Desvirtuamento das políticas públicas
Fomos jogados ao fundo do poço institucional, acadêmico, científico e tecnológico, quer olhemos para a indústria, quer para a formação científica
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A ação de Arthur Lira na Câmara dos Deputados é puramente fisiológica. O poder de comando do Parlamento permanecerá, à revelia de ainda vivermos sob um regime presidencialista - presidente fraco, incapaz e criminoso, mas ainda presidente. O sequestro do orçamento demonstrou o perverso equilíbrio entre interesses parlamentares e a inépcia governamental. Sabemos que nem toda emenda parlamentar será objeto de corrupção ou falcatrua. O problema maior, penso eu, considerada a licitude do gasto, é sua pulverização e não adesão a políticas públicas consistentes e articuladas. Sim, são termos inexistentes no atual desgoverno, mas que podem voltar a existir em um governo futuro, é o que todos esperamos. Devemos nos lembrar que o Constituinte de 1988 elaborou uma Carta Magna com todas as características e estruturas de um regime parlamentarista, mas, no último momento, deixou para a população decidir no plebiscito. O problema é que, refutado o parlamentarismo nas urnas, não foi reescrita a Constituição e criou-se o presidencialismo de coalizão. E as emendas à Carta foram cada vez mais reforçando essa natureza, ao invés de corrigi-la e adaptá-la ao que o povo decidiu, reforçando as políticas públicas de iniciativa e realização do Executivo.
O governo atual usa o caos como método e não há qualquer interesse na sociedade que o sustenta. A única meta bolsonarenta é a reeleição do despresidente por meio do caos multifacetado. Há notória idiossincrasia entre os esforços para redução da pobreza feita por parte da sociedade civil - pobreza essa intensificada pelo atual governo, precisa ficar bem claro - e o desdém como foram tratadas tais iniciativas na esfera palaciana. Certo que os que ainda sustentam o presidente são adeptos do assistencialismo aos miseráveis, ao invés de políticas públicas de inclusão social e combate à fome. Mas o descaso com o país e a estratégia apenas eleitoreira já passaram, há muito tempo, dos limites da sanidade e do aceitável. É, portanto, cru e verdadeiro o tom da tragédia ao vermos que o Brasil está se desmanchando. As pessoas estão apenas a assistir, com os dois sentidos, com ou sem preposição: ajudar a posteriori ou apenas ver pelas imagens o sofrimento alheio. Reflexo dos governos que possuímos, apostando apenas na passividade ou no assistencialismo, repito, nunca na ciência da prevenção.
Quanto às políticas de relações externas, o “nanismo diplomático” revela a insignificância internacional a que chegou nosso país, cujo despresidente se equivale ao personagem de Peter Sellers em “O rato que ruge”, filme britânico de 1959. O misto de loucura e presunção de importância leva ambos a quererem salvar seus domínios por meio de guerras, no filme, contra os EUA, no Brasil, contra ameaça comunista que nunca houve. Chacotas auto-impingidas à parte, é muito grave que o mandatário dê aval a ações de autocratas contestados pelos demais países.
Na educação, outro inferno messiânico. Há muito sabemos ser explosiva a mistura entre fé e poder. O desgoverno de Bolsonaro tem confirmado a tese na prática e o escândalo do orçamento “do culto” na Educação, em complemento ao orçamento oculto no Parlamento, é apenas um desses elementos, com pastores conduzindo “re-ganhos”. Não há surpresas quanto à corrupção: foi o escândalo da vez, ainda que aquilo que nos chega são apenas as pontas dos icebergs distribuídos ao longo da Esplanada dos Ministérios. Mesmo com a saída do ministro da Educação, continuam o despresidente no Palácio do Planalto e o Centrão no poder. A única contribuição didática de Milton Ribeiro foi mostrar a todos que, mesmo quem tem porte legalizado de arma, está sujeito a ferir outras pessoas. Com o controle hoje existente, o funesto ex-ministro burlou as regras e machucou uma funcionária de companhia aérea. Imaginemos o que virá com a proliferação do acesso aos armamentos e o relaxamento das normas de uso promovidos pelo atual desgoverno e sua beligerante bancada da bala.
O despresidente promoveu outra série de ilegalidades ao se lançar candidato, clamando por um messianismo existente apenas em seu nome do meio. Não que deva ser o verdadeiro bem contra o estabelecido mal, mas que tenhamos a derrota da barbárie para trazer a civilização de volta ao Palácio do Planalto, assunto de reflexão anterior (https://www.brasil247.com/blog/democracia-ou-barbarie-u52kn875).
No âmbito da ciência e dos pesquisadores, fomos jogados ao fundo do poço institucional, acadêmico, científico e tecnológico, quer olhemos para a indústria, quer para a formação científica. Vivemos o pior dos dois mundos, pois nem a ciência e os cientistas são valorizados em sua formação, com bolsas em valores defasados e pífios recursos para a pesquisa experimental, nem os que deveriam fazer a inovação no país, ou seja, as indústrias, os buscam para compor seus quadros e fundamentos de trabalho e investimento. Não basta mostrar todos os dados acumulados por décadas mundo afora que revelam ser a ciência e tecnologia a base para o salto social de qualidade que os países desenvolvidos deram. Em nossa República da cloroquina, parece que saber ler e escrever já é ter um olho, ainda que míope.
Por fim, editoriais dos jornalões, ainda que destacando os méritos da esquerda na eleição portuguesa, não deixam de incluir um “mas” na análise. O povo reconhece os ganhos sociais com as políticas públicas lá adotadas, ainda que o crescimento da extrema-direita esteja mais associado à nefasta onda que varre a Europa - o mundo, na verdade - do que a um movimento político natural e legítimo. Por aqui, outubro aguarda os bons ventos de além-mar.
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