsca, que suporta a pessoa do colunista no papel de marido. Olhem só a cópia de duas cartas:

“Engenho  Pranalto, 17-5-88

continua após o anúncio

Saudação

Eu estou escrevendo esta minha carta a este brilhante maravilhoso programa acorda camponês, que eu estou toda de manhã com o meu rádio no travesseiro ouvindo acorda, camponês. Eu  fico muito feliz de ouvir vocês falar. Vocês falam que está difícil pra essa reforma da terra sair. O que está faltando é se unir todos os trabalhadores, se unir um com outro trabalhador, rurais da cidade e periferia, trabalhadores das indústrias, todos esses trabalhadores se unir.  Então assim essa reforma agrária da terra era resolvida.

continua após o anúncio

Esteja sempre ao nosso lado nos ajudando. Vocês sabem, tudo unido vai avante, assim nós seremos nós mais nossa luta. Vocês olhem e pensem e meditem das produções e demais trabalhadores do campo. Nos ajudem para nós alcançar a vitória da reforma agrária da terra.

Lembrança ao radialista que foi ao acorda, camponês. Eu também vai lembrança e um forte abraço pra Sinésio. Não se esqueça de mim. Todo domingo estou ligado ao programa acorda camponês.  Aqui eu fico com estas minhas palavras. Desculpe os erros.

continua após o anúncio

Fim

Francisco Gomes Barbosa”

continua após o anúncio

“Engenho Acaú,  3  de  4  de 88

Prezados companheiros que fazem o programa acorda camponês. É pela terceira vez que escrevo para este maravilhoso programa. Venho por meio desta dizer-lhes que sou um ouvinte autêntico deste programa e do violência zero.  Aí vai o nosso sincero abraço para todos que fazem os mesmos… Companheiro, aí vai um apelo para que a Fetape, a Contag e todas as entidades sindicais façam esta pergunta a nossas autoridades, que constituem o nosso país, principalmente o nosso ministro e ao nosso presidente e governo do estado Pernambuco, e todos os trabalhadores de Pernambuco queremos saber desta resposta.

Eis aí:

Como podemos viver neste país? Se roubamos, vamos presos. Se assaltamos, também. E se vamos trabalhar para alimentar os nossos filhos e para a grandeza do nosso  país, somos mortos. Só agradecemos todos os trabalhadores de Condado.

Peço que leia, mas não anuncie o meu nome, pra eu não ser ameaçado, que aqui a boca é quente. Nós do município de Condado queremos justiça pelo que aconteceu em nosso município e vem acontecendo em nosso país. Só nosso sincero abraço, assina aqui o trabalhador

(Nome riscado), Acaú de Baixo, Condado – PE

E assim terminamos a nossa defesa dos direitos humanos no rádio. A razão foi mais alta e séria, como descobrimos um mês depois: no Violência Zero, na semana anterior à nossa expulsão, fizemos uma reportagem sobre a venda de milagres por evangélicos da Assembleia de Deus. Expulsaram-nos do templo e em menos de 30 dias a igreja dos milagres comprou a emissora. Hoje, a Tamandaré do Recife é 100% Jesus. Em dúvida, olhem http://radiotamandare.com.br/

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247