Direitos adquiridos ou privilégios adquiridos?

É controvertida decisão do STF em relativizar a “coisa julgada”, mas tem o mérito de enfrentar a lógica perversa do patrimonialismo institucional brasileiro

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) - 15.12.2022
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) - 15.12.2022 (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)


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 O Plenário do STF considerou que uma decisão definitiva, contra a qual não cabem mais recursos, a chamada “coisa julgada”, sobre tributos recolhidos de forma continuada, perde seus efeitos caso a suprema corte se pronuncie em sentido contrário em algum momento, pois, de acordo com a legislação e a jurisprudência, uma decisão, mesmo transitada em julgado, produz os seus efeitos enquanto perdurar o quadro fático e jurídico que a justificou. Havendo alteração, os efeitos da decisão anterior podem deixar de se produzir.

 O ministro Barroso, que conduziu a tese vencedora no julgamento, afirmou que não se pode falar em prejuízo às empresas uma vez que, no caso em debate, o STF validou o imposto em 2007 e, desde então, as empresas deveriam ter passado a pagar ou, no mínimo, ter provisionado recursos para esta.  

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 Bem, a decisão foi unânime e vale apenas para tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, aqueles cuja cobrança se renova periodicamente, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), nos casos dos tributos cobrados uma vez só, como, por exemplo, o ITBI, que incide sobre a venda de um determinado imóvel, se houver uma decisão transitada em julgado, como a relação é única, esse direito permanece, mesmo após decisão contrária do STF sobre o tema.  

 Isso faz com que a retomada do pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes que já tinham decisões definitivas de outras instâncias desobrigando o recolhimento. O ministro Barroso explicou: “não se cobra para trás. Somente para frente, após a decisão do STF de 2007”, o que não é pouco.  

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 Grandes empresas estimam perdas milionárias após o STF a decisão, pois, aa prática essa decisão do STF afirma que todas as empresas podem ser cobradas retroativamente, observando-se o prazo prescricional, por tributos  que não estavam pagando em função de decisões judiciais.  

 Antes um contribuinte que tivesse obtido uma sentença favorável na Justiça não perdia o direito declarado em sentença transitada em julgado, caso o STF decidisse de forma diferente no futuro.  

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 A única forma de “quebrar” a proteção garantida no passado era por meio de uma ‘ação rescisória’ específica, respeitados os prazos processuais. Agora, as decisões em temas tributários perdem efeito a partir do momento em que há um julgamento diferente pelo STF, ou seja, foi relativizado o trânsito em julgado.   

 A corte decidiu que sequer aplicará a “modulação dos efeitos” e com isso empresas que antes estavam isentas não só voltarão a pagar o tributo, como poderão ser cobradas retroativamente.  

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 Sejamos cordatos, trata-se de uma decisão geradora de insegurança jurídica, seria esse mais um caso de judicialização da política? Penso que não, mas não podemos negar que o tema contido na decisão do caso concreto, decorre do deslocamento para o STF de questão que deveria ser resolvida no congresso.  

 Mas será que a decisão é justa e leva em conta outros princípios?

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 Fato é que quando alguém nos perguntava se o Judiciário poderia “relativizar” ou “quebrar” a “coisa julgada”, nossa resposta era: não! Pois, a “coisa julgada”, ao lado do “direito adquirido” e do “ato jurídico perfeito”, são princípios assegurados pela própria constituição, com o objetivo de consolidar posições jurídicas passadas; de agora em diante o que vamos responder?  

 Mas sabemos que as coisas não são lineares no Direito.  

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 Para responder as questões me aproprio, com todo respeito, de reflexão do professor Oscar Vilhena Vieira, vinculado à FGV, mestre pela Universidade Columbia (EUA) e doutor pela USP, que nos coloca para pensar quando pergunta no artigo “O patrimonialismo institucionalizado”, se “o princípio constitucional do “direito adquirido” serve para proteger um “privilégio adquirido”, como se “autêntico direito” fosse”? Ou, se “uma sentença judicial, ainda que inconstitucional, merece receber a garantia do “trânsito em julgado”?

 Ele ainda pergunta: “como lidar com uma sentença judicial, transitada em julgado, que criou um regime jurídico privativo que beneficia apenas um contribuinte, distinto daquele estabelecido pela lei geral, que se aplica a todos os demais contribuintes?”

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 O fato é que estão em confronto dois valores fundamentais do Estado democrático de Direito: (a) a exigência de que todos sejam tratados de forma igual perante a lei e (b) a segurança jurídica, que protege direitos legitimamente adquiridos, por determinação legal, sentença judicial ou contrato.

 Para o professor “a ideia de lei geral, que a todos se aplica, jamais foi plenamente incorporada à cultura política brasileira. A capacidade de setores importantes da economia ou do serviço público de esculpir privilégios, em conluio com o legislador ou com o Judiciário, não pode ser minimizada”; a reflexão é sobre a nossa desigualdade estrutural, que não é um acaso, mas fruto de um processo de consolidação institucional de privilégios de alguns setores em detrimento do restante da sociedade.  

 É controvertida decisão do STF em relativizar a “coisa julgada”, mas, segundo Oscar Vilhena Vieira, ela tem o mérito de enfrentar a lógica perversa do patrimonialismo institucional brasileiro. No caso esse enfrentamento ocorre em detrimento da segurança jurídica.  

 A mitigação das consequências dessa decisão do STF, deveria sofrer modulação, para se determinar um prazo razoável a partir do qual todos, sem exceção, estariam obrigados a recolher o tributo.  

 Essas são as reflexões.  

 e.t. se a relativização da “coisa julgada”, do “direito adquirido” e do “ato jurídico perfeito”, chegar a algumas carreiras do serviço público federal, estadual e municipal, com objetivo de eliminar ou mitigar privilégios históricos fantasiados de “direito adquirido”, as coisas poderão começar a mudar de verdade.  

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