Desmentindo as fake news da direção da Eletrobrás privatizada

O caso da privatização da Eletrobrás não encontra paralelo no mundo, pois, por aqui, o único sócio prejudicado é justamente o poder público

Lula, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes
Lula, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Foto: ABR)


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Não é segredo que o Presidente da República, assim como seu partido e a maioria dos partidos que o apoiaram no último processo eleitoral, têm se manifestado contrariamente à privatização da Eletrobrás desde antes desta ter sido aprovada no congresso nacional, ainda na qualidade de pré-candidato à presidência da república.

O próprio programa de governo do então candidato Luís Inácio Lula da Silva, já indicava a necessidade de “recuperar a Eletrobrás como patrimônio do povo”.  

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Então não há que se alegar surpresa, quanto à mudança de enfoque de um governo, que além de maior acionista da empresa é também o representante do titular das concessões de geração e transmissão de energia elétrica operadas pela Eletrobrás. Ainda mais considerando que a operação de privatização ocorreu menos de cinco meses antes do pleito eleitoral.

De toda sorte, após as primeiras declarações do presidente da república e, principalmente, após o ingresso da n° 7385 ADI por parte do governo federal, imprensa brasileira tem publicado uma enxurrada de desinformação a cerca do conteúdo do pleito do governo federal, do setor elétrico e da própria Eletrobrás.

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Sabemos que a direção da Eletrobrás privatizada contratou uma consultoria de comunicação por R$ 47 milhões, visando justamente fazer frente à ofensiva do governo federal para reaver seus direitos políticos na empresa. Certamente essa montanha de dinheiro está relacionada com a profusão de editoriais e matérias em defesa da criminosa privatização, que tem se proliferado nos principais órgãos da mídia corporativa brasileira.  

Sendo assim, este artigo pretende elencar e responder a alguns dos argumentos, ou melhor seria, fake news, mais difundidos pelos meios de comunicação do país, que aliás, muito raramente procuram ouvir especialistas que não sejam os que comungam de uma mesma visão de mundo propagada pelo capital financeiro.

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Abaixo algumas das alegações mais comuns sobre o pleito do governo federal em reaver os direitos políticos de sua participação acionária nas Centrais Elétricas Brasileiras:

1. A ação do governo compromete a segurança jurídica no país.

 A segurança jurídica no Brasil está garantida justamente pelo funcionamento independente e harmônico dos três poderes.

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 É prerrogativa do executivo editar medidas provisórias, como foi o caso da MP 1.031/21, que deu origem à lei 14.182/21, assim como é prerrogativa do Congresso Nacional votar e aprovar tais Medidas Provisórias. Mas também é prerrogativa do novo chefe do poder executivo, na qualidade de acionista da Eletrobrás e titular do serviço público de geração e transmissão de energia elétrica, questionar, ainda que parcial e limitadamente, a constitucionalidade desta lei.

 É justamente o funcionamento independente do poder judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, que garante a segurança jurídica do país.  

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 O Congresso Nacional é soberano para aprovar leis, mas é papel do Supremo Tribunal Federal julgar a constitucionalidade destas e isso não é nem novidade, nem muito menos motivo de insegurança jurídica, muito pelo contrário.  

 É a certeza de que o país pode contar com uma suprema corte guardiã da constituição que dá aos cidadãos, inclusive aos investidores e contribuintes, a certeza de que maiorias eventuais não criarão inovações que possam ferir os princípios constitucionais básicos, como foi o caso do art. 3°, inciso III, alíneas “a” e “b” da lei 14.182/21, no que se refere aos princípios constitucionais da razoabilidade, da eficiência, da moralidade e da impessoalidade.

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 Além do mais, foi a própria lei 14.182/21, com seu absurdo dispositivo de “descotização” que representou uma gigantesca quebra de contratos com quase 90 milhões de consumidores do Ambiente de Contratação Regulada, que terão retirados mais de 7,4 GW de energia barata do portfólio das distribuidoras, o que acarretará inevitável aumento nas contas de energia sem que haja nenhuma compensação por isso.

2. A ação do governo desvaloriza o patrimônio público.

 Os defensores do status quo argumentam uma eventual retomada dos direitos políticos da União sobre suas ações ordinárias reduziriam o valor de mercado da empresa e, consequentemente, acarretariam desvalorização da participação da própria União e de suas entidades controladas, como BNDES, BNDESPAR, etc.

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 Em primeiro lugar, não há nenhuma comprovação empírica de que uma maior ou menor participação de um ente governamental em uma empresa privada possa, por si só, acarretar desvalorização desta.

 Muito pelo contrário. Em um setor com as externalidades do setor elétrico, caracterizado por investimentos de longo prazo e altamente regulado, a presença do ente estatal agrega valor. Tanto que a Eletrobrás, enquanto empresa estatal, nunca teve dificuldades em encontrar parceiros privados em suas Sociedades de Propósito Específico responsáveis por grandes empreendimentos como as UHEs Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, etc.

 O que, efetivamente, desvaloriza o patrimônio público é o fato de que cada ação ordinária da União vale apenas um quarto das ações de qualquer acionista privado, no que diz respeito ao princípio fundamental de uma ação ordinária, que é justamente o poder de voto.  

 Ou seja, a desvalorização do patrimônio público se deu quando a União perdeu 76% de seu poder decisório sobre a Eletrobrás sem ter tido absolutamente nenhuma compensação por isso.

3. A tramitação se deu após amplo debate no parlamento.

Nada mais falso.

De forma sorrateira o governo anterior editou a medida provisória da privatização da Eletrobrás no auge da emergência sanitária da pandemia da Covid-19 e aproveitou-se de um regime especial de tramitação instituído para a apreciação de medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia. Evidente que a privatização da Eletrobrás não tinha absolutamente nada a ver com o enfrentamento à pandemia.

 Ao contrário do rito ordinário de tramitação das medidas provisórias, a MP da Eletrobrás não tramitou em comissão mista, tendo sido diretamente levada a plenário pelo relator na câmara dos deputados e sem que houvesse acontecido um único debate naquela casa.  

 Até por não ter tramitado na Comissão de Constituição e Justiça e nem mesmo por comissão especial, não houve controle prévio de constitucionalidade da medida provisória, o que justifica ainda mais a apreciação dos aspectos constitucionais da lei 14.182/21 por esta corte.

 Bom frisar que já há duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, de autoria de diversos partidos políticos, questionando outros aspectos desta lei.

4. Os investidores que participaram da capitalização da Eletrobrás o fizeram por conta do alijamento da União das decisões da Eletrobrás.

 Repete-se agora que os demais acionistas da Eletrobrás seriam lesados com a eventual recuperação dos direitos políticos da União sobre suas ações, já que estes aportaram capital na privatização motivados por essa esterilização das ações da União.

 Ocorre que a capitalização da Eletrobrás se deu com o objetivo de arrecadar ao menos R$ 26,7 bilhões a título de bônus de outorga pela renovação por mais 30 anos, sob o regime de Produtor Independente de Energia, das concessões de 22 usinas hidrelétricas da empresa, além do pagamento de outras obrigações com a Conta de Desenvolvimento Energético, os fundos regionais etc.

 Esse valor total, estipulado em R$ 67,5 bilhões pela Resolução do CNPE n° 30, foi chamado Valor Adicionado à Concessão (VAC) e foi isso que os acionistas privados da Eletrobrás pagaram por ocasião da capitalização.

 Dessa forma, a privatização, ou seja, a perda do controle da União sobre a Eletrobrás, foi mera consequência do fato de o ente estatal não ter participado do processo de capitalização.

 Foi amplamente divulgado, inclusive pelo próprio governo da época, que mesmo após a privatização a União continuaria mantendo mais de 40% das ações da empresa.

 Então se, de fato, a esterilização das ações da União era um benefício esperado pelos investidores, este deveria ter sido valorado e pago à União em decorrência da operação de capitalização, o que efetivamente não ocorreu.

 Não podem agora os acionistas reivindicarem um benefício pelo qual não pagaram.

5. Se a União lograr êxito na ação, qualquer outro investidor, inclusive estrangeiro, poderá assumir o controle da Eletrobrás.

Os defensores do status quo alegam que esta ADI poderá ensejar o fim da salvaguarda prevista na lei, de que nenhum acionista, independente de sua participação acionária, poderá exercer mais de 10% do poder de voto na empresa e que isto criaria a possibilidade de um único acionista, nacional ou estrangeiro, vir a assumir o controle através de uma oferta hostil.

Quem alega isto ou não leu a ADI ou age de pura má fé.

A ADI é clara ao esclarecer que não pretende a nulidade desta cláusula, mas apenas reivindica, justamente, que ela não poderia ser aplicada aos acionistas que, no momento da capitalização já possuíam mais de 10% das ações ordinárias, exatamente porque o único acionista que se enquadrava neste critério era e ainda é a União, que não recebeu nenhuma compensação por isso.

Ou seja, o art. 3°, inciso III, alíneas “a” e “b” continuará em vigor e a União continuará de posse da ação de classe especial que lhe dá o direito de vetar mudanças no estatuto visando suprimir este dispositivo. Desta forma está garantido o direto conferido pela lei 14.182/21 à própria União de vetar que qualquer outro acionista venha a adquirir o controle da empresa.

6. Os correntistas do FGTS que participaram da capitalização teriam prejuízo.

 Em primeiro lugar, apesar de serem milhares, todos os correntistas do FGTS que participaram da operação, através de fundos de investimentos geridos por bancos, juntos possuem pouco mais de 5,5% das ações da Eletrobrás.

 É evidente, portanto, que a direção da Eletrobrás e outros grandes acionistas da empresa, usam os correntistas do FGTS como biombo de seus próprios interesses.

 Na verdade, a privatização da Eletrobrás foi uma verdadeira ação entre amigos, capitaneada pelo grupo 3G, que com 0.05% das ações ordinárias controla de fato a empresa, tendo indicado a maior parte da alta administração, inclusive o presidente do conselho de administração, o CEO (Chief Executive Officer) e a CFO (Chief Financial Officer) da Eletrobrás.

 A participação deste grupo privado se deu desde muito antes da privatização, tendo inclusive, divulgado a primeira proposta do modelo de privatização, via capitalização e emplacado altos executivos da companhia desde o governo Temer.

 Aliás, foi justamente este modelo de “Corporation” que permitiu ao grupo 3G assumir o controle de fato da maior empresa de energia elétrica da América Latina, tendo dispendido uma quantia mínima de recursos, mas contando com uma parceria nada republicana com gestões anteriores do executivo federal.

 Na verdade, não há absolutamente nada que comprove que o fato de a União poder, simplesmente votar nas assembleias da empresa de forma proporcional a sua participação acionária, vá prejudicar outros acionistas, principalmente os correntistas do FGTS.

 Na verdade, os demais acionistas da Eletrobrás deixariam de ter como acionista de referência o grupo 3G, envolvido em escândalos contábeis em diversas empresas que comandam, inclusive no mais recente caso das Lojas Americanas, e passariam a ter a União Federal, que, até por ser a responsável final pelos serviços de energia elétrica, tem todo interesse em jamais deixar a Eletrobrás entrar em recuperação judicial, por exemplo.

 É evidente que a direção da Eletrobrás, que não foi indicada pelos milhares de correntistas do FGTS, não está preocupada com estes pequenos investidores, mas sim com aqueles que os indicaram para seus cargos, que estão inclusive elencados na ata da AGE n° 182 de 05 de agosto de 2022.

 Sendo assim, os prejudicados com a retomada dos direitos societários da União sobre suas ações, são aqueles que, utilizando-se do disfarce de Corporation, sem acionista de referência, exercem de fato o controle da companhia.

Nas Sociedades Anônimas, a característica fundamental das ações ordinárias é justamente o exercício do poder decisório, proporcionalmente a sua participação: “uma ação, um voto”.

As ações preferenciais, por outro lado, possuem certos privilégios, relacionados à distribuição de dividendos, por exemplo, já as ordinárias, tem como principal benefício, justamente o poder de influir nos destinos da companhia.  

Mas apesar de ter tido subtraídos, sem nenhuma compensação, seus direitos societários, a União continua sendo responsável por 42,68% da Eletrobrás. Se acontecer de a Eletrobrás entrar em regime de recuperação judicial, por exemplo, e os sócios tiverem que aportar recursos na companhia, a União terá que responder por mais de 40% desses aportes, mesmo não tendo tido praticamente nenhuma participação na gestão que deu causa a esta situação.

Até por ser a responsável final pelo serviço de geração e transmissão de energia elétrica e por este ser um serviço essencial e estratégico, a União não poderá simplesmente deixar a Eletrobrás quebrar e mesmo que os demais sócios não queiram, terá que resgatar a empresa, como aliás aconteceu recentemente com a UHE Santo Antônio.

O caso da privatização da Eletrobrás não encontra paralelo no mundo. 

Durante a tramitação da matéria no congresso o modelo italiano de privatização da Enel foi bastante citado.

Na empresa de energia italiana também há limitação ao poder de voto, no caso até mais restritivo que no Brasil, limitando em apenas 3% por acionista ou grupo de acionistas. Porém lá há uma única exceção a esta regra, no caso o estado italiano, que possui 23% das ações da empresa e exerce plenamente seus direitos societários.

Enquanto na Itália, mesmo após a privatização, vigora a supremacia do direito do público sobre o privado, no Brasil, no caso da Eletrobrás, é exatamente o contrário. O único sócio prejudicado é justamente o poder público.

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