Dilma Rousseff: discurso importante

A própria presidenta, ao falar que o golpe não é contra ela, mas contra o que ela representa, dá a pista: a classe dominante brasileira não tem compromisso com a democracia

Brasília - DF, 02/10/2015. Presidenta Dilma Rousseff durante anúncio da reforma administrativa do Governo Federal. Foto: Ichiro Guerra/PR
Brasília - DF, 02/10/2015. Presidenta Dilma Rousseff durante anúncio da reforma administrativa do Governo Federal. Foto: Ichiro Guerra/PR (Foto: Valter Pomar)


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É importante assistir o firme discurso feito pela presidenta Dilma Rousseff na abertura do 12º Congresso da CUT.
 
O discurso pode ser visto aqui: https://youtu.be/TplKFPe-0lo

Todo apoio à presidenta Dilma contra o golpismo. E folgo em vê-la firme e decidida.
 
Entretanto, para que nosso combate ao golpismo tenha maiores chances de êxito, dizemos à presidenta: mude imediatamente a política econômica.
 
Evidentemente, a presidenta tem outra visão. 
 
Ela considera que o ajuste conduzido pelos ministros Levy & Barbosa é necessário para o reequilíbrio fiscal, depois do que viria atransição para um novo ciclo de desenvolvimento.
 
Na minha opinião, a presidenta está equivocada, por dois motivos principais.
 
Este ajuste não está provocando, nem vai provocar equilíbrio, entre outros motivos devido à política de juros e a queda na arrecadação. 

E o desgaste político causado por este ajuste ajuda as forças golpistas, agora e/ou em 2018.
 
Portanto, o reequilíbrio das contas & um novo ciclo de desenvolvimento pretendidos pela presidenta estão no plano das boas intenções.
 
Isto posto, o que mais me chamou a atenção no discurso da presidenta Dilma não foi sua (previsível) opinião sobre a política econômica.
 
O que mais chamou minha atenção foi o que ela disse acerca de quatro outros assuntos, emitindo opiniões que ajudam a entender por qual motivo estamos (nós e a presidenta) na situação atual.

1
 
Logo no início do discurso, a presidenta explica que no combate aos efeitos da crise internacional chegamos a um limite orçamentário.
 
Em certo sentido, é verdade. 
 
Mas por qual motivo, desde 2006 e até agora, mesmo nos momentos em que estávamos melhor do ponto de vista econômico e político, não fizemos reformas estruturais que permitissem ampliar os tais "limites orçamentários"?
 
Verdade seja dita, quando ainda não era oficialmente candidata, a então ministra Dilma Rousseff já nos informara sua opinião acerca da reforma tributária (e também da reforma agrária).
 
A questão é: se quando estamos fortes não tentamos fazer reformas, se quando estamos fracos não podemos fazer reformas, então não faremos reformas nunca. 
 
E sem reformas estruturais, a nossa capacidade de melhorar a vida do povo estará sempre limitada não apenas pelo orçamento, mas pelo conjunto de "circunstâncias" estruturais que caracterizam o capitalismo brasileiro. 

Aceita esta limitação, nos converteremos em administradores, cuja rebeldia é dada pela elasticidade tolerada pela própria ordem das coisas, maior em algumas conjunturas, menor em outras.


2
 
Em todo o seu discurso, a presidenta Dilma fez um duro ataque contra o golpismo e um ataque direto ao falso moralismo de Eduardo Cunha, sem citar seu nome nem partido, o PMDB.

Igualmente, condenou as tenebrosas "ditadura", salvo engano omitindo o termo "militar".
 
Ela está correta no que diz sobre a oposição, mas causa espécie a ausência de qualquer referência à postura do grande capital e ao oligopólio da mídia.
 
Coube ao plenário do Congresso da CUT, para quem a presidenta Dilma discursava, lembrar que "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo".
 
O golpismo não é um fenômeno conjuntural, nem limitado a oposição partidária. Oposição que tem pecados muito maiores do que os de votar contra medidas que "eles próprios aprovaram no passado", até porque algumas destas medidas são agora propostas por quem igualmente votou contra elas no passado. 
 
A própria presidenta, ao falar que o golpe não é contra ela, mas contra o que ela representa, dá a pista: a classe dominante brasileira não tem compromisso com a democracia. 
 
Mas se é assim, fica a questão: nós fizemos tudo o que poderia ter sido feito, desde 2003, para ampliar a democracia? 

E neste momento, estamos fazendo tudo o que deve e pode ser feito contra os que instrumentalizam e partidarizam a ação da Justiça, do Ministério Público, da Polícia Federal e das concessões públicas de Rádio e TV?
 
 
3
 
A presidenta fez um duro ataque contra o ódio e a intolerância da oposição. 
 
Ela tem toda razão e poderia ter dito muito mais, até porque é pessoalmente vítima cotidiana de agressões. 

Mas ela não está certa ao dizer que este ódio é contraditório com os "valores fundamentais" de nosso país, que seria formado por "etnias diferentes", "tolerante em relação as pessoas" etc.
 
Como já disse um petista que infelizmente não está mais entre nós, é um mito falar em democracia racial. Analogamente, é um mito qualquer visão que oculte o fato de que nosso país também é marcado por brutais desigualdades, atravessado por uma violência sistêmica e profundos preconceitos. 
 
Violência e preconceito que tem endereço, CIC e RG: a classe dominante e seus mimetizadores entre os setores médios. 
 
Assim, da mesma forma que a presidenta disse que "nenhum trabalhador deve baixar a guarda", também caberia dizer que nenhum governante ou parlamentar do campo popular deve baixar a guarda. 

O que significa dizer que é preciso, sim, fazer guerra políticacontra o ódio e a intolerância, que não serão derrotadas com bons modos.
 
4
 
A presidenta Dilma, depois de tudo o que aconteceu em 2013 e 2014, insiste em comemorar a criação de "uma das maiores classes médias do mundo", dizendo ainda que esta "população que passou a consumir que passou a ter direitos, acesso a serviços" constitui a "maior riqueza" do Brasil.

A presidenta pode e deve comemorar cada ampliação do bem-estar e da capacidade de consumo do povo. E muito ainda deve ser feito, para que o povo viva com dignidade. 

Mas quem constitui a maior riqueza de nosso país é nossa classe trabalhadora

Foram milhões de trabalhadores e de trabalhadoras que melhoraram de vida graças aos governos Lula e Dilma. 
 
Dizer a estas pessoas que elas, porque melhoraram de vida, converteram-se em "classe média" é, para além de qualquer debate sociológico, um erro político gravíssimo. 
 
Erro que ajuda a entender grande parte dos problemas que vivemos hoje, pois na prática houve uma disjuntiva entre ampliar a classe média através do consumo versus organizar e politizar a classe trabalhadora
 
#

O discurso da presidenta Dilma no Concut foi muito importante. 

Estamos juntos na luta contra o golpismo, pela manutenção e ampliação das liberdades democráticas. 

E a melhor maneira de defender as liberdades democráticas, a legalidade e o governo Dilma, é mudar a política econômica de ajuste fiscal recessivo e neoliberal. 

Qualquer outra maneira pode conduzir a vitórias, mas serão de Pirro. 

Mais detalhes: http://valterpomar.blogspot.com.br/2015/10/roteiro-para-analise-de-conjuntura.html

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