Deslumbramento e humilhação: o jogo Brasil e Alemanha

Perdemos porque jogamos mal e jogamos mal porque não soubemos nos apropriar do novo que se ensaiou fora do Brasil



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O jogo das semifinais entre Brasil e Alemanha do dia 8 de julho, no grande estádio de Belo Horizonte, significou uma justa vitória da seleção alemã e uma arrasadora e vergonhosa derrota brasileira. Milhões estavam nas praças e ruas de todas as cidades. A atmosfera de euforia dos brasileiros, a maioria enfeitados de verde-amarelo, as cores nacionais, não toleraria jamais, sequer por imaginação, semelhante humilhação. E ela caiu como um raio em céu azul.

Vejo, entre outras, duas razões básicas que explicam o resultado final de 7 a 1 gols em favor da Alemanha. Os alemães, bem como outros times europeus, renovaram as estratégias e as formas de jogarfutebol. Investiram, a meu ver, em três pontos básicos: cuidadoso preparo físico dos jogadores para ganharem grande resistência e velocidade junto com um constante acompanhamento psicológico, para em qualquer situação se manterem senhores de si mesmos; em segundo lugar, preparar craques individuais que pudessem jogar em qualquer posição e correr todo o campo e por fim grande sentido de conjunto. Excelentes jogadores que não pretendem mostrar sua performance individual mas se propõem integrar-se no grupo formando um conjunto coeso, tornam-se fortes favoritos em qualquer competição. Não que sejam invencíveis, pois vimos que, jogando com os EUA, a seleção alemã teve grande dificuldade em ganhar. Mas as referidas qualidades foram o segredo da vitória alemã sobre o Brasil.

A grande questão foi a seleção brasileira. Criou-se quase como consenso nacional de que somos a pátria do futebol, que somos ganhadores de cinco copas mundiais, que temos o rei Pelé e craques excepcionais como Neymar e outros. Houve por parte da mídia corporativa e das agências de apoio, a criação do mito do “Craque da Copa”, elevado a herói e quase a um semi-deus. Esta atmosfera de euforia que atendia ao marketing das grandes empresas apoiadoras, visando lucros, acabaram contaminando a mentalidade popular. Poderíamos perder, mas por pouco. Mas, para a grande maioria, a vitória era quase certa, ainda mais que os jogos estavam se realizando no próprio pais.

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Essa euforia generalizada não preparou a população para aquilo que é próprio do esporte: a vitória ou a derrota ou o empate. A maioria jamais poderia imaginar, nem por sonho, que poderíamos conhecer uma derrota assim humilhante. A vitória era  celebrada por antecipação. Grave equívoco, em grande parte, induzido pela mídia do oba-oba e da euforia, particularmente por rede de TV nacional e seus comentaristas.

Mas houve também um penoso erro por parte da comissão  técnica brasileira. Pelo nosso passado glorioso, ela julgou-se mestra a ponto de pretender ensinar aos outros como deve ser o futebol. Ficou sentada sobre as glórias do passado. Não se renovou.

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Enquanto isso em outros lugares, na Europa, como na Espanha e na Alemanha, mas também na América Latina, como na Colômbia e em Costa Rica, se desenvolvia uma nova compreensão do futebol, novas táticas e novas formas de distribuir as posições dos jogadores em campo. Nada disso foi aproveitado pela comissão técnica brasileira, especialmente seu treinador Luiz Felipe Scolari (chamado de Felipão). É uma figura paternal, severa e terna ao mesmo tempo, amada pelos jogadores e, em geral, respeitada pelo público. Mas é teimoso e persistente em suas fórmulas, boas para o passado, mas inadequadas e questionáveis para o presente. Ele não se deu conta de que o mundo do futebol havia se transformado profundamente, embora tenha trabalhado fora do Brasil.

Não conseguiu duas coisas que permitem entender o fracasso fragoroso da seleção brasileira. Scolari não desestimulou o tradicional e exacerbado  individualismo dos jogadores. Cada qual quer mostrar sua boa performance, quer dar o seu show particular, até em vista de eventual contratação por grandes times estrangeiros. Em segundo lugar, não conseguiucriar um grupo coeso com espírito de grupo. Este deveria prevalecer sobre o individualismo dos jogadores. Deixou os jogadores dispersos. Criaram vácuos inadmissíveis no meio do campo, não souberam marcar os principais craques do time adversário.

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Os alemães se deram conta desta fraqueza estrutural da seleção brasileira. Souberam explorá-la com habilidade. Nos primeiros minutos marcaram já o primeiro gol. Aos 29 minutos do primeiro tempo já era 5 a 0.

Tal desastre futebolístico criou uma espécie de pane na seleção brasileira. Ficou totalmente desnorteada. O próprio treinador Felipão Scolari não soube fazer as substituições necessárias. Estas ocorreram apenas no segundo tempo.

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O jogo parecia uma disputa de um time suburbano  e popular enfrentando uma seleção de nível internacional. Isso não era o futebol que sempre conhecíamos, cujos dirigentes não quiseram aprender nada dos outros, fechados em sua arrogância.  Perdemos por arrogantes e ignorantes.

Tivéssemos 11 Neymares em campo sem um grupo coeso e ordenado, o resultado não seria tão diferente. Perdemos porque jogamos mal e jogamos mal porque não soubemos nos apropriar do novo que se ensaiou fora do Brasil. E não formamos um grupo articulado e coeso.

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Sinto, pessoalmente, grande pena dos “brasileirinhos” que com entusiasmo torceram pela seleção como bem o escreveu André Trigueiro num inteligente artigo que, para além do fracasso, visava a suscitar esperança no povo sofredor. A maioria agora  se sente órfã.

Aqui, nesse país pluridiverso, com uma população hospitaleira e lúdica, para ela quase nada funciona bem: nem a saúde, nem a educação, nem o transporte, nem  a segurança. Tirando o carnaval, não somos bons em quase nada, dizem. Mas pelo menos somos bons no futebol, pensavam. Isso dava  ao simples povo o sentido de auto-estima. Agora nem mais podemos apelar para o futebol. Por muitos e muitos anos esta terça-feira sinistra de 8 de julho de 2014 com 7 gols a 1 para a Alemanha nos acompanhará como uma sombra funesta. Mas o povo que suportou já tantas adversidades saberá dar a volta por cima. Ele tem forte resiliência como sempre mostrou.

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Espero apenas uma coisa: que  a elite que vergonhosamente vaiou a Presidenta, na abertura, com palavrões indizíveis, não volte a envergonhar o Brasil diante do mundo, quando ela entregar a taça ao vencedor. Como tais elites raramente frequentam os estádios e mostram pouco compromisso com o Brasil mas muito mais com seus privilégios, serão ainda capazes desse ato despudorado. Elas apenas mostrariam como se comportam diante do povo e do seu próprio país: com soberano desdém, pois sofrem por não viver em Miami ou em Paris e se sentem condenadas a viver e a acumular aqui no Grande Sul.         

Menção honrosa merece a seleção alemã, que foi discreta na celebração e não se prevaleceu sobre uma vitória tão deslumbrante. E o povo brasileiro soube também reconhecê-la e aplaudi-la.

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