Diário do confinamento social, Pedrinho
Segundo dados do ministério da saúde, de 2009, dezoito mil crianças são vítimas de violência doméstica no brasil. A violência intrafamiliar pode ocorrer de várias formas como: violência física, verbal e emocional.
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ainda no início da aula, a professora anunciou que, por causa do coronavírus, parques, shoppings, clubes, sorveterias e lanchonetes estariam fechados por pelo menos duas semanas.
a molecada achou estranho, mas compreendia as explicações da tia.
mas quando ela disse que a escola também ia fechar as portas, pedrinho, ao contrário dos coleguinhas, ficou triste.
no final da aula, a professora, percebendo a mudez melancólica do garoto, foi até sua cadeira e tentou confortá-lo.
“pedro, não fica assim, sei que você gosta da escola e de estar com os coleguinhas, mas veja o lado bom... seus pais também vão estar em casa todos esses dias. nem nas férias você teria a chance de ficar tanto tempo com a sua família.”
pedrinho a olhou com aqueles olhinhos tristes que foi se desenhando em seu rosto com o passar do tempo.
“por isso que eu tô triste, tia.”
quando pedrinho era um bebê, sua mãe ligava para as amigas e parentas para anunciar os avanços precoces da criança.
“já nasceram os dentinhos de baixo, mamãe, quando eu era da idade dele ainda só arranhavam a gengiva.”
pedrinho crescia e a cada dia sua mãe tinha uma novidade. era pedrinho numa mão e o smartphone na outra.
“pedrinho falou mãinha hoje, helena, tu acredita? a primeira palavra foi logo mãinha! sua filha demorou mais tempo e falou primeiro o nome do pai, num foi? ah, é verdade, foi dinda.”
quando o sacana desceu do colo da mãe e começou a andar de gatinho, o pai comprou logo um voador cheio de chocalhos, porque engatinhar toda criança da idade de pedrinho engatinhava, o moleque precisava andar.
“joana, olha só quem tá andando”, ela mostrava o video do filho fazendo um enorme esforço para se equilibrar nas perninhas frágeis, três passos depois ele tava no colo do pai, que sorria de orelha a orelha.
e assim, depois de balbuciar pedaços de palavras, dar os primeiros passos e dentificar os mamilos da mãe, pedrinho passou a falar sem parar, correr de um lado para o outro e morder tudo o que encontrava pela frente.
a mãe, que tava louca pra ver a cria andar e correr, passava a dar bronca na criança na hora de comer, de tomar banho, de pentear o cabelo... “fica quieto, peste, diabo de menino que num consegue ficar parado”.
a noite, pedrinho resolvia fazer perguntas estranhas pro pai: “calaboca, pedro, deixa eu ver meu jornal. ô, preta, leva seu filho daqui, parece que esse diabo engoliu um rádio”.
quanto mais crescia, mais aumentava sua energia.
a casa era uma pista de corrida onde ele voava veloz e viril. pedro descobria palavras novas, testava sua configuração semântica, sua musicalidade e seu sabor.
aprendeu a assoviar, cantava alto e desafinado, subia no armário, no encosto do sofá, no parapeito da janela...
os pais ficavam pouco com ele, porque trabalhavam o dia todo. gorete, a babá, achava engraçada as peraltices da criança e morria de rir de suas perguntas esquisitas e das traquinagens que ele fazia.
a noite, tudo mudava.
estressados do trabalho cacete e do trânsito infernal, a mãe chegava louca pra tirar os saltos e esticar as pernas, o pai só queria ver o jornal enquanto tomava um drink pra relaxar.
e pedrinho queria atenção, contar tudo o que fez no dia, mostrar o arranhão na canela, o galo na testa, e fazer perguntas.
em pouco tempo passou a ganhar palmadas.
depois, o pai passou a tirar o cinto e lhe dar umas boas lapadas nas pernas e nas nádegas.
e a vida daquela criança virou um sofrimento e um inferno.
com o passar do tempo, com tanta agressão psicológica e física, pedrinho se tornou calado e brigão na escola.
ao chegar em casa, depois da aula, ele chorou e amaldiçoou o coronavírus, essa quarentena seria os piores dias de toda a sua vida.
palavra da salvação.
ps: o lar deveria ser doce para toda criança, mas infelizmente não é.
segundo dados do ministério da saúde, de 2009, dezoito mil crianças são vítimas de violência doméstica no brasil.
a violência intrafamiliar pode ocorrer de várias formas como: violência física, verbal e emocional.
as crianças que crescem e se desenvolvem nessas circunstancias, têm uma grande possibilidade de crescer e desenvolver padrões comportamentais semelhantes aos seus familiares, tornando- se uma pessoa agressiva e/ou propensa à criminalidade. (SILVA et al., p.1092, 2014).
o unicef aponta que 80% das agressões físicas em crianças e adolescentes foram causadas por parentes próximos e a cada hora uma criança morre vítima de violência dos próprios pais.
#ficaemcasa mas fica de boa.
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